TRILHA DE SONETOS II

DISTOPIA

Suspensa nesse vácuo que me enlaça,

sem nada que me apoie ou dê suporte

prossigo só, sem nada que conforte

o meu viver sem vida, tom e graça.

Ninguém pode me ver, ninguém me abraça,

(sou vulnerável, ícone da morte),

e passo sem passar, sem que me importe

se vivo por detrás de uma mordaça.

Resisto ao vírus que semeia o drama:

se a vida é uma vidraça eu sou a pedra

que rompe o espaço quando não se espera.

A vida é um vir a ser que o tempo trama

em meio ao caos e que se atira, apedra

nas brenhas da incerteza e da quimera.

Edir Pina de Barros

POR UM MUNDO MELHOR

Quem sabe um dia a humanidade entenda

que não devemos nos fechar à toa,

que a vida é breve e quase sempre voa

e que a cobiça os nossos olhos venda!

Quem sabe a Terra seja um dia a tenda

daquele Salmo onde a bonança ecoa,

mostrando a luz para qualquer pessoa

para mudar de vez a nossa senda!

Mesmo que fiquem tantos pela estrada

e que apregoem que a existência é nada

para que a fé seja o mais tênue fio,

eu acredito que o perdão floresça

e que jamais o mal no mundo cresça

pela catarse de um corona frio.

Adilson Costa

PERDIDOS

Enlanguescido, encaro a nova etapa,

Desencantado, sinto a fria bruma,

Toda abraçar-me aos poucos, uma a uma,

Neste cenário opaco no meu mapa!

Ó esperança mãe, nos ais se escapa,

Em coletivo a morte se consuma,

A geração "2000", que morre, em suma,

Vai, sem saber do Cristo nem em capa!

Visivelmente, o efeito em dor, os gritos,

Faz do invisível ter pavor, e, aflitos,

Todos estranhos são à fé e a Deus...

... Nesta existência, abismos e conflitos

Solapam brancos, negros e os escritos

Perdem-se sós nos pulcros sonhos meus!

Ricardo Camacho

QUARENTENA PROLONGADA

Infindas pás de areia despejadas

Nas já imensas dunas do deserto

Impedem nosso corpo de estar perto

De vidas para nós tão estimadas

Sabemos que o futuro é tão incerto

Que os ventos esmaecem as pegadas

Porém viver saudades indomadas

Nos levam a um oásis recoberto

Caminho que parece ser bem longo

A linha do horizonte inatingível

E o sol ardendo forte, incompassível

Talvez sejamos salvos pelo gongo

Talvez o mundo fique mais sensível

Talvez se realize o impossível

Luciano Dídimo

A PESTE

A peste faminta engoliu a existência

no globo dos sapiens perdidos, insanos;

voraz, devorou-lhes a infinda vertência,

com dores, agruras, a drásticos danos.

Um vírus baniu a solar convivência

no campo viçoso de plácidos lhanos,

conteve indivíduo na própria consciência,

a internos porões, calabouços tiranos.

O vírus saiu das entranhas da mente,

lastrou-se, voltou e adentrou-se na gente,

cravando, nas carnes, intrínsecos traumas.

Ressurgem, porém, dos avanços cessados,

uns homens quaisquer, na esperança curados,

traçando o amanhã, na harmonia das almas.

Marco A

FLORES SUFOCADAS

Covardemente, o transmissor da peste,

dissimulado e sem mostrar o rosto,

invade o mundo, pois está disposto

a estremecer a fé que nos reveste.

A humanidade, frente ao duro teste,

experimenta da incerteza o gosto

e, mais que nunca, o pesadelo imposto

deve levar às mãos do Pai Celeste.

Enquanto nossa força não debela

esse perigo e lute a medicina

para vencer o monstro, na querela,

a enfermidade que se dissemina

requer de todos atenção, cautela

e preces pela intervenção Divina.

Jerson Brito

A PROMESSA

Há muito ouço dizer que um tempo arfante

traria ao mundo baixas, fome e dor;

que os homens provariam do amargor

de ver opaca, a luz do sol brilhante.

Há muito ouço dizer que quando o amor

findar na Terra, então, será o instante,

em que Deus vai achar irrelevante,

a vida humana... Nela ou onde for...

Será, meu Deus, que toda essa bravura

de uns poucos vai findar numa brancura

de tantas faces pálidas sem vida?...

Tomara, Deus, que seja um desvario,

ou se chegar a ter tempo sombrio,

tenhamos outra Terra prometida!

Edy Soares

INTROSPECTO

Pergunto por mim, não encontro respostas

Imerso no lodo do qual faço parte

Expurgo do mundo com peso nas costas

Um ser moribundo lhe resta descarte.

Agruras da vida deveras impostas

Permeiam meus dias refeitos sem arte

Sobrando maldades que vêm sobrepostas

Sobejo de gente que verme reparte.

A luz no meu túnel somente um pavio

Meu ar rarefeito, volátil, vazio...

Apenas um órgão batendo no peito.

A morte rondando nem traça desvio

Maldita mordaça que cala meu brio

Refez a minh ' alma, reviu seu conceito.

Dulce Esteves