ESVAIMENTO &+
ESVAIMENTO I – 30 mar 2020
Comigo estás por um instante apenas,
horas que fossem desse amor recente,
mas no momento em que seguiste em frente,
cada segundo se tornou horas de penas...
Quando junto de ti as horas são pequenas,
depressa passam em seu ritmo fluente
e logo chega para nós tempo inclemente
em que te irás para distantes cenas...
Embora na partida me dês um beijo derradeiro,
nesse aconchego com que os amantes vêm
demorar-se mais um pouco aquém
desse “Boa-noite” malfazejo e rotineiro,
essas palavras complacentes que se têm,
tão automáticas como dizer-se “Amém!”
ESVAIMENTO II
Poucas pessoas decerto perceberam
a semelhança desse refrão final
com o velho deus do egípcio ritual,
Amen ou Amon-Rá que conheceram
os Hebreus quando lá permaneceram,
no cativeiro, de permeio a esse areal,
que múmias vivas ressecava mal e mal
e que nos templos pagãos saudares geram
a esse deus do sol, também Aton,
quando Amenhotep proclama sua heresia
de que apenas um só deus é que existia;
os sacerdotes e o povo, num só tom,
a invocar o sol, com o qual se acostumaram
e à Terra Santa consigo transportaram...
ESVAIMENTO III
Porém “Amém” não nos dissemos na partida,
já que nos dizem significar só um “Assim-Seja”,
porque mesclado seria a um tom de inveja
diante de tal separação assaz comprida...
Somente a volta a querermos ser cumprida,
em novo encontro a que mais amor se enseja;
mas é preciso esse “Adeus” em que se esteja
cortado em dois, só vivendo meia-vida...
Destarte eu escutei o teu “Boa-Noite”,
na garganta todo o ardor de uma secura,
sem saber por quanto a noite nos perdura,
a responder-te sem o menor afoite,
som de teus passos traindo meus segredos,
tua sombra apenas guardada nos meus dedos.
ESVAIMENTO IV – (30/3/2006)
E vi Teu vulto a se escoar aos poucos,
iluminado em forma intermitente
por luz que se filtrava, em opalescente
fulgor; e a meu olhar ouvidos moucos
fazia, enquanto a sombra de alguns tocos
de árvores cruéis, por mais indiferente,
recobria Teu busto inteiramente
e apenas Teus quadrís esgares loucos
podiam divisar... até o instante
em que Te foste enfim e, de meu peito,
saiu largo suspiro temerário,
daquela queixa o arauto palpitante:
por que dormes sozinha no Teu leito,
enquanto eu durmo em leito solitário?...
31 DE MARÇO I – 31 MAR 2020
Um tempo houve do celebrar anual
do aniversário d Revolução
de Sessenta e Quatro, uma ocasião
para desfiles de esplendor marcial,
nossa bandeira em tremular sensual,
os ex-pracinhas formando batalhão,
que ao fascismo combateram com paixão,
com grande orgulho e em passo triunfal!
Mesmo os colégios seguiam a marchar,
mas não no dia do desfile militar;
eu comandava duzentas e mais bandeiras,
já no Setembro de nossa Independência,
que todas se curvavam com paciência,
ante o coreto, com respeito e alvissareiras!
31 DE MARÇO II
Mas depois criticar tornou-se moda,
o comunismo armou-se com sua foice
e seu martelo e alguma gente foi-se,
por idealismo, juntar-se nessa roda.
Mas não o povo. Da burguesia engoda
alguns dos filhos, às ideias dando coice
de seus pais e seus avós. E desgastou-se,
pouco a pouco, a magnificência toda.
Depois mostraram-se os muitos torturados,
mas o suplício deveria ser mental,
pois não surgiram cegos ou aleijados;
é certo, enfim, terem sido aprisionados,
em resultado da repressão final,
talvez até brutalmente interrogados.
31 DE MARÇO III
Mas quem conhecimento tem de história,
lembra as prisões do antigo Getulismo,
de que, em criança, segui até o modismo
e os numerosos que então tiveram morte inglória.
E se voltarmos alguns séculos, compulsória,
era a tortura dos prisioneiros nesse abismo
dos porões da Inquislção e o monarquismo
em Portugal tornava até a tortura obrigatória.
Não sei, não vi, não estive lá,
porém muito convivi com o povo pobre:
havia emprego pleno e alimentação
não lhes faltava. Nisso tudo, lendas há
difundida por má intenção que dobre
a nossa história a reescrever sem compaixão!
SIMULACRO I – 1º de abril de 2020
quando um soneto se acha Integralmente
do cérebro no interior, é como um Barco
atolado totalmente nesse Charco
dos elétricos impulsos de minha Mente.
porém tem alma, inda que seja no Inconsciente,
mais como flecha abandonada sem ter Arco,
em vasto areal desértico e sem Marco,
mas ali está, movendo-se Indolente...
contudo, um dia, é posto no Papel
ou em impulsos eletrônicos Inserido,
deixa a alma para trás e faz-se Material.
morre o poema como tubo de Álcool-gel,
só ressuscita no momento de ser Lido
em tua alma a reintegrar-se Espiritual.
SIMULACRO II
porque o poema é teu, mesmo que Tenha
sido escrito por mim e só Revive
quando de um olhar a complacência o Crive
e o revista da emoção que antes Contenha.
sempre é preciso que o poema Venha
perante alguém que o seu valor Ative,
abandonado algures jamais Vive,
por mais que o expalhe como me Convenha.
a musa cobra de mim, com Exigência,
nova passagem para o verso que me Assopra
e então preciso, com constante Urgência,
lançar ao mar o que ocupa essa Saída,
com tal frequência que a mente até me Alopra
e só de teu olhar receber poderá Vida...
SIMULACRO III
começa hoje o fresco mês de Abril,
Dia dos Bobos, qual costume Sugeria
chamar devêssemos em cada ano o Dia;
de certo modo, essa bobeira é Senhoril.
confiei na musa, numa tonteira Vil,
que integralmente sua torrente me Daria
e atrás dos versos todo o amor que lhe Pedia,
em linhas blau cada soneto cor de Anil...
e sem dúvida, não há nada de Perverso
nessa promessa de me dar Poesia,
pois constante seu fluxo ainda Derrama,
mas quanto a amor, o balanço é bem Diverso,
perdi a centelha dos olhos em que Cria
e até a esperança de saber se ainda me Ama...
SIMULACRO IV
pois a musa está quebrada, perdeu Luz,
seu braço se partiu, que me Guiava;
aos cegos olhos meus o brilho Dava:
firme indicando que retomasse a Cruz,
pesada e alvinitente -- a carga de Poesia
que tinha a transmitir, quisesse embora Não,
a toda a humanidade, “amor de Maldição”,
por essa senda estreita, "em rude Penedia".
e agora está aleijada, sozinha, Malferida,
seus braços não têm luz para Mostrar...
a sombra protetora se afastou, Mesquinha,
e assim fui alijado, a musa tão Querida
não mais derrama luz, meus passos a Andar,
qual segue um escudeiro os passos da Rainha.
ALTIVEZ I – 2 abr 2020
O velho se apresenta ao consultório,
com um corte na mão; e pede pressa,
pois tem um compromisso, uma promessa
que precisa cumprir; um peditório
que o doutor logo atende; e então, indaga
que compromisso é esse, tão urgente
e o velho lhe responde que é a frequente
visita feita à esposa, que se apaga,
tocada de Alzheimer, numa clínica
e ainda acrescenta que ela nem mais sabe
quem ele é; e à pergunta cínica
do médico sobre a pressa que então cabe
num caso assim, responde, como um rei:
"Não sabe mais quem sou; mas ela... eu sei!"
ALTIVEZ II
Faz hoje grande progresso a medicina
no estudo desta última fronteira
do corpo humano; e quem sabe, vá ligeira
a cura descobrir desta assassina
da memória, a roubar quanto fascina
no indivíduo; o que ama vai primeiro
e o de que mais necessita, derradeiro:
muito cientista a tal estudo inclina...
mas enquanto não ocorre, como é triste
tantas pessoas se ver a desmanchar,
muita vez com o corpo inteiro no lugar
e essa interna inclemência não se aviste;
quem sabe aonde irá a mente divagar,
enquanto inteira se desmonta devagar?
ALTIVEZ III
E o pior é que isto é o resultado
do conforto que nos dá a civilização;
entre os povos selvagens, logo são
eliminados os que sofrem desse fado;
já descartados sem pena e sem cuidado,
que é “mal dos deuses” ou impura punição
e de fato, bem raramente se acharão
os afetados por essa triste realidade;
vivendo mais, achamo-nos sujeitos
aos vários tipos de degradação,
como o câncer e o que sofre o coração,
ou diabetes a nos causar vários defeitos,
quase um castigo pela vida confortável,
pela ingestão excessiva e condenável...
CONTROVÉRSIA I – 3 de abril de 2020
Quem come sozinho, dizem, come com o diabo,
Já um urubu sempre come com os seus,
Isso confirma criatura ser de Deus,
Mesmo sofrendo do humano menoscabo!
Mas não se diga que aos carniceiros gabo.
Contudo egoístas e esses novos fariseus
Ou tantos outros que em moral são pigmeus
Maugrado meu, a olhar com nojo acabo.
Seres mesquinhos que a doença alheia
Como um pretexto mesmo agora tem tomado,
Dos subsídios se têm locupletado
Quando o governo federal abre sua veia
E enormes verbas envia a cada estado,
Que em superfaturamento têm roubado!
CONTROVÉRSIA II
Meu objetivo sempre é a política evitar,
Pois meu pendor é o da arte pela arte
E a poesia certamente fará parte,
Sem permitir-se a força alguma se curvar;
Não obstante, alguma coisa há de escapar,
Que minha revolta simplesmente não descarte
E mesmo que dessas notícias já me farte,
Sinto-me preso e forçado a condenar.
É bem verdade que não me convenci
De que este vírus tenha a gravidade,
Da Morte Negra, por exemplo, do passado;
Porém me sinto seguro do que vi,
Que de Brasília se distribui a benignidade,
E que esses abutres, cinicamente, a têm furtado!
CONTROVÉRSIA III
Pouco importa o partido a que pertençam,
Nossa cultura não promove a honestidade,
Os mais sinceros e os de maior veracidade
Pisam nas lamas que a seus pés se adensam
E cedo ou tarde, a maneira como pensam,
É macerada pela corruptibilidade
Que a seu redor encontram em quantidade,
Bons propósitos não encontram quem convençam.
E vejo essa assembleia de corvos, sem piedade,
Alegremente a devorar tanta carniça
Que se acumula enquanto as mortes vão crescendo,
Comendo com o diabo, em veracidade,
Cada um deles competindo mais na liça,
Para seus bolsos desonestos ir enchendo!