CHUVA, NEM OITO NEM OITENTA

Ele há mesmo uma coincidência tremenda

Que a todo o vulgar humano mete confusão:

O crente entreabre uma janela de oração

E o descrente ironiza de tal encomenda.

E veio chuva e mais chuva, como prenda,

Em todo o lado a terra abriu-se em turbilhão;

Água e mais água, numa agreste convulsão,

Que a ingénua Natureza nunca tem emenda.

Em que ficamos? Não era chuva o requerimento?

Raios, trovões e coriscos vão acontecendo,

Nem oito nem oitenta, espantos vão-se vendo

E o cidadão comum revê-se em contratempo…

“Venha ela e mais venha”, diz o camponês

Deitando a sua mão ao pertinente arado,

“A ver se a gente descansa ao menos um bocado”…

“Venha ela e mais venha”, riposta o burguês

Que odeia tudo aquilo que não lhe convenha:

“Pois, se não fores a lavrar” irás apanhar lenha!

Frassino Machado

In ODIRONIAS

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 04/11/2017
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