FOGO DE SANTELMO &+

BUQUÊ DE SANTELMO I – 19 FEV 20

Nos romances do mar era frequente

ao Fogo de Santelmo referência,

sua luz berilo sem benemerência,

sempre um malfeito em profecia ingente.

Talvez mais em Moby Dick esteja assente,

quando a luz brilha em circular potência

sobre o arpão firmado com veemência

pelo Quiquegg iroquês, de coração valente.

O mais comum é que nos mastros brilhe,

sempre temido como um mau presságio,

qual se o veleiro em breve fosse naufragar,

mas que o barco a vapor em breve encilhe,

nos mais modernos com maior deságio,

onde o alto mastro para se enroscar...?

BUQUÊ DE SANTELMO II

Essa luz que costumava então brilhar

e realmente prenunciava tempestade

não mais mencionam com regularidade,

mas acredito que ainda possa circular

em qualquer ponta que se venha a projetar,

em circunstâncias de favorabilidade,

mas esvaziou-se a supersticiosidade

sobre o chamado do antigo rei do mar.

São como os fogos-fátuos sobre a terra,

embora os barcos não os tentem alcançar,

uma vez que o próprio barco já alcançaram;

mas sobre a terra esse Santelmo encerra

real perigo a quem o for buscar

e por segui-lo já muitos se afogaram...

BUQUÊ DE SANTELMO III

Mas essas luzes se desvanecem logo,

bem mais constantes sendo os vagalumes,

que a cada ano os seus formosos lumes

mostram nos pastos em cintilante fogo.

Mas tão logo ultrapassado o breve rogo,

os machos circulando pelos cumes,

as fêmeas sobre a terra, breves gumes,

rápido encontro terá seu desafogo.

E de igual modo, olhares cintilantes

que me faziam vaguar permeio à geada,

chispas de olhares em tantos semblantes,

tendem depressa a se desvanecer,

já a elétrica reação desencadeada,

até que tudo se apague e vá perder.

BUQUÊ DE SANTELMO IV

Porque enfim tem o pendor dos pirilampos:

brilham um pouco e esvoaçam pelos campos,

mas morrem bem depressa: são arrancos

em que perecem, nos seus verdes fulgores,

sejam azuis ou castanhos seus ardores,

quer sejam acolhedores nos amores,

quer nas pálpebras só tremulem estertores,

e a luz se apague de seus olhos francos...

E o que melhor será, guardar-me a luz,

toda inserida no fundo da memória,

depois que essas pestanas se fechassem,

ou acolher-me ao suspiro que seduz,

nessa partilha de amor só transitória,

sem que em meu coração nada deixassem...?

REDENÇÃO I – 20 FEV 20

Um dos Sete Doutores da antiga Igreja

afirmou, com total convicção,

que Jesus Cristo dará a todos salvação,

não importando o que fez ou aonde esteja,

mas que sua graça jamais pestaneja

para afrontar qualquer tribulação,

sempre estendida essa divina mão,

seja qual for a falha que ali seja.

Porém essa mensagem benfazeja

logo fez condenar a hierarquia:

se assim fosse, para que fim serviria

su confissão e a penitência que se enseja?

E francamente, para que se contribuir,

se não iria ao Paraíso conduzir?

REDENÇÃO II

Do mesmo modo a sobreviência corporal

que ocorreria na reencarnação,

que Paulo afirma, em total contradição:

“Só ressuscita o corpo espiritual.”

E em tal caso, por que o corpo material

precisaria de uma perene locação

num cemitério abençoado pela mão

que um hissopo brandiria em catedral?

Mas cemitérios pertencem às capelas

ou às igrejas e requerem aluguel

ou uma compra de lote de terreno;

mas para reis e nobres tumbas belas

eram erguidas no eclesiástico quartel,

perto do altar e ao abrigo do sereno...

REDENÇÃO III

Há muita gente que a Jesus se converteu,

mas cometeu depois grave pecado,

aos próprios olhos sendo condenado,

pois de seus deveres sacros se esqueceu,

já crendo assim que o Paraíso se perdeu,

sendo o abismo do inferno já esperado,

seu caldeirão muito bem acalentado,

em desespero no momento em que morreu.

O que esquecem é que em seu grande sacrifício

o Salvador por toda culpa já pagou

e a vida deles transcorreu posteriormente,

de tal modo que qualquer seja seu vício,

já a Graça anteriormente o resgatou

e nela devam confiar integralmente.

LUZ E SOMBRA I – 21 FEVEREIRO 2020

Eu busco a sombra deixada em tuas pupilas,

Ladrilhada de ti no meu jazigo,

Sem que precise carregar mais meu perigo,

Porque é tão forte a luz que me cintilas,

Que de algum modo um fulgor dessas ancilas

Me atenderá, sem precisar pagar abrigo,

Senão com a sombra que trazes já contigo

E não mais andarei só nas longas filas

Das sepulturas de enterrados sonhos;

Tiraste a sombra e me deste o teu farol,

Mas tua lembrança novamente assombra

Em fogos-fátuos de amor, fados bisonhos,

Porque à sombra não faz falta a luz do Sol,

Mas não há luz que não projete sombra...

LUZ E SOMBRA II

Assim, se busco a sombra recolhida

Dentro em teus olhos para fortuna minha,

É que entrevejo nas sombras lampadinha

A tornar minha longa estrada protegida.

Sem essa sombra que foi de mim perdida,

Algo me falta; tão somente a tua luzinha

Meus passos tontos na estrada desalinha,

Que ali projeta uma outra sombra desvalida

E a luz que deixas sobre a minha cabeça

Projeta sombras nos passos arredios

E sempre posso nesse escuro tropeçar,

Mas se minha própria sombra me regressa,

Talvez nos passos se projetem fios

Que me sugiram por onde hei de marchar...

LUZ E SOMBRA III

O fato é que te foste e minha tristeza

Que era antes em mim tão oprimente,

Levaste para ti em sempre presente,

Deixando em seu lugar luz e beleza...

Mas ao te fores, só restou-me a incerteza:

Meus males anteriores, carga ingente,

Foram contigo, mas fico descontente,

Porque essa luz que deste em minha fraqueza

Contigo enfim levaste e já não tenho mais

Igual melancolia à que nutria no passado,

Hoje um vazio tão somente é em mim deixado.

Levaste a sombra e a luz de teus fanais...

Que sombra eu tenho agora, se essa luz

Para minha sombra projetar não mais reluz...?

SÓRDIDOS BEIJOS I – 22 FEV 2020

Que eu deponha antigos beijos como alheios,

Ansiando apenas pelos novos de tua boca,

Que em meu suspiro eu colha a rosa rouca

Recamada de espinhos de teus seios;

Que meu sangue se exponha nesses veios,

Nesse encarnado rubro de tua touca,

Que se derrame igual prece feita louca,

Na exaltação de tantos mil anseios.

Que seja o beijo dessa glória repetido,

Quais foram tantos outros feitos pó,

Que minha amargura se faça em chuva e sol

E que de novo te lance esse gemido

Dos beijos mortos, quando um beijo só

Me acordará no brando inicio do arrebol!

SÓRDIDOS BEIJOS II

Que os beijos tantos que pela vida tive

Não se comparam a essa meiga maciez

De teu primeiro saboreado nessa vez

Em que meu corpo nos teus braços vive.

Que se algum dia após não me contive

E a outra boca consagrei desfaçatez,

Tal beijo sinto ser de pura sordidez,

Comparado com a pureza que revive

A cada vez que me perco no teu beijo,

Na esperança de ter ainda muitos mais,

Que ao clarão da Lua sejam tantos,

Quantos à luz do Sol tenham ensejo,

Que de outra boca os lance no jamais,

Por mais salgados perceber alheios prantos!

SÓRDIDOS BEIJOS III

Quem já provou de um beijo verdadeiro,

De amor trajado e de sinceridade,

Que lhe confere uma breve eternidade,

Não mais deseja qualquer outro sorrateiro,

Mesmo tal beijo sendo apenas derradeiro,

Que nunca mais se manifeste essa ansiedade,

O desespero de conhecer veracidade,

Por esse beijo que demonstra amor inteiro.

Porém a carne é fraca, como falam

E sempre em torno nos abraça a tentação

De qualquer beijo recebido de surpresa,

Mas esses beijos sem amor trescalam

Só de desejo e de luxúria sem paixão,

Na sordidez por detrás de sua beleza.

SÓRDIDOS BEIJOS IV

Mas que tipo de perdão posso esperar,

Se confessar-lhe essa tal desfaçatez,

Que seu beijo conspurquei na sordidez

De outro beijo que nem sequer queria ganhar?

Será que devo realmente confessar

Essa ação má que a fidelidde me desfez?

Será que a ela magoaria por sua vez

A um ponto tal de não querer-me mais beijar?

Ou então devo ocultá-la, simplesmente

E conservar esse grande amor nascente

Puro e perfeito apenas no exterior?

Porém sórdido em mim, internamente,

Sem querer arriscar beijo consciente

Por outro beijo recebido sem amor...?

RAÍZES DO VENTO I – 23 FEV 2020

“O vento sopra onde quer e ouves sua voz,

porém não sabes de onde vem, nem para aonde vai,”

diz o salmista em quem inspiração recai

e que da vida quer desatar os nós.

Não é o vento pesado como as mós,

mas sua leveza de fato nos contrai

quando está frio ou quando o calor sai

de nosso corpo para deixar-nos sós.

Mas como as mós pode ser esmagador,

cidade inteira podendo destroçar

ou tempestade de areia dardejar.

De onde vem o seu veraz fragor,

para onde vai seu zéfiro gentil,

após carícias propiciar-nos mil?

RAÍZES DO VENTO II

Onde se encontra a árvore do vento?

Seria na Hélade, na mencionada ilha

chamada Eólia, a viração sua filha,

que então espalha o deus Éolo em espavento?

Ou seria lá no norte esse portento,

talvez Yggdrasil, em que se atilha

essa raiz que a Terra inteira encilha,

seria dali que brota o seu alento?

Quiçá o vento espalhe suas sementes,

empregando no transporte água da chuva,

ou encaixadas no Sol dedos de luva,

aos quatro sóis seguindo então frequentes,

já que “aos quatro ventos” não podiam,

pois só as sementes dos tais existiriam...

RAÍZES DO VENTO III

Onde se encontram, então, essas raízes

e qual a origem da primeira sementeira

de que a árvore brotou frágil primeira,

desde essa terra em que incauto pises?

No Ártico e no Antártico essas crises

que fazem desmanchar cada geleira,

talvez ao vento arraigassem com certeira

firmeza em gelo tal semente que ali incises.

Segundo afirmam, árvores não nascem

nas vastidões que a luz solar rejeitam,

mas aqui nascem as árvores da neve,

que de algum modo ali frutificassem

e a árvore do vento oculta aceitam,

que olhar algum a divisar se atreve...

RAÍZES DO VENTO IV

Por certo algures o vento se enraíza

e ao invés de sementes lance ramos,

a diluir-se da luz nos seus reclamos,

derretendo-se então em leve brisa,

que murmurando docemente avisa

que irá crescer em ventos soberanos

com sua fúria a desafiar seres humanos,

mas tal aviso seus danos ameniza,

porque a gente se julga invulnerável

e as florestas para lenhar cortar se atreve,

assim ao vento abrindo senda breve,

ou covas abre de jeito irresponsável,

até as raízes do vento desnudar,

e os violentos tornados iniciar...

RAÍZES DO VENTO V

Será que espia desde a Árvore de Natal,

o Tannenbaum, principal entre os pinheiros

ou do carvalho celta em que, certeiros,

cortavam drúidas o visgo do ritual?

A antiga árvore do céltico fanal,

também os nórdicos veneravam nos aceiros,

largos fogos acendendo, sorrateiros,

para espantar do inverno o frio fatal...

Nos curtos dias do solstício hibernal,

que novamente as horas se estendessem

sem o temor dos escuros permanentes;

estava o vento então contido num bornal

e os sacerdotes então o devolvessem,

para que as piras queimassem mais potentes?

RAÍZES DO VENTO VI

Vento que venta desde a eternidade,

ou pelo menos, desde o eterno limitado

com que nosso planeta é aquinhoado,

de onde vens para reger a humanidade?

Vento que venta e perdura sem saudade,

muito depois de espalhar por todo o lado,

as finais cinzas do último soldado,

como um adubo para o verde sem maldade...

Vento que ventas, ocultas tuas raízes,

de arraigar anterior ao pleistoceno,

vento que ventas com tua voz o que me dizes?

Quando as cocleias internamente alises,

vento que ventas em meu pulmão pequeno,

há algum motivo para que de mim precises?