TRILHA DE SONETOS VI - MORTE

*** *QUANDO EU PARTIR* ***

Oferta o colo, afagos e aconchego,

conta-me histórias, dá-me o teu abraço,

sê meu parceiro em coisas que hoje eu faço,

demonstra em vida que me tens apego.

Estende o braço e dá-me paz, sossego,

se eu, na velhice, reclamar cansaço.

Deixa eu partir, sem muito estardalhaço

e, ao fim da vida apenas desapego.

Eu não cultuo o adeus e a despedida,

melhor saber que tive a sorte, em vida,

de não me atar a amigos de mentira!

Quando chegar o dia da partida,

se vou deixar um corpo já sem vida,

pouco me importa quem acenda a pira.

Edy Soares

*** *CANÇÃO FÚNEBRE* ***

As gerações, etapa por etapa,

Passam na orquestra sepulcral do império

Efêmero da vida e um sonho sério

Até ali, alegre, não se escapa!

A morte se ergue sobre a face e um tapa

Desfere no semblante - Que mistério?! -,

Estrelas vão pro Céu de um cemitério

Após romper a carne e a sua capa!

Fenômeno visível nessa esfera,

O lânguido suspiro da quimera

Que atinge a juventude, o amor primeiro

Encobre as flores de uma primavera

E o reino de ilusão se dilacera

Na enxada, a pá e o ancinho do coveiro!

Ricardo Camacho

*** *DESPEDIDA* ***

Olhar vazio, pálido sorriso

no lívido semblante esvanecido,

o gesto de carinho interrompido,

no derradeiro aceno, tão conciso.

E na marmórea cútis o impreciso

e róseo tom pastel, sem luz, sentido,

no corpo enregelado, combalido,

a marca de um adeus, extremo aviso.

Na soturnez do instante, tão sozinho,

os olhos baços, corpo em desalinho,

alçou, enfim, o voo irreversível.

O que fazer se a alma-passarinho

um dia voa e vai fazer o ninho

na intimidade morna do invisível?

Edir Pina de Barros

*** *FLORIDA NA IDA* ***

A morte não avisa, alcança a vida,

a flor viçosa murcha e perde a cor

Um fim que não enxergo alguma dor,

jamais sentida e vou florida na ida!

Andejo em campo eterno, a fé erguida,

louvores, Mão de Deus por onde for!

Na noite escura brota a luz do amor

A aurora nunca finda na partida...

O tempo aterra as folhas do passado

Arranca o sonho ainda tão sonhado...

O inverno aflige o olor da primavera

Mudança necessária, o ser levado...

No abismo sinto o rosto do elevado

E lá embaixo, o fim acena e espera!

Janete Sales Dany

*** *O DERRADEIRO TREM* ***

Após seguir os passos desta vida

Da forma mais intensa e verdadeira,

Estou aqui sentado na cadeira,

Pertinho de encerrar a longa lida.

Estou tranquilo, em tom de despedida:

Virá buscar-me a dama forasteira.

Lutei durante a minha vida inteira,

E sinto que a missão está cumprida.

Em todo o tempo tive ativa fala,

Porém, a morte irá silenciá-la!

Enxergo já sinais de que ela vem...

Estou parado, apenas a esperá-la;

Serenamente aguardo nesta sala

Para partir no derradeiro trem.

Gilliard Santos

*** *ÚLTIMO PEDIDO* ***

Quisera que essa vida minha, ingrata,

Despisse-me da angústia que eu carrego

Senão, a morte, fardo que eu abnego,

Consuma-se; feitura folha errata!

Que a morte seja breve... vem, desata

Tamanha dor, imploro-te, me entrego!

Agora traz sossego; a paz, ao ego,

A quem humildemente se retrata.

Na vida, vale a pena a honestidade...!

Porquanto nessa vida fui metade,

Ora de amor, também de insensatez...

No instante da partida e na saudade,

Declaro o meu amor "totalidade"...

Perdão! Favor, suaviza-me outra vez!

Aila Brito

*** *ALÉM DA MORTE* ***

Abrindo os braços, vou sentindo o vento...

Buscando nele, a fé que está faltando,

Eu sinto em mim, o meu fulgor findando,

Irei partir, talvez sem ter tormento.

Um diagnóstico me traz lamento,

A dor me invade, já estou chorando,

E cada exame feito, ali mostrando,

Sou terminal, e mesmo assim enfrento.

Hei de enfrentar, e sem perder o tino,

E então deixar o sábio e bom ensino...

Refiz a mente, fiz valer o forte.

Pedindo forças para o Pai Divino

Assim com fé, enfrento meu destino,

Eu buscarei viver, além da morte.

Douglas Alfonso

*** *MORTE E VIDA* ***

Cansei de lamentar em vãs tavernas,

O medo e o desespero de viver

Sabendo que o vivente vai morrer,

Com sorte, dominando as próprias pernas.

Do etílico: o prazer atrai modernas

Ideias para o estresse arrefecer...

A distonia sei que vou vencer

Em porres com ressacas sempiternas.

Andando cada dia entorpecido,

Já me sinto feliz de haver nascido,

Gozando da ilusão de estar vivendo.

O tempo, vorazmente, consumido

Mas eu, que deveria ter morrido,

Subsisto vulnerável, fenecendo.

José Rodrigues Filho

*** *A NAVALHA* ***

Nos dentes do ofensor goteja a história

da presa em seu momento terminal:

à indominável sanha do chacal

entrega todo o sangue, em luta inglória.

Escreve no semblante a rogatória

o olhar refém daquele tribunal

formado no indigesto ritual

e alcança a negridão denegatória.

Arquejos silenciam lentamente,

atestam que a jornada evanescente

encontra seu epílogo, a poeira.

O tempo chega e a força de um vivente

sucumbe quando a carne espasma e sente

o gume da navalha derradeira.

Jerson Brito

*** *UM SONETO A BEBEL* ***

Eu relembro na mente uma noite em Natal

E me encontro ajudando uma moça ferida,

A pancada do carro num poste fatal,

Simplesmente da moça tirou sua vida...

A maldade do trânsito é fato normal

Que faz sempre do jovem a vítima tida

Desse tédio escalado num freio mortal

Que devolve ao ouvido uma triste batida.

Faço força de ter algum gesto em socorro

Mas o sangue que jorra no rosto é um forro

Que reveste um alguém que cumpriu seu papel...

E um aflito que grita algum nome às alturas,

Só provoca as penumbras tornarem-se escuras

Quando um eco reprisa: "morreu a Bebel..."

Plácido do Amaral