DIÁLOGO DAS MÃOS

Deus nos deu a forma e a medida certa

Só nós conhecemos do amor o segredo

Para amenizar a solidão, o ódio, o medo

Nas decepções das horas mais desertas.

Estamos sempre postas, prontas a curar

A alma solitária e o coração vazio

Com desvelo acalmar a mente em desvario

Do irmão que necessita e pede um olhar.

Mãos sejam vazias e sejam pequenas

Somente na humildade é que se pode amar

E subir os degraus da escala do valor.

Pois são muito mais que simples mãos apenas

Aquelas que nuas, conseguem se doar

E aquelas que nuas, prosseguem sem a dor.

(Setembro de 1984)

Sobre o Soneto:

Revirando um baú antigo, encontrei um caderno amarelado pelo tempo e dentro dele alguns rabiscos poéticos. Fiquei um minuto folheando até que um soneto chamou-me a atenção. Interessante como a lembrança pode nos transportar ao passado, reavivando momentos já empoeirados no arquivo da memória. A pretensa poesia trouxe-me a imagem do professor Bastos, discursando enquanto caminhava entre as fileiras de cadeiras: “Sonetto tem origem italiana - pequena canção ou pequeno som. Trata-se de um poema constituído de quatro estrofes, sendo as duas primeiras com quatro versos e as duas últimas com três. Cada verso tem dez ou doze sílabas: Decassílabos ou Duodecassílabos...”

Tive o privilégio de ser aluna do ilustre Poeta, Advogado, Escritor, Musicista, Artista Plástico, Cineasta e pessoa incrível, José Bastos Bittencourt. Suas lições iam além da Comunicação em Língua Portuguesa, da Música e da Literatura. Iam, aliás, muito além da sala de aula. Na época ele produziu o Curta “A Maldição da Cata Branca”, documentário em que minha classe foi convidada a participar como figurante.

Mas voltando ao soneto, um dia o professor propôs que fizéssemos um poema em verso. Uma quadrinha com rima era suficiente. Eu tentei caprichar. Deixei de lado os esportes comuns dos fins de semana como Queimada, Pique - esconde, Amarelinha entre outros e me recolhi absorta, sentada numa pedra à sombra da laranjeira no sossego do quintal, um caderno no colo. O silêncio só era quebrado pelo farfalhar do vento nas folhas da bananeira e pelo cacarejar das galinhas que ciscavam preguiçosamente ao meu redor. Distraíam-me os raios de sol revelando uma poeira dourada no ar; formigas apressadas escalavam o tronco do abacateiro... Eu vagava pelos túneis do meu subconsciente, retornava ao consciente e nada de poema. Após tentativas vãs e muitos papéis na lixeira, olhei minhas mãos inertes e desejei que adquirissem vida própria, pois meu cérebro dera de cochilar. Acho que elas me atenderam. Desembaraçaram as idéias, juntando finalmente as palavras que por sua vez deram sentido às frases. Eis que saiu um soneto – duodecassílabo.

 

 

 

Zaira Belintani
Enviado por Zaira Belintani em 16/12/2020
Reeditado em 13/03/2023
Código do texto: T7137390
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