PROCURA-SE POEMAS. ASSINADO: O POETA

CAPÍTULO I – GRANDE DILEMA

Não sei o que está acontecendo comigo...

eu não consigo escrever os meus poemas.

Meus versos no papel não têm mais abrigo.

Esquisito, nunca ao escrever tive problemas.

Apesar do gênero lírico ser meu preferido,

transito bem nos textos escritos em prosa.

De uns tempos pra cá é que ando aborrecido:

como escrever, se a situação é embaraçosa?

Juro que jamais ouvi falar de algo assim.

Olha que eu já li sobre vários escritores,

nenhum deles viveu esse jejum sem fim.

Onde buscar a solução para o meu dilema?

Eu não tenho resposta. O circo de horrores

ainda vai continuar de forma bem extrema.

CAPÍTULO II – PSICANÁLISE DEMORA

Sugeriram-me procurar um psicanalista.

Você deve estar com algum bloqueio.

Talvez nas consultas aparece uma pista

que possa no seu mal dar um freio.

Tal pista na psicanálise chama ato falho.

Ele é um lapso inconsciente que aparece

na fala, memória ou ação física. Detalho

que se o ato for pro consciente desaparece

desde então o desejo reprimido causador

das enfermidades psíquicas. Sigo o conselho

e marco as sessões psicanalistas com ardor.

Atos falhos não surgiram. Vamos à regressão

a resposta está demorando muito. Meto o bedelho

e contradigo a opinião dos amigos. Quero rápida solução.

CAPÍTULO III – ABANDONO OS ESTUDOS

Tenho amigos poetas que acreditam na técnica pura.

Ao saberem do meu drama deram-me seguintes recados:

poeta amigo, a solução é ler livros de teoria da literatura;

além disso, é claro, os livros daqueles poetas consagrados.

Desse jeito, observará os recursos estilísticos empregados.

A princípio, você irá imitá-los até adquirir sua autonomia.

Assim seus poemas serão cuidadosamente elaborados.

pois através do estudo e esforço é que voltará sua poesia

Li vários livros. Foi bom que eu revi conceitos esquecidos

quando fui escrever, nem a imitação deu seu ar da graça.

Pensei comigo: Por que meus versos estão desaparecidos?

Deixo os estudos. Valeu porque o saber não ocupa lugar.

Juro que estou nervoso. Como foi me abater tal desgraça?

Não há mal que dure para sempre, eu vivo assim pensar.

CAPÍTULO IV – DEUS PAGÃOS DA POESIA

Há outros amigos meus que acreditam na inspiração.

Não são iguais a mim. Eles se consideram especiais.

Ao compor, o poema vem pronto sem nenhuma intervenção,

bastando o desejo de escrever, ter um tempo e nada mais.

Não escrevo, pois ofendi os deuses padroeiros dos poetas,

Ou então alguém querido meu, e aí me tiraram esse dom.

Na mitologia grega temos Apolo e suas musas completas...

a mitologia nórdica há Bragi, filho de Odin que é muito bom...

É um dos poucos deuses nórdicos que não ama guerrear.

Desconjuro crer nesses deuses pagãos. Minha fé é verdade.

Eles não impedem os meus versos de numa folha ir parar.

Oh, poeta amigo, quem está perdido não caça caminho!

Temos as orações dos dois deuses, mostra-lhes fidelidade

E cada poema seu sairá sem causar nenhum burburinho.

CAPÍTULO V – O SANTO PROTETOR DOS POETAS

Não há como rezar a um deus que não existe! Não é sobeja.

Caminho a esmo. Sento-me só num banco de uma praça.

Toda praça de uma cidade pequena tem sempre uma igreja.

Assim que a missa termina, o pároco me dá o ar da graça.

Irmão, que faz solidário aqui? Foge de quem ou do quê?!

Não fujo, seu padre, busco respostas que ainda não tenho.

Do nada parei de escrever; o pior é que não tem o porquê.

Juro, seu padre, escrever era o meu melhor desempenho.

Saiba que há um santo protetor dos poetas, reze para ele.

É o São João da Cruz. Tal santo escrevia poemas na prisão.

Toma o folheto com oração e medalhinha com imagem dele.

Vou para fazenda de um amigo e passar minhas férias lá.

Sem preguiça e quiser vir comigo, está convidado. Então?!

Aceito sim, seu padre. Agradeço-lhe pelo convite desde já.

CAPÍTULO VI - BUCOLISMO

Juntos aos funcionários, padre e o poeta ordenharam vacas,

Deram milhos às galinhas, lavagem aos porcos, e plantaram:

Arrozes, feijões, tomates, batatas, coentros, alfavacas...

café adoçado com rapadura e banhos nos rios tomaram.

À noite ouviram diversos “causos” e muitas modas de viola.

Os caras de pau ou os afinados, arriscavam-se no canto.

O padre ao cantar desrespeita todo repertório. Engrola

Canções religiosas, totalmente fora do tom para o espanto

Dos bons violeiros presentes. Para nos livrar do mal amém,

O poeta declama seus poemas com brilho na voz e no olhar.

As modinhas brejeiras, toadas, eram puxadas por alguém

Assim que o embevecimento dos textos líricos vai embora.

Os cantos disputam com os grilos que cricrilam sem parar.

A cessão da cantoria significa que dormir chegou a hora.

CAPÍTULO VII - E ELE VEIO

Quando não há serviço ou este já terminou vem a brisa

E acaricia o rosto e depois o corpo dos trabalhadores.

Próximo ao serviço rural há uma cascata d’água avisa

Temos água abundante para dirimir os seus suores.

Durante a execução dos trabalhos pássaros cantam

Pétalas de flores bailam e colorem o ar de forma sutil.

Mediante o labor os versos adormecidos se levantam

apossando da mente e do desejo do poeta tão servil.

Transfigurado, recebe o conselho de largar a plantação.

O poeta permanece no local e encontra lá um graveto.

Ele agacha e escreve feliz um poema lá mesmo no chão.

Parabéns poeta, do seu grande mal agora está curado

Vá para casa grande, pegue um papel e qualquer objeto

Que deixe seu novo e lindo poema numa folha registrado.

CAPÍTULO VIII – CURA E LIBERTAÇÃO

Não padre, não vou para a casa grande. Ficarei aqui.

Depois do serviço acabado e que pensarei nesse poema.

Animais e gente passarão por aqui apagando o que escrevi.

o texto cumpriu sua missão. Se for apagado, sem problema.

Trabalho rural feito, banho tomado, todos à casa grande.

O poeta senta à mesa. o poema ainda está na sua memória.

Ao cair numa folha em branco o texto lírico lá se expande.

Ah, poema! Saiba que estará pra sempre na minha história!

Na noite de hoje o poeta não participou da moda de viola,

Da contação dos causos e nem ouviu a noturna cricrilagem.

O poeta está feliz. A cada instante um verso seu desatola.

Versos libertos se organizam para formação de um poema.

O poeta vai coordenando no texto as figuras de linguagem,

E cônscio de que está morrendo ali o seu cruel dilema.

CAPÍTULO IX – QUERO FICAR

No dia seguinte o poeta mostra ao padre os textos prontos.

O missionário elogia o teor literário dos poemas escritos.

Irmão, minhas férias não acabaram e sim seus confrontos.

Ficar pra quê? Volte para o seu mundo dos textos bonitos.

Padre, o senhor acha que estou sendo inconveniente?

Ou você não está mais gostando da minha companhia?

Que isso, querido poeta, cada pergunta improcedente!

Lembre-se: você é meu convidado. Mal-educado seria,

Se o expulsasse de uma fazenda que se quer é minha!

Mesmo se o imóvel fosse meu, seria impossível tal atitude.

Trouxe-o aqui para que a sua poesia entrasse na linha.

Missão cumprida. Agora sei que sua mente encontrou a luz.

Quero ficar com senhor e degustar do estado de beatitude.

Ah, é seu este presente: um soneto sobre São João da Cruz.

O FILHO DA POETISA

Filho da Poetisa
Enviado por Filho da Poetisa em 23/06/2019
Código do texto: T6679884
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