2017 - NÃO FUI UM BOM MENINO...
 
I.NÁUFRAGA

Sangrando ainda e às tontas nos recifes,
O passo vacilante, fere os pés
Em destroços de casco e de convés
Ao fim de seu cruzeiro de patifes.

Indigna, traja a dor, não caras grifes
E a solidariedade duns manés
E de tantas Marias, tantos Zés
Em botes salva-vidas por esquifes.

Resigna-se aos destroços desse caos,
Destino das amaldiçoadas naus.
E a história não encobrirá seu rastro

Nas areias do opróbrio – range os dentes
Amaldiçoando o sol e os acidentes
Que a privaram de sorte, quilha e mastro.

II. ANDOU PERDIDA ENTRE PALÁCIOS

Andou perdida entre palácios, louca
Da insanidade que acomete o fraco,
A abandonada, a paranóica altiva

A repetir com voz já débil, rouca,
Do que lhe coube em sorte, enchendo o saco
De quem lhe escute a queixa, a morta-viva.

Ali procura entre seus próprios passos
O desdobrar da inevitável trama –
Será destino, a alguns, e a outros, drama
De escombro alheio, de ancestrais fracassos.

Alguém mais próximo captura os traços
Dessa ilusão que ergueu por frágil chama.
Ah, não perturbe agora – aqui! – tal dama
Que ninguém mais suporta os seus cansaços.

III. ESCUTA AQUI,MENINA...

‘Valor’, cuspido dessa imunda fossa,
Será só ‘preço’ e pronto – e é só por isso
Que perguntam “Quanto é?” sem compromisso
Após as pérolas da bela moça...

Se ‘bela e recatada’ não dá bossa
Que agrade a par de coxas tão roliço,
A oferta – em dólar? – que decorre disso
Não seja ofensa, que ‘do lar’ é troça.

Não há beleza que à razão resista
E agora tudo é causa, tudo é luta
E regra que me arrota a feminista

Confusa que se passa por arguta.
Aprecio o que vale além da vista.
Que bela é essa mulher que se disputa...



IV. ALÉM DAS PERDAS

A moça escreve... mas alguém lhe avise
Que afetar dor é pura cretinice,
Delírio de quem sonha ser Clarice
Cerzindo em prosa insossa a cruz e a crise...
 
Ninguém dá dez centavos por reprise
Além das perdas que Razão despisse
Até do humor, já basta por tolice
A dos maus poetas, zumbis sob marquise...
 
Vai embora? Deus é Pai! Não que durasse
Aqui, fazendo pose de ‘cabeça’...
É jornalista, é de madeira a face...
 
Vá lá, promova cada nova peça
Da dor mais fake em facebook e trace
Um rumo que confirme o que é promessa.
 
V. SONETO DA ROSA

A rosa não curtiu ser só o emblema
Da causa errada a quem por causa a tome
E dela ignore o aroma, o solo e o nome –
Nos dedos surdos, leve, é apenas lema.

Mas e daí, Rosinha, qual o problema?
A glória é brisa – breve – logo some
Se há Glória, mesmo, ignore a própria fome
E por tão pouco chore a causa e gema...

Vou ser sincero – se acha que me engana
Errou bem feio, amor, desprezo a trama
Que ilude enquanto passa por ‘humana’...

Seu drama passa pela mesma cama
Da mesma torpe amnésia que ainda dana
A alguns, que até protestam... por mais lama.

VI.SONETO À FRANCESA

Já vão contando as gafes que comete
A pobre, a que não passa nem no exame
De fezes – tá em Paris? Deixa a baguete,
Sai de fininho, amiga, ai, que vexame!
 
Que mesmo em português ninguém se mete
A defendê-la – é sério! – e há quem reclame
De má-fé, vão dizendo que é a vedete
Do modelo de ensino o mais infame.
 
E que importância ganha a fala exata
Se nada diz? É frasco de perfume
Contendo odioso estrume – e não se trata
 
De ser da nossa esquerda que ilumina...
Mas volta, amiga, embora cego o gume
Hostil, não deixa de ser guilhotina.
 
VII. CREDO

Ao tolo cabe o afago vil do engano,
Ao reles côdea seca é justa paga,
Ao vão qualquer alívio mais estraga,
Ao verme um pé que o esmague é muito humano.

A quem por certo tenha o errado, dano.
A quem por bem devolva o mal, a chaga.
A quem do justo espera a queda, adaga.
A espada ao crânio alegre e vil do insano.

Aos ratos dose exata de veneno,
Aos cães o fim propício em tempo azado,
Aos porcos gancho após o gume ameno.

Aos ocos eco em reino desolado,
Aos monstros bom forcado, apelo obsceno,
Aos mortos menos mal, menor o enfado.



VIII. CRITÉRIOS DO EDITOR

Mulher, gay & negra : é o tal perfil perfeito
Mas sendo gay & mulher, beleza, aceito.

Se não for fêmea seja gay ou negro
Ou negro & gay – melhor! – que já me alegro.

É branco? Ao menos seja gay, que passa.
Se não for gay não seja...enfim, cristão.
E artista agora é a coisa mais escassa...

Critério não me falta e sou flexível,
Mas bons artistas, hein, onde é que estão?
Não cedo ao que é medíocre, baixo nível...

Fazer poesia, por exemplo, eu faço,
Mas como poeta sou mais um fracasso.

Sou bem melhor mostrando quem é quem,
Sacou? Quem tem talento e quem não tem.

IX. É GUERRA, SANTA! 

A bicha velha diz que foi o islã
E a outra : ‘Cê é lôca, miga? Tá tantã?’
 
O deputado grita : ‘Homofobia!’
 
E há quem queira fumaça por cortina
Sem distinguir de crente a fé cretina.
 
Na dúvida é dizer ‘Eu já sabia!’
Pegar Jesus pra Cristo em cada esquina
Que por cristão a multidão nem pia.
 
‘A culpa é só das armas!’ diz a besta
Que nem se esforça em parecer honesta.
 
Se alguém massacra, pode ser... impulse?
 
Dizer que só se colhe o que se planta...
E ao bárbaro, obviedade, que se expulse
Enquanto a bicha diz ‘É guerra, santa!’

 
X. É MOLE?

"Ai, miga, a carne é triste, a vida é dura
E o riso vai ficando bem mais caro.
Ser gay jamais foi coisa assim, segura,
Mas hoje tem mais risco, é o Bolsonaro!

Do máximo viver, minha procura,
Ocupo o dia mais hostil, avaro.
Nasci pra ser feliz, inventam cura!
Patrulham-me as palavras, cães de faro.

É mole? Aguente o tranco quem puder,
Não vão me trancafiar em qualquer cofre,
Não sou a exposição do Santander.

E as hordas dos que odeiam vão chegando —
Não minto quando digo "Bicha sofre!".
A carne é triste, miga, e eu vou passando."

XI. REFÉM

Moldaram seu querer com frases prontas,
Miragens por idéias dum futuro
Que não virá, por mais que façam contas
Sem fim, que infante algum quer ser Maduro.
Mancharam seu caráter com prazer
E, sem pesar, ao digno vem desprezo –
O espírito aviltado em vão não o quer
Refém do que a matilha vê no preso.
Mataram seus princípios sugerindo,
Por sonhos de igualdades e justiça,
Um mundo utópico, justo e tão lindo
Quanto impossível, tela vã, cediça.
Meteram-lhe os ideais desse Brasil
Fictício, de delírios de imbecil.
 
XII. QUEM DISSE?


Um desonesto pio de mau agouro,
Oh, gralha esganiçada em pleno solo!
O insano al-lahu-àkbar do mouro
Tornando o estar aqui mais pobre e tolo.

Heróstrato mendiga em vão seu louro
Ou Mársias — diz-lhe Apolo "Já te esfolo!"...
Zumbido esdrúxulo, será o besouro
Que do excremento faz o ninho e o bolo?

Mas quem, cabrón, quem disse que isso é verso?
'Não ter métrica' nunca foi problema,
Problema é ser tão surdo ao ritmo do universo.

Escuta, ao menos, Sopro que, se o alcança,
Inunda esse arremedo de poema
E faz dele escultura e canto e dança.

 
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Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 28/11/2017
Código do texto: T6184314
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