GULA
Minha miséria me consome e nisso somos recíprocos
Não sobrou muito de ontem na barriga
Mas até amanhã não ficarão espaços ocos
Tampouco me permitirei a fadiga
Pois há o infinito a ser consumido, gozado, possuído e descartado
Existem constelações de gostos e aromas irresistíveis
No banquete da vida eu sou o convidado mais atribulado
Aquele dos apelos sempre indistinguíveis
Minha corte de javalis é a única companhia coerente com minha condição
Entre as carnes e frutas nós eternamente ressuscitamos
Numa perene e inglória rendição
Tal qual Júpiter sou o mais fecundo e de mim tudo é advindo
Pelas planícies alaranjadas meu apetite se espalha sem limites
E sei que também no festim da morte serei bem-vindo.