Dois sonetos marginais (e antigos também, como eu)
I
A noite tem janelas e amplidões,
tem passos ébrios, fortes, impassíveis.
É um reino de estúpidas diversões,
um circo de acrobacias falíveis.
Tem antenas atentas em seus plantões
que captam poemas taquicardíveis.
Os bares guardam bêbados foliões
e leões de corações comestíveis.
Eu bebo à noite e a este vão momento,
na minha embarcação subjetiva
que naufraga em árduo questionamento.
Saúdo aos que erguem o copo e bradam um viva,
depois mergulham em um negro pensamento,
reféns da existência sempre à deriva.
II
Passamos em silêncio além da ponte,
a tarde nos sussurra outros caminhos.
Não esperamos que um deus nos aponte
um lugar, abandonamos os ninhos.
Nossa missão é nunca mesmo estar,
é ir seguindo sem portos seguros
e inventar o nada, e reinventar
projetos, amanhãs e outros futuros.
Heráclito não mergulhou no rio
por duas vezes, pois tudo é incerteza.
O ser também é puro desvario
e vai na onda impetuosa e tesa,
e vai passando, e segue anos a fio,
nadando sim, mas contra a correnteza...