CHUVA, NEM OITO NEM OITENTA
Ele há mesmo uma coincidência tremenda
Que a todo o vulgar humano mete confusão:
O crente entreabre uma janela de oração
E o descrente ironiza de tal encomenda.
E veio chuva e mais chuva, como prenda,
Em todo o lado a terra abriu-se em turbilhão;
Água e mais água, numa agreste convulsão,
Que a ingénua Natureza nunca tem emenda.
Em que ficamos? Não era chuva o requerimento?
Raios, trovões e coriscos vão acontecendo,
Nem oito nem oitenta, espantos vão-se vendo
E o cidadão comum revê-se em contratempo…
“Venha ela e mais venha”, diz o camponês
Deitando a sua mão ao pertinente arado,
“A ver se a gente descansa ao menos um bocado”…
“Venha ela e mais venha”, riposta o burguês
Que odeia tudo aquilo que não lhe convenha:
“Pois, se não fores a lavrar” irás apanhar lenha!
Frassino Machado
In ODIRONIAS