A ZICA E O MOSQUITO LADRÃO & MAIS

A ZICA E O MOSQUITO LADRÃO

A ZICA E O LADRÃO NOTURNO I – 24 set 2007

se espalha a Lua nos cacos de garrafa

que coroam teu Muro e que permitem

aos mosquitos suas Larvas depositem

em nova Geração, que não se abafa,

sob os Raios da lua de esmeralda.

marrons e brancos, outros Cacos deste azul

filtrado do Luar, em seu exul

e triunfal viver, que o Sol escalda...

mais outros cacos te defendem da Paixão,

em muro Alto, que a teu redor constróis,

a quem ninguém se achega, sem Cortar-se...

e eu... deposito em larvas de Emoção

meus Versos, em teu muro, sob os sóis,

e fico a ver meus Dedos a sangrar-se...

A ZICA E O LADRÃO NOTURNO II – 01 JUL 2016

tal como o Aedes ou o Culex te picam

e teu sangue em alimento Vampirizam

meus versos em teu peito Metalizam

contra a espécie de Armadura em que repicam...

mas ao contrário de roubar, Dignificam

aos maus Fluidos que te martirizam

e os tomam para mim enquanto Alisam

as Marcas encarnadas que ali ficam.

deixam Mosquitos seu pequeno sol vermelho,

para indicar onde foi feita sua Pilhagem

e em poucos dias se Recupera a pele,

mas os meus versos são as marcas em que Ajoelho

para te dar Carinho e vassalagem,

sem qualquer Marca que no peito se congele.

A ZICA E O LADRÃO NOTURNO III

sempre que um Díptero sobre tua pele esteja

ele Demarca teu sangue com saliva

e assim Abranda a proteção mais viva

de tuas Plaquetas no instante em que se enseja.

e no Momento em que teu sangue beija,

contigo Compartilha a sua cativa

bactéria, vírus ou fungo que se Ativa

e tua Saúde a pouco e pouco aleija...

nem é que seja um Inimigo, realmente,

quer tão somente seu Deeneá reproduzir

de tua saúde na mais total Indiferença

que na cadeia Alimentar se esquente,

ilusão tua de que a possas Presidir:

dos Parasitas és refeição intensa...

A ZICA E O LADRÃO NOTURNO IV

como o Mosquito durante a noite chego

para picar de teus olhos a Retina,

mas não te assalto Adormecida, minha menina,

busco primeiro a Sedução de teu apego.

com saliva de Emoções tua alma eu rego,

caleidoscópica Interferência na tua sina,

nem pingo em ti a Bactéria peregrina:

somente sonhos de Ilusões assim te lego.

e hás de convir, sem o teu Consentimento,

jamais Acesso alcançaria a teu olhar,

pois sempre podes os meus Versos rejeitar,

porém te Inundo e assim poluo o julgamento

com uma série de Quimeras e ilusões,

teus próprios Sonhos em novéis recordações...

LAVANDEIRO I – 24 set 2007

estendo Braços de prata sob a lua,

para Lançar a ti meus sentimentos:

o Tempo passa e a emoção estua,

sem se importar com meus Ressentimentos.

estendo braços de Prata à flor do rio,

para lavar-me de teu Esquecimento:

das Impurezas que acumula o estio,

quando o sol Enchurrasca o firmamento...

que meus braços de prata não Desbotam,

nem ao cantar meus Versos; impotentes

se tornam, mas sempre mais presentes.

pois esses braços de prata se Intrometam

para cercar-te em Luzes, nas frequentes

lavagens Brancas de sangue alvinitentes.

LAVANDEIRO II – 2 JUL 16

meus braços se Projetam, argentinos,

como Raios de luar impenitentes

se Intrometem em teus sonhos, redolentes

de um Perfume de versos peregrinos.

meus braços se projetam, Valdevinos,

para tua Alma conquistar, contentes,

braços de Neve, pálidos, silentes,

tangendo Luzes, tartamudos sinos...

meus braços te rodeiam, na Distância,

sem qualquer sombra de Pendor sensual,

pouco me importa o Gênero que trazes;

para as almas não tem Sexo importância,

nem a conquista de um Corpo material,

mas a Partilha das mais etéreas gazes.

LAVANDEIRO III

teus braços ao Plenilúnio me confortam,

braços Etéreos também, nunca nos vimos,

as mesmas Emoções tão só sentimos,

escondidas dos Olhares nas comportas.

a vida Escreve por veredas tortas,

uns andam na Planície, outros nos cimos,

fisicamente, não nos Atingimos,

os Corações têm amuradas fortes...

mas meus Braços de luar lágrimas têm,

pois que apenas em Fantasia te encontraram,

como saber se ao mesmo tempo estás Sonhando?

tal qual Lágrimas de espanto tens também,

a Derramar de teus braços, que se alçaram

para outros braços, Gentilmente se entregando...

LAVANDEIRO IV

porém meus braços te Roubam as tristezas

e teu Lacrimejar recobre as minhas

falenas de luar, tão Pequeninhas,

alegres a Adejar nas incertezas...

bem que busquei te Ungir com dez belezas,

iguais que essas dez Mágoas que continhas

e que percebo, a cada vez que te Avizinhas,

senhora minha, dona Ímpia das purezas...

numa trança de luar, teu Sonho e o meu

se revestem Mutuamente de carinho,

depois te acordas e não lembras de mais Nada.

mas eu, que Sinto que meu sonho é teu,

ainda procuro Achar o teu caminho,

minhalma inteira de Lembranças polvilhada...

ESCUMADOR i – 24 SET 2007

pois vou fazer um plágio de mim mesmo,

fingir que ainda sou puro, que inocentes

se encontram os meus dedos e meus dentes,

meu fígado e meu sangue, que anda a esmo;

eu vou fingir então que sou poeta,

se bem que nunca o fui, sou ferramenta,

que de escrever alheios versos se contenta,

brotando fundo da emoção de esteta...

porque poetas... há tantos por ai...

plagiando-se uns aos outros, sem vergonha,

de vestir platitudes, sabor vago e sem sal...

prefiro apenas mostrar quanto sofri,

que poeta não sou, mas só quem sonha

em plagiar a si mesmo até o final...

ESCUMADOR II – 03 JUL 16

é deste modo que assemelho a escumadeira,

com que tiras das panelas a impureza,

quer seja a nata ou qualquer outra vileza,

um instrumento na mão de cozinheira,

que a superfície escoima, bem ligeira,

sem ao sabor ou ao odor causar pobreza,

as bolhas fervem, depois, serve-se a mesa

para agradar a cada boca interesseira.

escumo os versos, após fazer rascunho,

de seu sabor retiro a interferência

e não permito que seu odor me queime.

depois... digito com os dedos o que o punho

foi rabiscando, com certa negligência,

nessa tarefa diária em que se teime...

ESCUMADOR III

o quanto eu sei é que apenas nesta escuma

há tanta gente que pensa versejar,

sem verdadeiro saber nunca mostrar,

perdido o odor no espocar da espuma...

tenho de livros publicados larga ruma,

que neste e aquele sebo fui comprar;

junto de mim eu busco os empilhar,

antes que a obra solitária suma...

e então percebo, olhando tristemente

as pilhas desses livros, às centenas,

que jamais tempo para os ler eu acharei...

e vejo neles a verdade, amargamente,

copiando de uns aos outros tantas penas...

por que motivo então os meus publicarei?

ESCUMADOR iV

que busque eu ser inteiramente original

é um atestado totalmente verdadeiro:

minhas próprias plantas sementes no terreiro,

ervas daninhas em terreno marginal.

mas não espero qualquer coisa, bem ou mal,

falso poeta, redator interesseiro

de fama ou glória ou eventual dinheiro,

só para mim sendo tarefa natural.

e vendo os versos que redigi há tempos,

esquecidos como a escuma descartada,

busco minha sopa novamente requentar,

já escoimada dos antigos contratempos,

novas ideias completando a iniciada,

somente em mim buscando o meu plagiar.

TRIDENTES I – 24 SET 2007

outra porta fechou-se, pois se Ocupam

os servos do destino, sem Cessar,

sedulamente meus sonhos a Cortar, (*)

que nem me inquietam mais nem Preocupam

(*) Aplicadamente, cuidadosamente.

e nem sequer consigo me Abalar:

são dessas coisas que vivem me Ocorrendo,

vez após outra, num fragor Tremendo,

sem que vitória venha me Aliviar;

pois eu sinto pisarem meu Sepulcro,

de cada vez que de minha vida o Fulcro

pareça finalmente Alcandorar:

como se os deuses apenas Balouçassem

a cornucópia murcha e me Atiçassem

para poderem melhor me Espezinhar.

TRIDENTES II – 4 JUL 2016

não sei se é Júpiter que relâmpagos me atira

ou se Netuno me espezinha com o tridente

ou se é o Mjölnir de Thor, equipotente (*)

ou seja o corvo de Odin que assim me fira

(*) O Martelo.

ou se é Plutão que meu destino mira

ou ainda Vulcano, em seu forjar potente,

quem sabe Loki, o deus malevolente,

talvez Heimdall quando em Bifrost gira, (*)

(*) O guarda da Ponte do Arco-Íris.

quiçá um deus Azteca, esses sedentos

de sangue a me arrombar o Coração

ou o El Dorado, em tão vastíssima ilusão;

Ildaba ou outra deidade de sumérios provimentos,

já esquecidas pela antiga Geração,

os seus Rancores nada mais do que ilusão.

TRIDENTES III

talvez ainda uma potência do Hinduísmo,

a extrair-me da Roda da Fortuna,

quando a Sansara a melhor fado me ruma,

Deva ou Asura de perdido saudosismo.

talvez se imprima a influência do Budismo,

vontades a extinguir-me uma por uma,

até que o último desejo se resuma

a um Nirvana, pelo qual bem pouco cismo...

poderia acrescentar deuses Fenícios

ou Iranianas dualistas divindades,

alguma imagem Cananeia ou mesmo Síria,

sobre mim Descartando os próprios vícios

ou os Tronos, Dominações e Potestades

judeo-cristãos em abstrusa Teologia.

TRIDENTES IV

serão os Anjos que destarte me atormemtam?

Anjos, Arcanjos, Tronos, Dominações,

Querubins e Serafins em suas legiões

ou os três Coros que em princípio nos alentam?

as Potestades e as Virtudes nos atentam,

dão Principados suas antigas instruções?

diz-nos São Paulo em suas fortes citações

que são Escudos quando os demos a nós tentam.

fato é que sempre realizei tudo Melhor,

bem certamente, que a Vasta maioria,

mas no momento em que viria meu Sucesso,

alguém se Riu de mim em vasto Ardor

e só me Resta que também me ria

desse Tantálico renovar de meu regresso.

PORTENTO I – 5 JUL 16

Haverá para mim outra canção

Que no futuro alguém me cantará;

Pouco me importa se um outro a escutará:

Foi destinada para meu coração.

Seja canção de inverno ou de verão,

Tenho certeza de que se destinará

Direto para mim. E a escreverá

Sem pensar de me ver ter ocasião.

Possivelmente, nem me conhecerá

E muito menos terá lido o que escrevi,

Mas comporá para mim tal melodia

Que em me ouvido um dia tinirá,

Mesmo depois que sua orelha já perdi,

Porém trauteando em idêntica harmonia.

PORTENTO II

Sempre haverá para mim a evolação

De uns poucos pentagramas pelo espaço;

De certo modo, hão de cruzar o embaraço

Do tempo, morte e vida e evolução.

Reconheço ser possível a noção

De que jamais escutarei esse som baço;

Talvez de mim já não exista qualquer traço,

Capaz de captar-lhe a vibração.

Porém conservo em mim esta certeza

De que a canção será um dia ouvida

E que alguém a escutará em meu lugar

E pouco importa que me perca na vileza

Dos átomos a girar, nessa perdida

Tempestade de um constante embaralhar.

PORTENTO III

O que importa é que a constante agitação

Outras mentes em breve há de formar

E de algum modo também sensibilizar

Para o fruir de uma idêntica emoção

E se outra boca entoar essa canção.

Com outras notas e sem o meu frasear,

Meu sentimento se achará nesse lugar

E para mim irá fluir tal criação.

E não lastimo que me chegue o fim da vida

E nem sequer que se extinga toda a obra

Ou que meu nome jamais seja lembrado,

Porém que saiba que a canção será colhida

Por entre os ventos, em que amor sossobra

E que algum verso venha a ser então cantado!

RENOVAÇÃO I – 6 jul 16

Haverá para mim um novo sonho

Que alguém, no futuro, sonhará;

Não faço ideia se me recordará,

Se nele um dia me encontrarei risonho.

No atual momento, nada mais proponho

Que exista alguém, que então celebrará

A mesma vida que de mim se perderá

Ou a mesma fantasia que hoje exponho.

O que eu espero é que perdure a raça,

Com todos os defeitos que ela encerra

E as qualidades, que aos poucos se definem

E se renove a exultação que abraça

Tanto o pendor da paz como o da guerra

A que as sementes de hoje se destinem.

RENOVAÇÃO II

Mas suponhamos que por um malefício

A raça humana toda enfim desapareça,

Somente a morte de uma guerra egressa

Ou sua extinção oriunda de algum vício;

Ou suponhamos cessar todo o bulício

Por catástrofe qualquer, em que pereça

Toda a sombra de vida e que se esqueça

Que um dia a Terra gozou tal benefício.

Suponhamos seja tudo algo aleatório,

Sem que exista qualquer plano sideral

Ou divindade feroz em seu castigo,

Ainda acredito que haverá outro esponsório

De que surja alguma vida mineral,

Novos ideais a conceber consigo.

RENOVAÇÃO III

E se nem mesmo esta hipótese transcorra

E só ficarem as estrelas permanentes,

Sem as menores consciências lá presentes,

Até que a derradeira delas morra.

Suponhamos que a contração enfim ocorra,

Leis naturais de efeito onipresentes,

A provocar seus resultados imanentes:

Para um só ponto toda a matéria escorra.

Contudo átomos mesmo ali existirão,

Provavelmente de extrema densidade,

Que em algum tipo de sonho bailarão

E nessa dança totalmente incompreensível

Vão recriar-se, em universalidade,

Como berço de outro sonho inexaurível.

RENOVAÇÃO IV

Mas me parece bem mais ponderável

Que haja um progresso, rumo ao infinito,

Antes que chegue o final de todo o grito

Na consciência de uma raça memorável.

A fé conservo no destino perdurável

Deste genoma dentre o qual habito.

Essa é minha crença, como o tinha dito.

Mesmo que entenda que em parte é inviável.

Caso eu tivesse certeza desse sonho,

Toda a fé nele certamente perderia:

No imponderável é que a crença se baseia.

E reconheço totalmente ser bisonho

O meu ideal, que no porvir se embasaria

Dessa certeza do irreal em que creria...

RELÂMPAGO – 6 JUL 16

Dizia meu sogro, em tom de brincadeira,

para explicar por que correm africanos,

em todos os torneios soberanos,

que a explicação seria assaz certeira:

que havia leões correndo na sua esteira,

muito apreciando a carne dos humanos

e que os caçavam, bufando em seus afanos,

pela planície, pelo monte e por ladeira!

Mas que dizer dos corredores jamaicanos

e de outros povos centro-americanos,

em que leões só em zoológicos existiam?

Vai ver roubaram bananas aos milhares

e os cachorros lhes mordiam calcanhares,

razão por que destarte assim corriam!...

TRAIÇÃO I – 7 JUL 2016

Não é que a vida marche mais depressa;

para mim ser mais lenta até parece;

meus dias a alongar-se em sutil prece

enquanto dos deveres não me esqueça.

Na verdade, eu planejo sem ter pressa,

ao levantar, o quanto hoje me interesse;

ao fim do dia, aquilo que não fez-se

retorna à fila, não importa o quanto meça.

Diuturnamente, tenho muito que fazer,

sem que recolha o tempo para tanto,

mas meus minutos passaram bem contados,

sem que perceba minhas horas a escorrer,

sem que me cause o paradeiro algum espanto,

ao fim do dia, quando todos já passados.

TRAIÇAO II

Houve períodos em que quase não dormia,

quando as tarefas me eram mais prementes,

horas de sono não mais que indiferentes,

se comparadas a quanto mais fazia.

Houve períodos, ao contrário, em que meu dia

queimava em sono as horas subjacentes

às minhas cobertas, em sonhos imponentes

que mais amava do que as horas que então via.

Será que quando durmo, há uma traição

contra as horas aos dias dedicadas,

algum tipo de adultério com minhalma?

Ou bem ao invés, é de dia a rebelião

contra as horas ao sono consagradas,

rancor que exista permeio o sono e a calma?

TRAIÇÃO III

Sem dúvida, pretendi algumas vezes

ser preferível, de fato, não dormir,

sendo bastante tão só subtrair

algumas horas ao tempo que me leses,

trabalho, que me tomas tantos meses:

fechar os olhos, em devaneio então partir,

os músculos a permitir descontrair,

a mente limpa dos temores que ali peses...

E após alguns minutos, relaxado,

cometida minha traição sem ter pecado,

alegremente retornando a meu labor.

Será que o sono ficará mais ressentido

por esses sonhos que jamais terá nutrido,

apesar de renovar-se o meu vigor?

REGRAS DA VIDA LXXXVIII (88) – 7 JUL 2016

Mantenha sua moral sempre elevada

em ambos os sentidos, no otimismo

e na coragem de enfrentar nova alvorada

por mais que seja imprevisto o seu modismo.

Ou no sentido de manter seu idealismo,

conservando seus padrões toda a jornada,

sem se entregar a irrequieto sexualismo,

mas disposto a agir de mente airada.

Não por respeito ao que os outros vão pensar,

nem por temer consequência de seus atos,

nem ainda por achar que age melhor,

mas para à noite um bom sono conciliar,

sabendo que aprovou todos os fatos

de que participou em igual vigor.

AMOR TRANSGÊNICO I – 8 JUL 16

Na verdade, qualquer linha de conduta

é somente para nós e a nós protege;

não podemos aceitar que alguém aleije

a posição que escolhemos para a luta

a cada instante, na terrenal labuta,

que nos irá cobrar, quando se enseje,

a quebra do pendão que a mente alveje:

a tais pirraças não ouve e nem escuta.

Não é para outrem que se age assim,

porém para a pessoal satisfação

e se cedermos, só iremos decrescer

a nossos próprios olhos, um arlequim

a saltitar muito longe do padrão

que algures escolhera obedecer.

AMOR TRANSGÊNICO II

Existem certas pessoas, certamente,

a apresentar sexuais malformações,

tais quais os rins ou defeituosos corações,

em que qualquer intervenção se faz premente.

Se alguma válvula do coração é inconveniente

se alocam à cirurgia as soluções

inconcebíveis ainda há poucas gerações;

se operam fígado e pulmões naturalmente.

Hoje em dia até se veem, possivelmente,

procedimentos no sistema cerebral,

caso haja um câncer ou quiçá um aneurisma

ou mesmo tiros, em perfuração ingente,

que hodiernamente já produzem menor mal,

ante as heroicas medidas dessa crisma.

AMOR TRANSGÊNICO III

Já no arsenal há bom procedimento

tanto cardíaco como cerebroespinal

quando um nenê apresenta qualquer mal

que prejudique seu desenvolvimento.

Na medula se abrandou o impedimento,

quando partida em golpe acidental;

próteses há de valimento artificial

que não se achavam apenas há um momento,

considerada a duração da raça;

se implantam dedos, mãos e mesmo braços,

quase milagres tais rituais da medicina,

nenhum espanto que algum dia se faça

intervenção até mesmo em mentais traços,

quando o caráter para um mal se inclina.

AMOR TRANSGÊNICO IV

De fato, há transcendentes tratamentos

que são mais físicos que psicológicos

e os vastos arsenais farmacológicos,

capazes de variegar os sentimentos

ou de favorecer os pensamentos,

aumentados por meios neurológicos

os potenciais dos elementos fisiológicos,

na orientação de mais perfeitos julgamentos.

Não há limites para as potencialidades;

já nem é mesmo necessária a gestação

pelo processo biológico animal;

e até é possível moldar personalidades

e em assepsia promover a geração

de novos clones de maneira artificial.

AMOR TRANSGÊNICO V

E se é possível realizar transplantes

até mesmo de um imperfeito coração

e não se para de amar, em conclusão

das novas fibras cardíacas constantes,

por que então não se operar isso que dantes

para o gênero era imperfeita condição

ou desprezar como abominação

o teu irmão humano em outros instantes,

mas que agora transmutou seu sexo

e se tornou mulher fisicamente,

trazendo em si os hormônios adequados?

Ou a mulher, cujo corpo antes sem nexo

se fez de homem, hoje quase totalmente,

mediante implantes mais ou menos acertados?

AMOR TRANSGÊNICO VI

Se era antes só um ser insatisfeito,

duro combate a travar no fisiológico,

inadequado em seu pendor psicológico,

sentindo em si a amargura de um efeito

que o gerou qual ser humano com defeito,

seus cromossomas a formar um par ilógico,

passando a vida em estado hipnagógico, (*)

somente em sonho exercer pleno direito?

(*) Estado anterior ao sono, devaneio.

Rara é a mulher que em homem se transforma;

bem mais comum é se passar ao feminino:

há hermafroditas que até útero contém...

Que seja amada então em nova forma,

nesse transgênico abandonar do masculino

que dentro dela a fêmea inteira tem.

ÍNDOLE I – 9 JUL 16

Há certas coisas que evitei de preferência;

a vingança nos consume e desanima

mesquinharia qualquer nos contamina

tanto o caráter como a moral potência.

Também é bom se furtar à impaciência;

pela raiva a razão se desafina;

ferir aos outros em nada nos anima;

melhor é se negar à impertinência.

E nos mostrarmos agressivos com os outros

não nos conduz a nada... pecadilhos

são todos esses, mas nenhum nos é fatal,

só nos arrancam pedaços, como potros,

com o freio nos seus dentes, andarilhos

que pouco a pouco nos desviam para o mal.

ÍNDOLE II

Mas não se pense que afirmo a perfeição,

que a mesma senda siga que o teu Buddha,

que meu pensar a engano não te iluda:

não sou melhor do que minha geração.

Esses esteios de minha afirmação

só resultam da paciência que me acuda,

muito sofri de recaída aguda

e outras tocaias ainda vejo em prevenção.

A natureza humana é sorrateira,

contendo monstros tão somente submersos,

que à menos chance nos controlarão,

toda a virtude em criação ligeira,

as boas intenções sempre dispersas,

vítimas fáceis de uma nova tentação.

ÍNDOLE III

Bem nos foi dito que não são os sãos

que de médico precisam, mas enfermos;

a nossa índole se submete a termos,

não temos alma limpa em nossas mãos.

Se não tivesse entretido sonhos vãos

não haveria em minhalma tantos ermos;

ressentimentos, por gloriosos, não podemos

considerar, mesmo em amplas decisões.

É justamente por que se sonhou tanto

ou que sonhos sobre nós nos insuflaram

que somos dominados por rancores.

da adolescência ultrapassado o pranto

pelos amores que se não realizaram

a macular assim quaisquer pendores.

ÍNDOLE IV

Contudo, existe em nós conformação

com essas coisas que nos traz a vida;

algumas lutas levamos de vencida,

algumas jóias a nos cair na mão;

houve momentos de maior consternação

e outros instantes de música insofrida,

baila nos ares a aquarela colorida

de algum arco-íris de sutil celebração.

Tudo isso conta e, aos poucos, nos constrói,

em resultado dessa mescla de fracasso

com os beijos que guardamos no regaço,

junto com cada decepção que rói,

junto com cada vitória transitória,

junto com o trânsito vão de uma vitória.

ÍNDOLE V

O que acontece é algum fracasso delirante

que a cada um acomete que lutou;

só não fracassa quem vencer nunca tentou

desenterrar da lama o seu diamante.

O que acontece é que o impulso para adiante

tão só retorna a quem mais se esforçou;

nada tomba no colo a quem ficou

só na esperança divinal de um ajudante.

Contudo, existe algum que nada aprende

e simplesmente se revolta contra a vida,

a chafurdar em um tranquilo desespero;

e existe outro que mais coragem prende

e suas derrotas ainda leva de vencida,

sempre enfrentando seu destino fero.

ÍNDOLE VI

Assim aprende o inútil da vingança,

todo o desgosto da mesquinharia,

quanto era tolo o rancor que antes nutria,

quanto o desânimo macula a tua pujança.

A equanimidade assim alcança,

quando depois do ardor que se inicia

às maiores consequências da porfia

é dispensado por zombeteira dança.

E assim fui eu, perante cada desaponto:

do desencanto consegui me libertar,

para esforçar-me na próxima empreitada.

E se não tive sucesso em tal reponto,

soube ao menos as lições aproveitar,

mesmo ganhando pouco mais que nada...

RUBEDO I – 10 JUN 2016

Jamais esquecerei a noite morna

em que as estrelas renasciam, lentamente,

movia-se o céu no formato diferente

em que a cortina das pálpebras transforma

em um véu transparente, que se adorna

de um préstito fantasioso e iridescente,

espectro e projeção que sai da mente

e num mundo dadivoso toma forma.

Então se atravessa o cortinado

e se percebe que o sonho é bem real

e que seus braços aqui estejam, afinal,

depois de tanto tempo haver negado,

em verdadeira quimera de cristal

que não se torna em piscar esfacelado.

RUBEDO II

Os alquimistas pensavam ter segredo

de transformar a quimera em realidade

em seus cadinhos, com um pouco de ansiedade,

o material transmogrifado num albedo.

Ficava a sua mistura num rubedo,

vermelho fogo da imaterialidade,

depois chegava a um negror de opacidade,

nessa outra fase que chamavam de nigredo.

Se a cocção porém chegasse à quintessência, (*)

o caldo transformava-se em albedo,

desse brancor de cristalina essência.

(*) Cozimento, fervura.

Mui raramente ultrapassavam o encarnado,

toda a experiência lançada no degredo

e então refeita com o máximo cuidado.

RUBEDO III

Mas contentei-me com teu beijo avermelhado

que me envolveu na mais doce constrição,

na morna hora da cálida paixão,

enovelando em mim todo o passado.

Não busquei o negror mais encantado

da milenar e capilar repetição,

bastou-me o buço provado na ocasião,

sem lançar meu branco amor cristalizado.

Não houve assim a fervura da paixão

nem o amor da brandura conjugal,

nada mais que tal mornura transparente,

somente o orgasmo da sublimação

na própria mente, em gravação fatal

do adamantino antanho permanente.

RUBEDO IV

Que seja o albedo do amor tão só um ideal

de que a alma raramente se aproxima.

Que seja o ideal não mais que um toque de menina,

ainda inocente do fogaço natural

que leva o útero à concepção final,

que seja o beijo qual jóia peregrina,

pairar alvo, brancor, naftalina,

semiconsciente do queimor do castiçal,

muito embora, certamente, saiba mais,

percepção espontânea, embora oculta,

que o companheiro de faixa etária igual,

sem que o futuro se espalhe no jamais,

biológico porvir que à alma indulta

nesse fulgor de exaltação sensual.

RUBEDO V

Também chamam de albedo a fulgurância

que nossa Terra projeta contra a Lua,

mares e rochas numa dança nua,

dos raios cósmicos sideral fragrância,

cópia do Sol em mais pálida instância,

que pelo cosmos em mil átomos flutua,

fótons pairando com escada e rua

em leve brilho de inquieta refrescância,

esses raios de terrar sombra somente (*)

do cintilar do Sol por sobre os mares,

nem de longe tão argênteo que o luar,

(*) Luar da Terra sobre a Lua.

mas que se pode perceber, frequente,

quando a Lua expõe pudores singulares

e então se esconde do Sol a faiscar.

RUBEDO VI

Tal como a Lua, projetaste sobre mim

teu argentino fulgor intensamente;

em meu viver, fiquei dele dependente

e nada escrevo sem recebê-lo assim.

Tal como a Terra, anseio ser afim

e distribuir sobre ti luzir contente;

meu brilho é fraco e o sonho contingente,

bem mal consigo iluminar o teu jardim.

Assim o amor que te envio é só rubedo,

flor imperial, mas emoção terrena,

só mais intensa se transformará em nigredo

e nem de longe em teu peito assim respiro

prazer igual de criação amena

ao que me dás com único suspiro.