SONETOS SEM VERBO

NUBENTES

Primeira noite, um misto de embaraços,

homem noviço e debutante dama,

dúbias iguais em frente ao mesmo drama,

e, enfim, ternura, beijo, amor e abraços...

Retalhos de cetim em nossa cama,

quais pétalas de rosas em pedaços.

Teu cheiro e teu perfume nos espaços,

sinais de fogo intenso e forte chama.

Noite sem sono e corpos insaciáveis,

bichos famintos, feras indomáveis,

um frenesi no alvor da madrugada.

Manhã de inverno, o fogo na lareira,

café quentinho, o pão na torradeira...

E amor ao som da chuva na calçada.

Edy Soares

RUBRAS ONDAS

Afagos atrevidos, instigantes

de espasmos, alaridos, confidências;

nos olhos, desespero de carências,

volúpia sobre os lábios dos amantes.

Luzeiros, ornamentos dos semblantes,

fanais cheios de amor e reverências

aos deuses guardiões de inflorescências:

cobiça desses loucos navegantes!

Famintas labaredas, tempestade

no mar da perdição, carnalidade,

transpiração, gostosa singradura...

Mergulhos, profusão de rumorejos,

satisfação de todos os desejos,

dois corações em cálida clausura...

Jerson Brito

RESILIÊNCIA

No meu cerrado em flor, depois de intenso estio,

Caliandra ( a ciganinha), ipê, colestenia,

Retratos da beleza, em tons de poesia,

Após tanta queimada e a vida por um fio.

No meio da campina, o murmurante rio,

Cardumes na flor d’água em plena luz do dia,

(A mais pura expressão da força da alegria)

A natureza em festa, a terra em novo cio.

Na regeneração, o viço da esperança,

- Em cada eflorescência, em cada nova rama -

De um tempo bem melhor, de paz e de bonança.

Uma lição de vida em cada panorama

Dos ciclos do cerrado – a nossa grande herança –

A força, a resistência em meio a tanto drama.

Edir Pina de Barros

LAMENTO

Entristecida num canto sozinha

Amaralina seu nome de guerra

Desvirginada com sangue por terra

A pajelança na tenda vizinha.

Desde criança a formosa ìndiazinha

Oferendada da tribo Gamberra,

Pelo Pajé, guardião nesta serra

Dos curumins, a mais pura rainha.

Amaralina, o seu viço sagrado

Da natureza na flor do cerrado

A virgindade, lamento e pecado.

Tucunpiré, coração encarnado

Virilidade no corpo sarado,

Com o troféu da mais bela pureza.

Dulce Esteves

O VELHO SOBRADO

Outrora tão soberbo em seu reinado,

hoje ruína apenas, nada mais,

guarida de infinitos vendavais

a cumeeira rubra do telhado.

O tronco tão cruel e malfadado:

lembrança de torturas tão mortais

e a porcelana azul entre os cristais:

o mais fiel retrato do sobrado.

As redes e cadeiras na varanda

e o cheiro pelo quarto da lavanda,

recordações de um tempo de fartura.

Agora só morcegos e poeira

por cima de uma velha cristaleira

e uma saudade enorme e já sem cura.

Adilson Costa

CENÁRIO DE CINZA E FLOR

Pambam... Pambambam... Pambumbam... Bum... Cabul...

Disparos! Fuzis. Escopetas a imenso

calibre extermínio. Conflito suspenso

nos ares, nas auras. Ao norte e no sul.

Rojões! E o pastor aos bramidos “Saul,

Davi” estrondosos em becos do extenso

inferno miséria; cenário tão denso,

de chumbo no céu sem solares e azul.

A vida pesada em angústia e tormenta,

no morro atoleiro de humano em sangrenta

rotina à constância de surra e terror...

Mas, mesmo cativa no pânico à entranha,

a sempre esperança, de teima, na manha,

em torno ao menino e seu beijo na flor.

Marco A

MAGNIFICAT

(Lc 1, 46b - 55)

A minha pequenez diante da grandeza,

Tanto quanto menor, maior o meu Senhor.

Meu espírito alegre em Deus, meu Salvador,

Em seu divino olhar de paz e de leveza.

Pequena serviçal nessa doce pobreza,

Bendita para sempre, a minha alma em penhor.

A cada geração o seu imenso amor

Aos tementes com fé repleta de firmeza.

Dispersos pelo mundo, aqueles orgulhosos,

E depostos do trono, aqueles poderosos.

Totalmente sem nada, o rico despedido.

Em seu justo juízo, os pobres exaltados,

E os famintos com bens, afinal saciados.

Seu povo servidor, fielmente acolhido!

Luciano Dídimo

PROVAÇÃO

Clâmide insana, véu de dor enorme,

Manto inclemente, incômodo suplício,

Choro escarlate, amargo, desde o início

Chama indecente no íntimo disforme!

Pobre andarilho, sobre o próprio vício,

Cego do Belo, torto e vermiforme,

- Ó Jeová, bendito o Seu Informe! -,

Solo do abismo, adeus ao precipício...

Vento mordaz, em voo os braços presos,

Filhos de beija-flores indefesos,

Hóspede só, com medo e boca aberta...

Cântico atroz, correta a prova intensa,

Séculos maus por máxima sentença,

Místico canto ao mar em nau liberta!

Ricardo Camacho