GULA

Minha miséria me consome e nisso somos recíprocos

Não sobrou muito de ontem na barriga

Mas até amanhã não ficarão espaços ocos

Tampouco me permitirei a fadiga

Pois há o infinito a ser consumido, gozado, possuído e descartado

Existem constelações de gostos e aromas irresistíveis

No banquete da vida eu sou o convidado mais atribulado

Aquele dos apelos sempre indistinguíveis

Minha corte de javalis é a única companhia coerente com minha condição

Entre as carnes e frutas nós eternamente ressuscitamos

Numa perene e inglória rendição

Tal qual Júpiter sou o mais fecundo e de mim tudo é advindo

Pelas planícies alaranjadas meu apetite se espalha sem limites

E sei que também no festim da morte serei bem-vindo.

Caio Braga
Enviado por Caio Braga em 06/05/2020
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