COROA DE SONETOS III

SONETO I - NA VEIA

Do corpo dado, à noite, em oferenda,

ao látego de um fado desditoso,

inflama-se o sinal de um fero gozo

que foi gravado a dente em sua fenda.

De resto, mergulharam-na à execranda

desonra de pessoa a impróprio vezo,

contrária às convenções, amarga o peso

da hipócrita vidinha de ciranda.

Prossegue a açoite e soco a arder na veia,

enquanto afunda o brio em cama alheia

e inunda em fel e sal o seu sofrer.

E rente ao chão se escorre, tal lacraia

imersa na vergonha que se espraia

nos rituais sombrios do prazer.

*Marco A*

SONETO II - DESENCANTO

Nos rituais sombrios do prazer,

sobre os lençóis de seda em desalinho,

as lágrimas nos olhos a escorrer,

como entre as pernas trêmulas, o vinho.

E quem a explora sem se comover,

o mínimo respeito, algum carinho,

exerce sobre a corpo o seu poder,

de um modo desumano e tão mesquinho.

O ventre é devassado, coxa, seio,

e se coloca sobre o lombo arreio,

a fim de arrebatar, de vez, a prenda.

Ninguém percebe a mágoa, por suposto,

o desencanto, as marcas que há no rosto,

em meio à luz de púrpura e de renda.

*Edir Pina de Barros*

SONETO III - CATIVA

Em meio à luz de púrpura e de renda,

das noites longas de tristeza vasta,

repete a mesma vida que se arrasta

a colocar prazeres sempre à venda.

Exibe o corpo tenro – uma oferenda –

que o tempo, pouco a pouco, mói, vergasta,

sem descansar, sem nunca dar um basta,

sem esperar que alguém um dia a entenda.

A vida a transformou em messalina,

cativa de um ofício que a amofina

por tudo dar de si e nada ter.

E neste mundo injusto e desigual,

que em cada esquina habita algum chacal,

a moça vai tecendo o seu viver.

*Edir Pina de Barros*

SONETO IV - MOÇA DO FADO

A moça vai tecendo o seu viver

Enquanto os galos tecem a manhã.

Na boca, o seu chiclete de hortelã;

Na bolsa, um troco em troca de prazer.

Costura o seu destino sem saber

O que a reserva o dia de amanhã.

Por hoje, quase ao fim do seu afã,

Não tem mais tantas coisas a perder.

Trajando uma existência dolorida

Bem cedo se tornou mulher da vida,

Brilhando entre os ditames da indecência...

A aurora descortina um novo dia

E enquanto a moça observa a hipocrisia,

Relembra os tempos bons da adolescência.

*GIlliard Santos*

SONETO V - INGÊNUO AMOR

Relembra os tempos bons da adolescência

De quando o botão-flor desabrochava

Em pétalas com cores de inocência

Que seu suave odor irradiava.

Um tempo em que se ouvia a voz dos sonhos

Cantando docemente as melodias,

Fazendo-lhe florir versos risonhos,

Cobrindo-lhe de paz aqueles dias.

Um tempo em que se afloram as paixões,

Que faz o coração descompassado

Trazer à flor da pele as emoções.

Rompeu-se a ilusão, porém, em dor,

O peito em abandono traspassado,

Da entrega sem pensar... ingênuo amor!

*Luciano Dídimo*

SONETO VI

Da entrega sem pensar, ingênuo amor,

sorveu a contrição em fartas doses:

projéteis revestidos de terror

deixaram estilhaços nas necroses.

Sorrisos imaturos deram vez,

no rosto transformado por agulhas,

às queixas de um olhar sem vividez,

bordado por notívagas fagulhas.

A pompa sucumbiu frente às algemas

do falso guardião dos ideais

servidos nos festins de alguns dilemas.

O tempo espedaçou toda a inocência

e o senso mostra, aos berros, seus sinais:

- Que busque ao mais distante outra existência!

*Jerson Brito*

SONETO VII - BUSCA DE MIM

- Que busque ao mais distante outra existência!

esdrúxula, talvez, até reflexa

oh Deus ! Quero ter paz , resiliência,

não ser jamais tão fria, tão complexa,

Senhor! Peço - lhe pois, a paciencia

sonhar, é plenitude e nos indexa

viver, enveredar na sapiência

na graça, sem viver assim, perplexa,

a mulher transformada pela dor,

tem nos olhos cegueira desumana,

às vezes por pensar no despudor,

de não vir uma brisa ao seu favor,

acaba desistindo, mente insana,

Do pai o veredito. Extremo horror!

*Dulce Esteves*

SONETO VIII - SOMBRA CARREGADA

Do pai o veredito. Extremo horror!

Percebe nela a sombra carregada

De alguém que no passado, idolatrada,

Vertia o mesmo sangue e o despudor.

Porém, também sabia do terror

Da noite fria, triste, e mal passada

Que a filha, nessa vida, atormentada

Nem mesmo teve a chance do esplendor.

E a moça em sua vida laboriosa

Colhendo mais espinhos do que rosa

Leva consigo a chama da esperança

Não raramente em busca do passado

Relembra com saudade o olhar do amado,

Mas pouco serve agora essa lembrança.

*Aila Brito*

SONETO IX - DESLIZES

Mas pouco serve agora essa lembrança

Não posso mais voltar ao meu passado,

Foge de mim, os rastros da bonança

Essa que outrora, fui grande aliado,

Os pensamentos, vis, dessa esperança

Não aniquilam, meu eu assustado,

Pergunto a vida: qual é a fiança,

Pra não ser mais, um ser escanifrado?

Sem ter resposta, choro pelos bares

Sou um reflexo, vil de tantos lares,

Cheio de dor, na grande perdição,

Minha mulher lamenta-se no canto.

Grita invadindo o bar, em triste pranto

- Lamúria não lhe põe à mesa o pão.

*Lucas Mendes*

SONETO X - LÁGRIMAS DO MERETRÍCIO

Lamúria não lhe põe, à mesa, o pão,

transforma a noite apenas num suplício

e a lágrima que cai do meretrício

só faz multiplicar a solidão.

Um riso mercenário e sobranceiro

e a taça já vazia enquanto clama

que façam outra vez da sua cama

o decadente adeus de um picadeiro.

A lamparina apaga de repente

quando a cerveja fica amarga e quente

e a ficha sonolenta já descansa,

silenciando o som da nostalgia

ao relembrar que não tem alegria,

nem traz de volta o tempo da bonança.

*Adilson Costa*

SONETO XI - MAÇÃ BROCADA

Nem traz de volta o tempo de bonança

Vivido com pureza em castidade

Farol que refletia a confiança

De achar o seu futuro de igualdade.

Tampouco, faz voltar a temperança

Que existia na flor da mocidade

E o sonho, de ostentar uma aliança,

Desfez-se pelos becos da cidade.

Marcada pelas leis da sociedade,

Que tiram dos mais fracos a esperança,

Sequer tendo do pai a caridade!

A fruta enveredou pela maldade,

Nas mãos do gigolô entrou na dança,

Perdida na mais torpe tempestade.

*José Rodrigues Filho*

SONETO XII - MERETRIZ

Perdida na mais torpe tempestade

e entregue ao que destina os vendavais,

é nau que singra o mar contra a vontade;

catraia abandonada em frente ao cais...

É quase sempre um resto de agasalho,

um quase nada, que outro jogou fora,

uns pés que se esgarçaram no cascalho,

um peito sofredor que já nem chora...

É gente com seus ais entorpecidos,

alimentada sempre com migalhas,

sem um lugar, sem lar, sem direção.

À deriva no mar dos esquecidos...

Guerreiro que perdeu todas batalhas,

de corpo e alma entregue à perdição.

*Edy Soares*

SONETO XIII - PERDIÇÃO

De corpo e alma entregue à perdição,

Vige a incerteza um túnel todo escuro,

Numa tristeza, clama compaixão

E torto deita ao solo, sem futuro!

Mas, forte, se ergue e encampa nova ação,

Visto um cenário agônico, inseguro,

E, solitário, investe na ascensão;

A morte irrompe um sonho prematuro!

Assim decorre com a humanidade,

Marchando, sempre, nos molhados matos,

Colhe e percorre a sorte, na igualdade,

Ardor que guia, natural vontade,

Chorando traições de tais "Pilatos",

A dor que sente compreender quem há de?

*Ricardo Camacho*

SONETO XIV - MAZELAS

A dor que sente compreender quem há de?

Somente quem carece de um alívio,

Corrente de martírio e de piedade,

Plangor... ausência de um amor tão níveo!

Pisando em próprias lágrimas, um rio,

Na sola da amargura, em dor nefasta,

Assola um desespero e, junto, o frio

Frisando numa vida o mal que arrasta!

Perdida à toa no caminho, cega,

Alma imortal se afoga neste mar,

Fugida nas mazelas e renega

A tarde de esperança como lenda

Calma que envolve o ser devolta ao lar,

De corpo dado, à noite, em oferenda!

*Ricardo Camacho*

SONETO XV - COROA

Do corpo dado, à noite, em oferenda,

Nos rituais sombrios do prazer,

Em meio à luz de púrpura e de renda

A moça vai tecendo o seu viver.

Relembra os tempos bons da adolescência,

Da entrega sem pensar ao primo amor.

- Que busque ao mais distante outra existência!

Do pai o veredito. Extremo horror!

Mas pouco serve, agora, essa lembrança,

Lamúria não lhe põe, à mesa, o pão

Nem traz de volta o tempo da bonança.

Perdida na mais torpe tempestade,

De corpo e alma entregue à perdição,

A dor que sente compreender quem há de?

*Fernando Belino*