TRÍPTICO

TRÍPTICO

O PAI - painel esquerdo

Havia nos seus olhos tamanha ânsia,

Mirando -- para além da morte -- o nada,

Que a alma se lhe fugia na mirada

A buscar um sentido na distância.

Era o próprio retrato da inconstância.

Por sob uma luz pouco afortunada,

Trazia agora co’a face enrugada

Um sorriso d’após segunda infância.

Esquecido à poltrona em que jazia,

Sentava-se curvado sobre o abdome

Enquanto perscrutava o fim do dia.

Mas tinha algo que nunca se consome

E como que a lembrar-se que existia,

Quedava a repetir o próprio nome...

***

OS DOIS IRMÃOS - painel central

Já costumavam ter seus olhos tristes

Um ar entre incrédulo e arredio,

Parecendo esperar o já tardio

Alvoroço da vida com maus chistes.

Indiferentes, jogam feito alpistes

Seus vinténs ao som d’algum assovio.

Pés descalços que ignoram qualquer frio,

Qual cavaleiros sem arreios ristes.

Tão meninos e já conhecem tudo

O que o mundo dos homens mente e malda,

Onde a dor mal se oculta ao rosto mudo.

Por essas e outras, olham ora à balda,

Simulando ser o avesso o que não são

Enquanto vem a idade da razão.

***

A MÃE - painel direito

Como a Virgem Maria de Caieiro¹,  

Faz-se meias pelas tardes da existência.  

Vã, a luz invernal vem com veemência  

Sobre seu rosto, mãos e o talhe inteiro.

Amêndoas as pupilas... ao luzeiro,  

Brilham a paz da sua própria essência;  

Têm-lhe a sabedoria da vivência.  

Devotada a um ideal mais verdadeiro.

Vê-se, na parede, uma Anunciação,  

Ao fundo da saleta aconchegante,  

Dando sentido a só composição.

O mais são os detalhes d’este instante:

A luz, a lã, o riso expectante...  

Aos olhos já em só contemplação.

Betim - 14 10 1998