TODAS AS PESSOAS
TODAS AS PESSOAS
singular primeira pessoa
O POETA
— ‘Vê, musa, quanto brilha este olhar ao te olhar…!
Cada olho feito um círio em vão delírio tenho.
Eu por ti, minha bela, uma vez mais eu venho
Na mentira do amor à vera acreditar.’
‘Não poderia o actor personagem se outrar?…
Nem o artista mais belo haver-se em seu desenho?…
Eu, poeta, que em cantar tão-só a ti m’empenho,
Buscando ser amado, amador sou a amar…’
‘Pois sim, musa, o poetar tem suas liberdades.
Tu contra o arqueiro a flecha, entanto, desferiras
Ao me ferires tolo e todo de saudades.’
‘Apura o ouvido, escuta: Uns acordes de liras!!
Ou mentiras que o amor faz a mor das verdades,
Ou senão, em verdade, a mais bela das mentiras.’
* * *
singular segunda pessoa
A MUSA
— “Mas que liras, poeta? Acaso tu deliras?
Tudo o que escuto são tuas insanidades
Com que, inoportuno, aos ouvidos invades,
Dizendo-te ferido à flecha de minhas miras…”
“Acorda, poeta, e não verás veras mentiras.
Pela Estética, o artista haja como verdades:
No engenho, a busca esteta à originalidades;
Na arte, a veracidade a quanto tu te inspiras.”
“Chamas-me musa ou luz que brilha em teu olhar,
Não penetras, porém, as trevas que contenho,
Nas angústias de quem procura m’encantar.”
“Canta, poeta, e escuta as verdades que tenho:
Belas mentiras tua arte pode contar,
Mas sabes pouco ou nada às brumas d’onde venho.”
* * *
singular terceira pessoa
O NARRADOR
O poeta à musa canta e encanta co’o cantar
Na luz em seu olhar, dá ao canto arte e engenho…
Crepita pelo peito um abrasado lenho,
Enquanto sente o ardor da musa a lhe queimar.
A musa ao poeta conta aonde o amor vai dar.
Devendo a arte à verdade ainda mais empenho.
Ser personagem ou mais belo no seu desenho,
À vera é ser mentira, ‘inda que bela ao olhar.
O poeta lança a flecha às vastas soledades,
Tentando haver a musa entre belas mentiras,
Para lhe afagar o ego a ver suas vaidades.
A musa torna a flecha e o faz arder em piras,
Ferindo-o, ela fez d’amor e o amador verdades,
Ao pôr o poeta a ouvir uns acordes de liras…
* * *
plural primeira pessoa
O POETA E A MUSA
— ‘Ora m’escusa, musa: O delírio é bem-querer,
Na poesia há verdade apesar do erro humano.
Escuto soar a lira além por não sem dano
Co’a mais bela mentira a verdade dizer.’
— “Pois sim, poeta, verdade em teu canto uso ver,
Escuto em cada verso as liras, salvo engano,
Longe ao lugar-comum de nosso quotidiano:
As liras que ouves tu outros possam te ler.”
— ’’’Nós outros, poeta e musa, ousamos na obra lida
Como fôssemos um: Dois entes interiores
Pessoa unificada onde arte produzida.’’’
’’’Aos outros somos nós, à vera, tão melhores
Se, e somente se, artista e arte por toda a vida,
Oferecida em verso a improváveis leitores.’’’
* * *
plural segunda pessoa
AOS LEITORES
— ’’’A vós, leitores, eis a cantar-vos amores
O poeta que, cantando a musa em tanta lida,
Por vossos corações busca a canção sentida
E serdes vós também na poesia amadores.’’’
’’’Lestes após da musa ao poeta os desprimores…
A musa se vos faz poesia quando lida,
O poeta da poesia em vós faz sua vida;
E a historieta segue aos vossos vãos pendores.’’’
’’’Vós outros vedes quanto há o poeta por plano:
Ao cantar sua musa aos outros fazer ver
Poesia que ilumine, enfim, o ser humano…’’’
‘’’Nós vos vemos, porém, o poeta se perder:
Onde a flecha que o fere, em todo canto ufano,
A musa, qual Alma e Amor, o poeta ao escrever.’’’
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plural terceira pessoa
O AMOR E A ALMA
O filho da Beleza em amor foi se perder,
Depois de vão causar a tantos tanto dano.
Cai pela própria flecha ali, em desengano,
Aos pés de Alma, então sem mais poder.
Mais bela que a Beleza, à Alma fora querer,
D’ela se aproximou com ardiloso plano,
Cerca, o acertou, porém, o querer mais insano:
Flecha que despertada a Alma lhe fere o ser.
Torna-se um amador o Amor à dor havida
Que por fado soia haver mais dissabores,
Pela alma cuja a carne em amor malferida.
E embora aos corações suscite maus amores,
Fere-o Alma para lhe pôr n’alma a dor sentida,
E à ferida d’amor Amor sentir as dores.
Betim — 18 04 1994