Soneto

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,

Toldam-se os olhos donde corre a vida.

Porquê esperar, porquê, se não se alcança

Mais do que a angústia que nos é devida?

Antes aproveitar a nossa herança

De intenções e palavras proibidas.

Antes rirmos do anjo, cuja lança

Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,

Antes o olhar que peca, a mão que rouba,

O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo

Do nada que nos surge e nos devora,

Do monstro que inventamos e nos fita.

Ary dos Santos
Enviado por Necrófago em 26/01/2019
Código do texto: T6560141
Classificação de conteúdo: seguro