O GRANDE INQUISIDOR
O GRANDE INQUISIDOR
exórdio
N'um acesso de cólera, há quem fique
Bem diante da verdade, sem saída.
Qual quisesse apagar a nossa vida
Do Livro dos Eleitos ou onde a indique.
Não admira se acaso pontifique:
-- "Sois a pior coisa já acontecida!" --
Ele tão-só computa em sua lida
A gota d'água p'ra romper o dique...
Após prisão estúpida e arbitrária,
Logo ele nos acusa, por má sina,
Nos máximos rigores da Doutrina.
Por fim, nos silencia a mente vária,
Negando-nos o humano patrimônio
Como fôssemos piores que o demônio.
* * *
invectiva
-- “Ai de vós! Credes em códigos de classe
E vos permitis do ódio instrumento.
Juiz obtuso, dais ao erro provimento,
Qual claro dia em trevas se tornasse.”
“Talvez não verdes danos n’este impasse,
Ou, obscuramente, n’ele haveis alento.
A inépcia ocultais com descaramento,
Malgrado o próprio mal se horrorizasse."
“Por quem sois! Deitai fora tais tiranos
Que constrangem a agir com vilania
E ora vos detêm, cúmplice de enganos.”
“Sei que nos odeiam por nossa ousadia.
Mas vós, que haveis com eles, que planos?
Que abuso à vossa cátedra impedia!?”
* * *
falácias
-- “Oras, oras... Vós-outros bem sabeis
A gravidade toda d’estes factos.
Não obstante, pensais que ainda intactos
Vossos direitos face a nossas leis?”
“Rebeldes à autoridade, conviveis
Entre conspirações, tramas e pactos.
Fugis às consequências dos maus actos,
Inimigos dos reinos e dos reis!
“Lesais a coisa pública, entretanto,
Ao combater os próceres do Estado
Assim como o Direito sacrossanto.”
“Crime de Lesa-Pátria... Um atentado
Autofágico e infame a ser punido
Co’o máximo rigor reconhecido.
* * *
réplica e tréplica
— “Dai-me algo por provar vossa inocência!
Falai-me ao menos!”— Diz o Inquisidor.
"Eu estou desolado" — acho... — "Ou melhor,
Lamento, mas não falo à esta audiência".
"Malgrado não me acuse ora a consciência,
Nada tenho a dizer em meu favor”.
Ele diz: — “Mas que pena! Tanto pior!
Se vos resta implorar tão-só clemência”...
“Eu só penso que vós não haveis dito
O que dizeis, não fosse indefensável
A verdade d’um homem já proscrito”.
— “Eu sei. Deveras, tudo isso admirável!
A minha vã verdade eu acredito
Ser-vos não falsa, sim insuportável”.
* * *
ex-cathedra
— “No ano da graça de Nosso Senhor,
Compareceram diante d’esta Sede
Senhores cuja morte se nos pede
O venerável Grande Inquisidor.
Ouvida cada parte em seu favor,
Julgamos que o recurso que concede
A suspensão da pena não procede,
Devendo os réus cumprirem o mal maior.
O fogo purifique vossas almas
E em meio às labaredas subam calmas,
Qual bode que expiatório com óleo unta-se.
Este é o parecer; é meu juízo:
Purificai-vos para o paraíso!
Publique-se, registre-se e (enfim...) cumpra-se.
Betim - 20 11 2004