TRILHA XVIII - LÚGUBRE
RÉQUIEM DE UMA ALMA LASTIMOSA
Ó formas negras, plúmbeas, esquimosas
De noites sem luar, e sem amores!
Ó formas isensatas, tediosas...
Sem cor, sem brilho, sem o olor das flores!
Réquiem soturno d'alma, em dolorosas
chagas, que a luz do dia exprime horrores...
Em tênue acorde, as cifras vaporosas,
Dolentes, cruas - perfazendo as dores.
Saudades castigando um peito, louco
De amores, as volúpias corroendo...
Clamam dolências fúteis (canto rouco).
Ó lira, fecundai em mim, o acorde
maior; no júbilo, um sonante (adendo),
- Fecunde o amor, e em vibrações, transborde -
Aila Brito
*ADORMECI A AURORA*
O tempo ergueu a eternidade fria,
e o turvamento que me quer deserto,
sinto a algidez enclausurando o dia,
no entristecer famigerado incerto...
O anoitecer alcança o meio-dia,
tristeza existe na visão que oferto,
passado aflora na canção sombria,
o que sorria não está por perto.
E quem me vê duvida desta vida,
quase esquecida se entregando ao chão.
Eu atravesso a escuridão ferida...
Tenho a certeza descontente agora,
do coração que me responde o não...
Neste caixão adormeci a aurora!
Janete Sales Dany
*A ALMA E O ANJO*
Febril estado, o sofrimento expande,
Íntimo d'alma que decai sofrida,
Dores de amor que se tornou ferida,
O que no espelho se reflete grande.
Alma perdida, chora, e esmorecida...
Benévolo anjo pede que se abrande,
Afaga a criatura e diz: - Oh, ande...
Anime-se, Alma, bela flor da vida! -
Sorrindo, a luz evola e, resoluta,
Retoma a força e abraça a própria luta,
Esperançosa em si, em nova sorte...
E num remígio vasto de otimismo,
Transcende a sombra em gesto de lirismo,
Renasce, avança, brilha e vence a morte!
Ricardo Camacho
*ELEGIA ÀS FADAS*
É triste perceber que as belas fadas
Sucumbem sob os jogos virtuais.
São games que, no império de sinais,
Limitam as ações — aprisionadas...
As telas, com visões abrilhantadas,
Ofuscam e decretam funerais,
Sequestram para as redes sociais
As vozes, em silêncio, entrecortadas.
Prisão do imaginário, assim, discreta,
Invade, sorrateira, e logo lança
Correntes, limitando o que se vê...
As fadas e os brinquedos se deleta,
Tragando toda infância da criança.
Ó Deus, dos céus, opere um “control Z”...
Elvira Drummond
*O OCASO*
Ao contemplar o ocaso e a luz que finda
ante a varanda, avermelhando o mar,
eu sinto a brisa mansa e tão bem-vinda
junto ao frescor da espuma a se espraiar.
Se, foi-me a vida, suave e breve e linda,
aos poucos finda feito um despertar
de uma alvorada que, precoce ainda,
já se prepara para se acabar...
E por ser bela a vida eu tenho pena
de perceber que aos poucos finda, a cena
em que a cortina fecha e a luz se apaga.
Ah que saudade eu sentirei de mim,
se esse roteiro belo tiver fim
e não for dada a chance à nova saga!
Edy Soares
*REGALIAS*
Enquanto legiões de parasitas lestos
não fazem sua festa e acalmam apetites,
extravasando ardor em meus sulfúreos restos,
exorto o coração a ultrapassar limites.
Não quero o desprazer de desfilar protestos
no ocaso, por lembrar que recusei convites,
tampouco, ao me despir até dos mais modestos
tecidos, perceber errados meus palpites.
Prefiro mergulhar na vida, sem receios,
ferir os pés e as mãos atrás das regalias,
deixar no esquecimento a tentação dos freios.
As cicatrizes vêm de nossas travessias
em busca da beleza escrita em devaneios
e apenas dão valor às grandes alegrias...
Jerson Brito
*CAMPO SANTO*
Em teu silêncio resta o eterno sono...
o corpo inerte, sucumbiu em vida,
restando a dor, a veste bem florida,
na caixa fúnebre, eis aí o trono.
Os pés à frente em eternal partida,
apontam alas indicando ao dono,
o campo santo sem qualquer abono
restando, enfim, a cova por guarida.
Por fim, o pranto misturado às flores,
Aplausos mudos sem conter fulgores...
aplaudam, antes, quando o tempo vale,
depois de morto seu aplauso guarde,
buscar festejos é um pouco tarde,
as emoções em vida, sim, exale.
Douglas Alfonso
*LÚGUBRE SENSAÇÃO*
Palavras eram ditas bem baixinho,
Soluços eram tidos com lamento
E os passos, dados sempre de mansinho,
Testemunhavam dor e sofrimento.
Na sala se escutava um murmurinho
Frente ao caixão coberto de tormento,
A meia luz de um pai que ali, sozinho,
Chorava pela perda do rebento.
É muito torturante a despedida
Na dura finitude sem clemência
E ao ter uma inversão na lei da vida.
Já que o real sentido da ciência
Seria o filho orar, vendo a partida,
Do seu progenitor dessa existência.
Plácido Amaral
*O VELHO POETA SOLITÁRIO*
Relendo alguns sonetos de Florbela
Num calmo entardecer de sexta-feira,
O velho observa os raios, da janela,
Enquanto pensa sobre a vida inteira.
Na mente, os episódios numa tela,
Em filme intenso. Ainda que não queira,
Revive cada cena... E agora apela
Aos mais soturnos versos de Bandeira.
Com tinta azul, qual fosse um denso pranto,
Esboça em seu caderno o desencanto
E arrisca um verso como alguém que chora.
Não tem a pretensão de ser eterno;
O seu desejo é dar um beijo terno
Na morte que lhe bate à porta, agora!
Gilliard Santos
*O RECADO DA CORUJA*
O Mocho-branco emite um pio triste,
Na torre da matriz onde se aninha,
Canto que, ratos e almas encaminha,
Segundo reza a crença, o mito existe.
O som medonho causa medo e insiste,
Ecoando sobre o teto da cozinha...
Trouxeste, tu, a despedida minha,
Ou meu sucesso a Moros sugeriste?
Coruja-branca! Mau augúrio... Morte!
Carnívoro animal de instinto forte
Que em todo anoitecer vence a batalha
De achar comida e alimentar a prole.
Azar ou sorte não há quem controle...
Por isso, te Louvei! Rasga-mortalha.
José Rodrigues Filho