SUA DEUSA DE MARFIM
"Amamos até o momento de sermos amado. Amar sem sermos amado, é tolice". (Victor Hugo)
SUA DEUSA DE MARFIM
Quando reminiscências em mim impera
E o pretérito começo a recordar,
Tenho a nítida sensação de olvidar
Como se tudo estivesse em outra era
Em tempos que não havia primavera,
Apenas o doloroso inverno austero
A me castigar sem dó: algoz severo!
Deixando em minh'alma infindáveis crateras...
Porém, ao longe, vislumbro seu olhar...
Sereno olhar... como um anjo a me cuidar...
Agora sou sua deusa de marfim!
E, se os meios não justificam os fins,
Pra que viver sentimento amortalhado?
Se em teus olhos vejo o amor repaginado?
(Edna Frigato)
* https://youtu.be/3rBo9-b-bHA
Começo, meio e fim - Roupa Nova
ANÁLISE DO SONETO “SUA DEUSA DE MARFIM” DE EDNA FRIGATO POR RENATO PASSOS DE BARROS
Mais um impactante soneto de intensa linguagem poética frigatiana cuja temática lírica foge um pouco do padrão intimista-sadomasoquista porque, nesse poema, o eu-lírico, apesar do sofrimento narrado nos dois quartetos, já nos dois tercetos, encerra o texto apresentando uma perspectiva de êxito amoroso. Daí que a lírica frigatiana, nesse caso, recusa a receita literária dos pessimistas discípulos de Byron e de Schopenhauer.
Na primeira estrofe, as lembranças passadistas dominam sua mente e desferem inúteis ataques resvalando num escudo afetivo armado pelo sujeito-poético com indiferença e desprezo: "Tenho a nítida sensação de olvidar / Como se tudo estivesse em outra era". Mas reconhece, na segunda estrofe, que foram, realmente, tempos difíceis. Os vocábulos "não havia primavera"; "inverno austero" e "algoz severo" metaforizam essa fase pretérita carregada de trevas cuja intenção da autora é enterrá-la no mais profundo subsolo do último chão de seu inconsciente. E faz isso de maneira ritualística (na construção de um soneto-homenagem). Mas reconhece, no último verso do segundo quarteto que tal mal carimbou sua alma com "infindáveis crateras".
Nas duas últimas estrofes, identifica-se a pá que irá finalizar o sepultamento das chagas de outrora. A conjunção adversativa "porém" é, nitidamente, o divisor de águas dessas duas distintas fases vividas pelo eu-lírico. Esse conectivo inicia o verso que descreve o encontro da luz no fim do túnel: "Porém, ao longe, vislumbro seu olhar". E se agarra nesse suposto porto seguro: "Sereno olhar como um anjo a me cuidar / Agora sou sua deusa de marfim!". Vale ressaltar, nesse versos, o fato da poetisa se apresentar à segunda pessoa do discurso como "SUA deusa de marfim" porque ela tem a certeza de que agora viverá sim um amor correspondido, sereno, sadio ou "repaginado". Identifica-se também, nesse fechamento, a ampliação de carga semântica, num processo paronomásico, dos sintagmas "sentimento AMORTALHADO" = no sentido de morte e "sentimento AMOR TALHADO" = no sentido de cortado, retalhado, incompleto. De qualquer forma sustenta a mesma semântica negativa, se contrapondo à perspectiva otimista: "Se em teus olhos vejo o amor repaginado".
Portanto, presencio aqui, em tela, inusitado soneto cuja desenvoltura discursiva abandona, no fim, o aspeto trágico tão comum no lirismo romântico, principalmente, da Segunda Geração Poética. Nesse sentido, Edna Frigato preserva, na estrutura textual de seu soneto, algumas regras de composição clássicas: soneto italiano petrarquiano com todos os versos hendecassílabos. Porém, no conteúdo poético e temático, mais uma vez, Edna Frigato surpreende o seu leitor apresentando uma obra de arte literária que foge um pouco dos padrões clássicos (sem um final trágico ou platônico), mas que mantém a qualidade poética ao pé de igualdade dos cânones de nossa Literatura. "Sua Deusa de Marfim" é um poema que apresenta ao leitor uma mensagem de esperança, renovação e ressurgimento. Na voz frigatiana de um eu-lírico feminino, a alegórica Deusa de Marfim surge, para o seu interlocutor (o seu novo amor), como uma Fênix em labaredas de paixão "repaginada" e vitoriosa ostentação performática. Mais uma vez, Edna Frigato, te agradeço por me proporcionar essas belas imagens poéticas! Mil beijos, Feiticeira Dourada!
(Renato Passos de Barros)
Obrigada, Renato, por mais uma belíssima análise literária. Não há palavras, no meu parco vocabulário, à altura da grandiosidade da sua análise sempre baseada em aspectos sintáticos e semânticos, fato que não deixa nada a dever aos renomados Críticos Literários.