SEMENTEIRA, HOSPEDEIRO, ROMARIA

SEMENTEIRA I – 15 ABR 2020

O semeador saiu sédulo a semear (*)

e sua semente caiu em boa terra,

mais eficiente que uma grande guerra,

para o povo do lugar exterminar,

acostumado no passado já a tentar:

trouxe o sarampo que as crianças ferra,

a peste negra que suas boubas encerra

e mais a sífilis esforçando-se a espalhar...

(*) diligente, esforçado.

Também trouxe tuberculose para a Europa,

de algum modo introduziu a gonorreia,

que os Romanos total desconheciam;

e para conseguir ganhar a copa,

trouxe o COVID-19 à assembleia

das outras gripes que de lá partiam...

SEMENTEIRA II

O semeador saiu a semear a sua semente,

do mesmo modo que Átila e Tamerlão

ou como as hordas cruéis do Genghis Cão,

tantas cidades a esvaziar de gente,

para depois ocupá-las, bem contente,

com o próprio povo veloz em gestação:

muitas cidades da Ásia Central estão

colonizadas por cada descendente,

onde os indoeuropeus antes se achavam;

pirâmides de crânios amontoavam

tais ferozes mongóis conquistadores;

e a Espanhola imigrantes espalharam,

quando os trilhos de trem ali assentaram,

na América do Norte os transmissores...

SEMENTEIRA III

O semeador saiu semeando a má semente,

em seu desprezo pelo povo ocidental,

com seu racismo feroz e triunfal,

sua raça achando superior a qualquer gente...

veio de lá a gripe suína, claramente,

depois a gripe do frango, mais casual,

talvez a AIDS de orientação sexual,

embora esta mais discutivelmente.

Só não os podemos culpar pela malária,

e a zyka e a chikungunya, infelizmente,

aqui trazidas por imigrantes ilegais;

mas paranóia em minha consciência cria:

talvez descubram qualquer trapaça ingente,

pela África a semear tais orientais!...

HOSPEDEIRO I – 16 ABRIL 2020

Às vezes sinto que nalma só me hospedo,

não ela em mim; encontro essa morada,

porque uma parte da antiga foi deixada

e nesse vácuo vou aninhar-me quedo;

descubro em escaninho tal segredo,

nos biriquetes em que desamparada

está minhalma assim depauperada,

depois que te entreguei amor sem medo;

é como se esta alma fosse tua,

mas que metade preferisses desprezar,

levando apenas a parte mais bonita;

e assim vagueio por essa mente nua,

sem saber se ainda a posso assimilar,

ou só em ti é que tal alma se agita...

HOSPEDEIRO II

Há alma e espírito, igual disse Maria,

sendo duas coisas distintas, realmente,

que o espírito se conserva eternamente,

mas a alma cada um desenha e cria;

pois nela a vida inteira se escrevia,

de coisas boas ou de pecado indiferente,

de dia a dia transformada lentamente,

parte tristeza, outra parte de alegria;

por isso a antiga lenda se dizia

de vender alma ao diabo em tempo antigo,

mas é a Deus que o espírito se entrega;

não é o corpo que tal alma vendia,

mas algo mais arcano e pouco amigo,

que em nós ingressa e sua maldade prega.

HOSPEDEIRO III

Há uma doutrina de que a alma é assim criada

no mesmo instante da corporal concepção,

o espermatozóide é escolhido com razão

pelo óvulo em que essa alma é orientada;

mas de uma força superior sendo animada,

já que o espírito requer sua habitação;

é como um núcleo e necessita proteção

de alguma casca pela vida preparada;

e desse forma desenvolve-se o embrião,

mas enquanto cada célula é duplicada,

surge uma célula também espiritual;

que a nós envolve como um manto são,

até que por ação má é conspurcada

e já se afasta de seu dom original.

HOSPEDEIRO IV

Vem o espírito de Deus, formosa gota,

contudo é terna e necessita proteção,

cresce a alma a seu redor como um cascão,

a impedi-lo de tornar-se coisa rota;

da divindade vem o amor que se denota,

toda a paciência, a piedade e a compreensão,

da empatia a se guardar condensação,

todo o rancor a tornar coisa ignota;

mas a alma a pouco e pouco se vicia,

inveja ganha, orgulho e preconceito,

para exaltar-se, no outro acha defeito;

e é desse modo que a vida a corrompia,

ao invés de amor, impondo o seu direito

e enfim se torna, tão só, mercadoria.

HOSPEDEIRO V

Será possível vender tal mercancia,

que de fato, nem sequer pertence a nós?

Se da consciência não se escuta a voz,

vende-se a alma que nossa mente cria

ou que furtamos a Quem de fato pertencia,

trocada assim por qualquer tolice atroz?

Eu não vendi, só a dei a meu algoz,

de olhos brilhantes, por boca tão macia;

ela a tomou de mim, indiferente,

talvez para prendê-la num colar

ou se não mais queria se apressar,

fazer dois brincos e depois mais um pingente...

e assim fiquei com a alma perfurada,

pela menina dos olhos de minha amada!

ROMARIA I – 17 ABR 20

Coloquei meu coração em escapulário

e te entreguei, embora ainda pingasse,

não de sangue, mas da alma que vazasse,

que toda inteira não cabia em tal sacrário.

Ficou no peito só um arremedo vário

de saudade e desencanto que deixasse;

somente o bem e o amor que te entregasse,

guardando as partes más de meu fadário.

Algo me bate no peito, ainda agora;

não sei o quê, talvez o meu pulmão,

a cada vez que aspira o teu perfume;

o coração não me levaste embora,

pois a meu lado te agita a inspiração

e ainda beijo o teu olhar de vagalume.

ROMARIA II

Não sei o que com o coração fizeste:

creio em teu peito abriste uma gaveta,

mas não na carne, em emoção secreta

e ali os dons do miocárdio conservaste.

Meu coração em teucárdio transformaste;

amor por ti, porém, não mais o afeta,

estava todo nessa parte mais completa

que nesse escapulário transportaste.

De estranho modo, percebo algo bater,

que não é meu nem teu inteiramente:

é o nossocárdio, no peito a tilintar,

que diariamente sinto estremecer,

sempre que o corpo junto ao teu assente

e em arrepios consiga ainda te beijar...

ROMARIA III

Acredito que entre nós, constantemente,

tal singular nossocárdio se transfira

e que jamais algum infarto o fira,

durante a dança praticada docemente.

Não é qualquer casal que assim consente

em partilhar de um coração a gira;

com certa resistência a gente o mira,

suas emoções peneiradas pela mente.

Mas entre nós surgiu tal comunhão:

não sei bem em que lugar existe altar,

não é em mim que ainda tenha o seu lugar,

porém o guardas para ti em compaixão,

nesse escrínio sempiterno da empatia

de que a endorfina comum nos brotaria...