BERINGELATO DE CENOURIPINO &+
BERINGELATO DE CENOURIPINO I – 12 JAN 2020
Depois que veio a permissão para os genéricos,
Mostra-se o nome científico em caixinha,
Não importa o nome de fantasia que tinha,
Drágeas que seja ou comprimidos mais esféricos.
Assim surgiram os nomes mais feéricos
Que a química farmacêutica continha,
Abandonada a legenda velha e bonitinha
Pelos excessos atuais arqueoptéricos...
Longe o tempo em que só o Salicilato
De Sódio era chamado de Aspirina
E que até troça ouvia quem lembrava,
Assim submetido a um desacato
Por não lembrar-se então da pequenina
Designação, mas da maior se recordava!
BERINGELATO DE CENOURIPINO II
Por algum tempo correu outra piada:
Dois amigos que havia tempos não se viam
E informações sobre famílias não sabiam,
Começaram a indagar da filharada...
“Tenho três filhas”, respondeu um camarada,
“A mais velha é a Aspirina...” – Não se riam,
Porque as outras duas respondiam
Por Novalgina e Paracetamola cada!...
O seu amigo demonstrou educação:
Dos estrambóticos nomes nem sorria:
Seu diafragma contrai e então relaxa...
“E do senhor, qual é a filiação...?”
“Tenho uma só, que batizei como Maria...”
“Maria? Mas isso é nome de bolacha!”
BERINGELATO DE CENOURIPINO III
Por que criticarmos o mérito da medida?
Toda criança aprenderá a nomenclatura;
Se cursar química e se a memória dura,
Terá vantagem ante os testes concedida!
Cada nome com boa razão, bem merecida:
E se acaso em sua lembrança não perdura,
É só levar do medicamento que procura
A designação que na caixinha é referida!...
Mas não podiam ser ao menos mais comuns?
Talvez “Coraçonato de Baixapressonida”
Ou “Artritenato de Antidolorida”!...
Nomes de frutas ou hortaliças tendo alguns,
Tais como “Batatanato de Maçanipino”
Ou um “Banananato de Couvefloripino”!...
A EXPERIÊNCIA DE MAXWELL (1871) I – 13 jan 2020
James Clark Maxwell concebe um dia
um famoso experimento, há mais de cem
anos passados: uma caixa que contém
repartição que ao meio a dividia...
Desafiando as leis dessa entropia
que governa o Universo, ali retém
membrana transparente, que porém
permite passem as moléculas que o dia
tenha aquecido para o lado que governa,
até metade da caixa se aquecer,
a pouco e pouco, enquanto a outra esfria.
Mas por que qualquer demônio nessa eterna
tarefa, qual Sísifo, poderia se entreter, (*)
quando o que odeiam é justo a distropia?
(*) Um grego condenado a encher barril sem fundo.
A EXPERIÊNCIA DE MAXWELL II
E se você não entendeu a experiência,
talvez nem os demônios a compreendam;
Pobres diabos! Qual o jeito de que entendam
leis que há dois séculos afirmou-nos a ciência?
Por Entropia, designa-se a tendência
da energia que os céus extendam
a distribuir-se por igual e não se acendam
mais as estrelas de qualquer magnificência.
E ao contrário se chamará de distropia:
da energia a se formar a acumulação,
essa tarefa que executam os seres vivos
e que a presença da morte negaria,
causando assim a material dissolução,
enquanto filtra a energia por seus crivos...
A EXPERIÊNCIA DE MAXWELL III
Segundo afirmam, há fogo pelo inferno
e todo fogo libera essa energia
que em combustível se concentraria,
à entropia apoio a dar superno,
seus caldeirões em seu ferver eterno
e até o berro do condenado espalharia,
quando a alma ali fritada cuspiria,
mais energia para a negra luz do Averno!
E se nunca ouviu falar em Maxwell,
nem na razão de ter feito esse experimento,
ele é lembrado só por especialistas,
pois a fama se dilui como um ouropel:
não há razão para qualquer lamento
e de causar a distropia não desistas!
CALÇADO VELHO I – 14 JAN 2020
Andando pelas ruas, encontrei
um par de tênis velhos atirado
contra a parede, meio esbagaçado
tão triste e sujo, que mal imaginei
quem os usara antes, só lembrei,
num momento de espírito atilado,
aqueles pés que os haviam usado
quando eram novos, tal como os pensei.;
e assim, ao vê-los, na esquina da calçada,
lançados nos ladrilhos, sem carinho,
eu trouxe à mente aquela a quem amei.,
naquele instante de vida abandonada:
só ficaram os calçados, no cantinho,
que, num canto da memória, conservei..
CALÇADO VELHO II
No canto da memória guardo um canto,
feito de estrofes perdidas de sentido,
todo o sentido antigo já perdido,
sem o recordar sequer por breve pranto.
No escaninho da memória que descanto,
há esse canto raramente ouvido,
há esse canto que visitar olvido,
mesmo o pranto congelado em tal recanto.
Entre ladrilhos já um pouco deslocados
pelas raízes de outros cantos tantos
pelas lembranças de cantos nada santos,
em que que conservo apenas os calçados
que retiraram em noites de luar,
no escuro canto em que vieram me abraçar...
CALÇADO VELHO III
Essas lembranças de tempos mais antigos
são como os tênis ali abandonados,
por sobre tais ladrilhos desolados,
tristemente recusados por mendigos;
quanto desdém, iguais que pobres figos
pelo vento e por maduros derrubados,
que nem formigas os tenham carregados,
quando alvirrubra a polpa eram amigos.
Ali lançados até se apodrecerem,
ali os calçados, até se desmancharem,
ali as lembranças aos poucos esvaídas...
quando os traços do rosto se esquecerem,
quando as solas das gáspeas se afastarem,
quando as mágoas por outras forem perseguidas...
SUGADOURO I – 15 jan 2020
O som do tolo atola no atoleiro:
seus passos se diluem, somente os braços
manoteiam em vão, perdidos passos,
perdidos braços na areia do terreiro...
Também no amor se atola o derradeiro
passo de amor lançado nos fracassos:
desaparece sem deixar seus traços,
amor final a fracassar inteiro...
Ah, tal amor que no atolar se agita!...
Em tal pavor que no afundar se precipita
do atoladouro sem haver qualquer remédio,
no viradouro a revolver-se até o tédio,
no escoadouro final do amor querido,
no sugadouro enfim do amor perdido...
SUGADOURO II
Pois realmente, quando o amor acaba,
mas quando em nós em nada se acabou,
mas quando o amor da amada terminou,
feito desdém, quando de nós se gaba,
em vácuo feito quando o peito embaba
desse desprezo com que nos desprezou,
desse desdém com que nos desdenhou,
quando a riqueza se transforma em naba,
quanto mais tenta alguém recuperar
o passo firme sobre o véu de lodo,
tanto mais se descobre a escorregar
e a sensação é até difícil de lembrar,
que o tempo seca o lodo de algum modo
e o sugadouro nos para de sugar...
SUGADOURO III
Mas não foi atoladouro que atolou
esses meus passos quando amor fugiu,
quando o equilíbrio em nada concluiu,
quando o espanto em mim se acalentou.
Eu me atolei foi no olhar que me lançou,
não no final, porém quando me viu
e um puro amor tão falso me fingiu,
e em sorrateiras garras me abraçou...
Foram as vistas que nas minhas se instalaram,
foram as pálpebras que então me palpitaram,
foram seus cílios pretendendo ser gravetos,
que quando me afundei não me alcançaram,
nessa esperança do amor que me negaram,
tolo iludido na escassez de seus afetos...
latrocínio I – 16 jan 2020
atravesso a rua
vejo o giralua,
meu coração estua
em tal alumbramento
atravesso a nua
estrela que flutua
tudo se insinua
em meu pressentimento
atravesso a grua
num olhar de pua
quebranto o juramento
para que se conclua
a verde-azul gazua
arromba o sentimento
latrocínio II
efeito de tocaia
em um chispar de vaia
ladrão que sai da baia
cometo o latrocínio,
sem esperar que saia
a minha ímpia laia
seu coração desmaia
em simples assassínio
e quando ao solo caia
com látego de faia
e numa ânsia gaia
pratico o lenocínio
a vida é pura Maya
em seu ferrão de arraia
tombado sobre a praia
um feto do períneo
latrocínio III
matei sem compaixão
golpeado pela mão
do sentimento irmão
perdido seu alento
sem mais exalação
adrede uma emoção
algures sensação
perdido seu momento
magia em perdição
rompido caldeirão
final condenação
rompido o mandamento
nenhures brotação
cortado esse cordão
quebrado seu condão
alfange de meu vento