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SOULMATES I – 10 ago 19

Eu acredito, eu sei, que lá no outrora,

Bem antes mesmo que nossos pais nascessem,

Eu te encontrei, tu me encontraste, embora

Nossos destinos a nós não pertencessem.

Não foi escolha nossa que cortassem

Em duas uma alma nessa hora:

Que de tal modo então nos castigassem

Que a vergonha da nudez às almas cora,

Sangrando de incompletas, se buscando,

Sempre se unindo, sempre separando,

Pela ânsia de uma à outra pertencer...

Duas almas companheiras se tocando

De leve só, depois se abandonando,

Porque seus corpos tinham de morrer...

SOULMATES II

Não é que os corpos fossem recortados,

Platão em saga nos contou alegoria;

Nunca fomos quais esferas conformados,

Talvez redonda somente a alma seria...

O fato é que tais antepassados,

Consoante a lenda que o sábio contaria,

Ao Olimpo se lançaram apressados,

Num desafio ao deus que os conduzia.

Naturalmente, Zeus não apreciou

Essa humana e orgulhosa tentativa,

Não que pudesse alcançar um resultdo...

E mais por desfastio, os recortou

E cada alma, da solidão cativa,

Desde então a sua metade tem buscado...

SOULMATES III

De modo igual, a Platão é que devemos

Da Atlântida a altissonante narrativa,

Que ao avô Sólon a atribuiu, ao menos,

Como aprendida de egípcios na outiva.

Durante séculos encontrá-la não pudemos,

Localizada no Oceano e tão esquiva,

Nem no Mar Negro as ruínas acharemos,

Por mais que tal pesquisa seja ativa.

Contudo, meio século já fez,

Na busca a se efetuar no Mar do Norte,

Vestígios se encontrou de grande porte,

Enquanto do petróleo o vasto arnez,

Pela riqueza fóssil que continha,

Foi encontrado e facilmente à tona vinha.

SOULMATES IV

Naturalmente, a imprensa já abafou

Tal descoberta há décadas anunciada

Por Mme. Blavatska, que mostrou

Como era raso tal mar, sendo abalada

A grande fonte de mistério renovada

A cada vez que notícia lhe faltou,

Mesmo porque tal ruína revelada

Era mais pobre do que a saga nos contou.

Tem igual fonte a Alegoria da Caverna,

Essa ao menos sem ser levada a sério,

Porém minha falta de ti será eterna,

Que realmente eu fui cortado ao meio

E jamais descansarei num cemitério,

Sem repousar a cabeça no teu seio!

CE[n]SURA I – 11 ago 2019

Nem toda a estrofe que passa por poesia

É bem assim -- são pura porcaria

A maior parte desses versos tontos

Que se ouve a bocejar, sem nostalgia.

Nem todo o verso que passa por harmônico

É bem assim -- seu esplendor agônico

É raso em dimensão, mudos repontos

Qual estrondar de jato supersônico...

Que os tímpanos nos ferem de escarcéu,

Mas só desgostam ao partir do céu,

Num esbater-se, enfim, de tapeação.

E nem um rastro deixam: só fumaça,

Que se dissipa em sonhos de pirraça

E nada mais nos desenha ao coração.

CE[n]SURA II

Que bem se entenda: não é minha pretensão

Afirmar serem meus versos os melhores;

Tomo por base os ancestrais maiores,

Cujos modelos sempre a mim inspirarão,

Vendo neles a mais gentil conformação,

Rima, ritmo e métrica, até mesmo nos piores,

Com elementos tais que os versos doures,

Inda que o tema mostre fraca dimensão.

Não que combata, em si, o verso branco

E nem ao menos os livres eu condene,

Mas para mim parecem mais difíceis

E quando os busco, sempre sofro um tranco:

As rimas se me impõem, sem que me apene

Na construção de mil sonetos físseis...

CE[n]SURA III

Mas o que ocorre é a vasta diferença

Entre Neruda e Gabriela Mistral,

Seus versos livres de força imaterial,

Suas temáticas a mostrar grande presença

E as pobres frases que essa gente pensa

Apresentarem conteúdo espiritual,

Quando, de fato, são vulgares; por igual,

Letras de rap a repetir de forma tensa

Suas rimas pobres em que nada se condensa,

Senão o som ritmado de um tambor,

Os ouvidos a invadir de forma densa.

Assim, lastimo que chamem de poesia

Os dois extremos desse mesmo andor,

Quando só tempo em sua leitura perderia.

TATEANDO I – 12 ago 19

Não penses que é o desejo que me atrai:

Ele virá depois, ao menos acredito;

Neste momento agora, eu só me incito

A te tomar nos braços, como vai

Uma criança aos braços de seu pai,

Para te consolar, ao som bendito

Desse teu respirar, sem mais conflito

Do outro sentimento que me trai.

Todavia, a falta é grande e tão sozinho

Eu me sinto nesta hora de emoção

Que nem sei se até nisto vou insistir...

Quem sabe se meu bem é mais mesquinho?

Pois nesta noite de longa solidão,

É de teu lado que eu queria dormir...

TATEANDO II

Ainda me encontro em graves esperanças

E já nem sei se conservo igual desejo,

Com frequência eu usufruo de teu beijo,

Mas não anseio mais por tal mudança...

Temos horários amplos de esquivança,

Amor se faz no apresentar do ensejo,

Depois te afastas, lepidóptero o adejo,

E assim persiste nossa constante dança.

Mantens teus afazeres, tenho os meus,

Cada qual o próprio tempo a entesourar,

Não cabe a mim perpétuo te abraçar...

São tão pequenos estes cuidados teus,

Tal qual assim te queira aprisionar,

Sem por um só momento dar-te adeus...

TATEANDO III

Mas uma coisa é certa: ainda conservo,

Muito bem presa, fundo ao coração,

Esta imagem da primeira exaltação,

Por ti meu sangue ainda gelo e fervo,

Por ti minhalma inteiramente enervo...

Então queria essa perpétua aceitação?

A mim consulto e me respondo: Não!

Por mais que de teu seio eu seja o servo.

O meu esquema de sono é bem diverso,

O tempo inteiro eu deixo um aparelho

De som ligado e, a cada despertar,

Sinto um impulso para um novo verso

E no teu rosto algum desdém espelho,

Já que a teu lado não pude continuar...

AGUARDANÇA I – 13 ago 2019

Por ti esperarei, por tanto tempo

quanto garanta o [e]terno sentimento

que despertaste em mim, inabalável,

nos séculos de outrora, num evento

que me fez rever em ti, num só momento,

de espantoso e total conhecimento,

aquela descoberta inexorável

que dentro em mim gravou-me tal portento

o quanto para mim significavas,

embora perceber fosse também

que a seres minha, muito custarás.

De uma só vez, meu peito conquistavas!

O que eu serei, bem sei; mas tu, porém,

como posso saber o que serás?...

AGUARDANÇA II

Eu te contemplo tranquila, adormecida,

bem raramente observo o sono REM, (*)

mas se me olhares, notas muito bem

que o meu sono é por sonho interrompido;

então me acordo, pelo inconsciente perseguido,

que interrompe a melhor imagem que me vem,

são sonhos belos que a mente me provém,

mas algo existe em mim, seja exaurido,

seja culpado pelo bem então havido,

seja somente por aborrecimento,

que me afasta da quimera que alimento

e então contemplo, em atração retido,

o teu sono tão calmo assim mantido

e nem por nada quero vê-lo interrompido.

(*) Rapid Eye Movements = os olhos assim a denunciar um sonho.

AGUARDANÇA III

E embora há pouco tempo eu mencionasse

que meus rascunhos mais tempo me levassem

que os mais antigos que os dedos me deixassem,

lanço o olhar para o tempo que perpasse

e percebo a rapidez que de novo os dominasse,

cinco minutos apenas se passassem

desde que as primeiras linhas se traçassem

sobre o cartão que um soneto assim manchasse.

Eis retorna para mim o antigo espanto,

velocidade igual que a do passado,

quando as palavras me urgem por sair,

sem precisar de riso ou qualquer pranto,

há somente esse fluir descompassado

que tanta vez interrompe meu dormir.

AGUARDANÇA IV

E enquanto fico assim escravizado,

só te enxerga minha visão periferal...

são as palavras que me causam mal

ou tantas delas eu tenha dominado?

O fato é que mantenho-me a teu lado,

seguro de meu ser espiritual,

por mais transgrife meu corpo material,

ainda estou por teu desejo dominado

e bem sei não mudarei nada essencial,

sou o que sou, que o mundo se transmude,

só acrescento mais detalhes ao que cri;

mesmo tua mente sem perceber assim real,

há uma certeza que o peito meu escude:

por mais que mudes, pertencerei a ti.

INDIVISO I – 14 AGO 19

tu sabes bem que nos será difícil

modificar as vidas de improviso;

por isso o coração tão indeciso

conservas tal como se fosse físsil

e dividido em lâminas delgadas:

até aqui é amor; porém, aqui,

há o amor de filha e irmã; e logo ali

percebes tantas emoções interligadas...

não é assim comigo: eu sou inteiro,

não me divido, eu sei o que desejo,

sou permanente, sem ter outra paixão;

o que sinto por ti é verdadeiro:

por mais que anseie, alfim, pelo teu beijo,

prefiro mais tua alma e o coração.

INDIVISO II

pois nesse meu desejo permanente,

não envolvo apenas a alma e o coração:

todos os órgãos de meu corpo são

voltados para ti constantemente;

é teu cada pulmão que hoje me alente,

meus rins, meu fígado em plena doação,

só não darei vesícula, pois houve ocasião

em que me foi retirada totalmente...

contudo, meu apêndice eu conservo,

minhas amígdalas e também o baço

e todos estes órgãos te darei,

com os ossos de meu rosto sou teu servo,

com as costelas que firmam meu abraço,

com o diafragma cada beijo apoiarei.

INDIVISO III

não é somente esta ânsia corporal,

que não pretendo me prender em ti,

quais as metades platônicas que vi

então descritas de modo germinal,

que meu desejo é igualmente imaterial

e se tua alma e o coração pedi,

não é voragem do carnal em si,

seria até mesmo um pedido canibal...

porém minha alma será dada num bocejo,

segue com ela meu espírito completo,

meu cérebro, minhas quimeras, minha razão,

tudo envolvido em teu suave beijo,

tudo lançado aos pés do teu afeto,

tudo o que sou sendo teu sem divisão...