SESMARIAS & MAIS

SESMARIAS & MAIS

Novas séries de William Lagos

SESMARIAS I – 29 DEZ 2015

Já nada resta das antigas sesmarias,

desmembradas, loteadas ou perdidas,

senão memória das histórias recolhidas,

como saber se esse passado condizia?

Folcloristas é que narraram o que crias,

como fatos das sagas incontidas

dos antigos fazendeiros em suas lidas

ou dos peões que o churrasco só nutria.

Mas quem nos diz se até essa linguagem,

com cem palavras que jamais eu escutei,

nem sequer nos cetegês das tradições

nada mais seja que o ideal da beberagem,

coragem verde que na cuia um dia achei

e não relatos reais dessas paixões...?

SESMARIAS II

Enquanto os túmulos, aos poucos, se derretem

e cada crânio nos sorri feito uma esférula,

conquanto esmague-se o glóbulo da pérola,

não podemos evitar que nos afetem,

que a própria vida os mortos nos completem,

espelho do passado em vaga mórula, (*)

de que surgimos nós, perante a férula (+)

desses passados triunfais que em nós se alertem.

(*) Fase do embrião. (pequena amora) (+) Palmatória.

Mas na verdade suas memórias em nós vivem,

por mais minúsculo esse germe do embrião,

elaborando nossos corpos, nossas mentes,

enquanto os olhos para a luz se ativem,

nesse incessante palpitar do coração,

sempre impelido a suas lidas permanentes.

SESMARIAS III

Certo que existe a escrita dos diários

ou das cartas redigidas no durante

das longas invernadas desse instante

ou das revoltas em vermelhos relicários

desses lenços farroupilhas... Contam vários

serem tingidos os primeiros no brilhante

sangue do gado ou de ovelha palpitante

desde o começo dos massacres perdulários.

Porém a vida diária no entre-guerras,

quando o inimigo era tão só o abigeatário,

nessa vivência austera da conquista,

no ramerrão dos donos dessas terras,

nas campereadas de poeira e de sacrário

dessas estradas vicinais perdendo a pista.

SESMARIAS IV

A maior parte dos antigos já mistura

as suas lembranças com as coisas que escutou,

quando as próprias memórias já matou

nos entreveros com os recuerdos dos amigos

e despacito lá se vai a história pura

que em todo ou em parte de bravura se pintou,

memorizando a escassez do que restou

dos dias iguais, sem vitórias, sem perigos...

Porém tu, que és descendente dos tropeiros

e tens no sangue tais desbravadores,

busca em ti mesmo as sombras do passado

fossem escravos, quiçá, ou fazendeiros,

sobrevivem em ti teus geradores,

nesses teus sonhos de um antanho resgatado...

MEIGUICES DE MEL I – 30 DEZ 2015

Como açúcar mascavo, minha doçura

derrete mansa, mas inexoravelmente

e se desfaz, de forma permanente,

no retalhar consistente da ternura;

anos passados, esvai-se a mimosura,

no saltitar de cada dia descontente;

a noite come o dia, de inclemente,

devora o dia mesmo a noite mais escura.

Dura ou suave, tal repetição,

como pêndulo inconsciente se perdura

a demarcar a cristalina brotação

que se contempla em qualquer vegetação,

tão incessante quanto a vida é impura,

sem lastimar sua morte ou a ilusão.

MEIGUICES DE MEL II

Mas se ao invés só pingasses amargura

e essa tua seiva só queimasse a alheia mão

e respingasse sobre ti, sem remissão,

quarteando a pele na guasca da crestura;

se a teu redor só espalhasses a lanhura,

sempre a tornar infelizes os que estão

a teu redor, numa vaga excomunhão,

trariam teus dias bem maior feiura...

E também repetiriam por inteiro

os ciclos diuturnos do infindável,

só que amargura, porém, não se desgasta,

mas se acumula em esforço derradeiro,

numa abrangência de extensão imponderável

toda a alegria que facilmente afasta...

MEIGUICES DE MEL III

Melhor que enchas tua monotonia

com o alambique de gentil doçura

que derramares ao redor feia tortura:

muito sorriso contamina de alegria.

Pois que seja a tua meiguice fantasia:

mesmo fingida, combate certa agrura

e nos rostos ao redor assim perdura

e até a modorra em parte se esvazia.

Melhor açúcar ser do que pimenta:

queima-te a língua e o olhar alheio cega;

acaso pões pimenta no teu mate

no qual a erva mística se assenta,

na comunhão fraterna que te lega,

enquanto as horas monótonas te abate?...

LÁGRIMAS DE CERA I – 31 DEZ 15

VOU PROCLAMAR O INTERDITO DE MEUS VERSOS,

SEM MAIS DIREITO PARA ALGUM MANIFESTAR,

QUE DEMASIADO JÁ FOI O TAGARELAR,

SEM COMPROVAR JAMAIS SABEDORIA.

VOU INSISTIR NA RESTRIÇÃO DESSES DIVERSOS

FEIXES DE MÁGOA EM SEU RÍSPIDO CANTAR;

TUDO JÁ DISSE QUANTO TINHA A REVELAR,

MEU AUTO-PLÁGIO MÁ DESCULPA DE POESIA.

UMA INJUNÇÃO VOU AO MUNDO PROLATAR

E PROIBIR ESSAS FRASES DE SALTAREM

À SOLTA POR AÍ. Que sejam pois restritas

Para somente ante meus olhos cintilar,

Sem perante alheios rostos lampejarem,

Por mais que lhes pareçam ser bonitas...

LÁGRIMAS DE CERA II

É DE MADAME TUSSAUD A TRADIÇÃO

DE TAIS CONTRAFAÇÕES DE PERSONAGENS,

MOSTRADOS TAIS E QUAIS EM SUAS VISAGENS,

RECONHECÍVEIS A SIMPLES GOLPE DE VISÃO.

PORÉM NÃO CHORAM OS MANEQUINS QUE ESTÃO

NOS DIORAMAS SEMELHANTES A PAISAGENS,

TALVEZ LÁGRIMAS FALSAS EM PASSAGENS,

MAS QUE NÃO CORREM, NÃO PASSAM DE ILUSÃO.

PORÉM MEUS VERSOS SÃO LÁGRIMAS DE CERA

QUE NEM PROCURAM IMITAR A VIDA,

MAS DE ALGUM MODO CONSEGUEM ESCORRER,

ENQUANTO AGUARDAM, NA SUA LONGA ESPERA.

QUE DE ALGUM MODO CONSIGA SER OUVIDA

A FALSA IMAGEM QUE DEVIAM ESCONDER.

LÁGRIMAS DE CERA Iii

POIS MESMO QUE MEUS VERSOS SEJAM PRANTOS,

NÃO O SÃO DE CHORO REAL E BEM MAGOADO,

SÃO CARPIDEIRAS EM TRABALHO DESCUIDADO,

NA IMITAÇÃO ARTIFICIAL DE VELHOS CANTOS.

POIS MESMO QUE MEUS VERSOS SEJAM MANTOS

SOBRE MINHAS COSTAS EM RESPLENDOR ALADO,

SÃO FEITOS DE PAPEL, NÃO DE BROCADO,

EM SUA LUXÚRIA DE DOR E EM NADA SANTOS.

POR QUE ENTÃO POSSO ASSIM CONTAMINAR

MEU POVO AMIGO COM TANTAS FALSIDADES,

POR MAIS QUE SEJAM TOTALMENTE VERDADEIRAS?

MIL LANTEJOULAS DE FERRUGEM A ESPALHAR

AS SERPENTINAS DA FEIRA DAS VAIDADES

DISFARÇADAS COMO PRECES DOMINGUEIRAS.

RISO VERDE I – 1º JAN 2016

QUANDO UMA ESTRADA TERMINA

VÊ-SE ABRIR ENCRUZILHADA

PARA A MENTE SER TESTADA

NA ESCOLHA DE NOVA ESQUINA.

QUANDO UMA ESTRADA TERMINA

REVELA MONTANHA ALÇADA

QUE AINDA PODE SER GALGADA

AO TOPO QUE DESCORTINA.

QUANDO UMA ESTRADA TERMINA

VÊ-SE O MAR OU VÊ-SE O OCEANO,

SURGE LAGO OU SURGE UM RIO,

PORTANTO, SEMPRE HÁ UMA SINA

QUE SE ABRE AO ESFORÇO HUMANO

DESDE QUE GUARDE SEU BRIO.

RISO VERDE II

NA MAIOR PARTE DAS VEZES

CAMPOS VERDES TE PERSEGUEM

OLHARES MORNOS TE SEGUEM

ENQUANTO RUMINAM REZES

A NÃO SER QUE AREIA PREZES

DE BRANCAS DUNAS QUE REGUEM

BORRIFOS QUE AS ONDAS LEGUEM

NA REPETIÇÃO DOS MESES

OU QUE PREFIRAS DESERTOS

PELAS SENDAS DOS CAMELOS

COMO EM RALLYE PIONEIRO,

AMANDO VENTOS INCERTOS,

RESSECANTES, SEM DESVELOS,

ATÉ O OÁSIS DERRADEIRO.

RISO VERDE III

EU, PORÉM, PREFIRO O VERDE

PINTALGADO DE FLORZINHAS,

COM SORRISOS NAS BOQUINHAS

DE QUEM NOVA VIDA EU HERDE,

QUE MEU RISO NÃO SE PERDE

ENTRE AS CORES PEQUENINHAS

QUE PERCEBO NÃO SER MINHAS:

PARA ABELHAS O AURIVERDE.

CONTUDO, DÃO-ME CONSOLO

NO PALMILHAR DESSA ESTRADA,

QUAL BOCA CORTANDO A TERRA,

QUE ME TOMA NO SEU COLO

EM RISO PLENO ESVERDEADA

QUE TANTA VIDA DESCERRA.

CREDO I – 25 AGO 2007 (REVISITADO)

O tempo é um poema escrito no meu rosto,

por mãos que não são minhas; as marcas eu não tenho

gravadas em mim mesmo, pois que tão só me atenho

meu passado a enxergar no olor de carne e mosto.

O tempo me é poema que em nada traz desgosto:

enfrentei o quanto tive. A firmeza inda mantenho,

bem poucos os prazeres que da vida hoje retenho:

muito mais as tarefas que na lida tenho posto...

E que arquivo no tempo, como as preces das completas.

Se algo encontrei, sempre incrédulo do tema,

foi a ânsia voraz da tarefa a ser cumprida...

Talvez por isso seja que guardei rugas discretas:

são escassos meus remorsos, no minúsculo dilema

dos monótonos deveres na largura de minha vida...

CREDO II – 2 JAN 16

O tempo é um poema apenas abstruso,

sem substância real, porque não passa;

sou eu que passo pela vida escassa

e me desgasto ao continuar do uso...

Tempo é poema de um teor confuso

pela vida contraída em tonta massa

recomposta pelos dias que perpassa:

não corre pela roca o fio do fuso...

É um poema o tempo, cuja estrofe

é dedilhada pelos ossos dos poetas,

já que filósofos o pretendem entender...

Cada guerreiro extirpando o próprio bofe

nas investidas de suas batalhas retas

em que seu tempo exaurem ao morrer.

CREDO III

O tempo é um poema dos mais obstinados,

nada mais que uma insistente convenção;

sem qualquer dúvida, repete-se a estação;

são dia e noite claramente delineados.

Mas as horas só demarcam os pecados

e os arbitrários impostos da nação,

dos agiotas o extorquir em profusão,

quando seus juros são assim determinados.

Já que em nada é real esse dinheiro,

tão somente nova forma de explorar

cada infeliz que tomba nas suas garras;

e o tempo apenas observa, sobranceiro,

essa expressão de seu malbaratar,

no toque inconsistente das fanfarras.

CREDO IV

Nunca o tempo perdura no exterior,

mas tão somente no teu pensamento;

o ontem já se foi, vago portento

e o amanhã nunca mostra o seu favor;

existe o agora em uivos de estentor,

essa breve mordida de alimento,

que engolida já tem seu passamento:

já é passado após breve estertor...

Caso existisse, tal qual existe o espaço,

poderia ser vivido inversamente,

percorrido para a esquerda ou a direita,

sem ser apenas o inexorável laço

desse agora que escorre velozmente,

nessa ficção de um hoje que se aceita...

ORLA I – 25 AGO 07 (REVISITADO)

O tempo é um poema escrito em minha vida,

não só melódico. E mesmo, com frequência,

bastante dissonante em minha impotência:

acordes tingem tal mortalha mal tecida...

Sei bem que ainda é longa essa jazida

a explorar pelas sendas, com paciência

até que se me esgote em turbulência,

essa estrênua batalha, essa corrida...

Passam-se os anos na corte dos eventos,

insana diáspora do préstito obscuro,

sem verdadeiros momentos perigosos...

Mas é o meu tempo e tantos contratempos

a mim pertencem do modo mais seguro,

como eu pertenço a meus caminhos inditosos...

ORLA II – 3 JAN 2016

O tempo é a brusca força do corisco

que percorre veloz o firmamento

e nos cega tão somente por momento,

só na retina sobrevive o risco,

mas já se foi seu começo e seu aprisco (*)

achou seu fim, perdido o seu alento;

só pode ser filmado o seu portento

a nos cegar brevemente como um cisco.

(*) Abrigo de ovelhas, refúgio final.

Mas nunca é o passado que guardamos;

esse relâmpago já pertence ao tempo novo

a cada vez que revê-lo procuramos,

mesmo imutável em qualquer fotografia,

nesse instante em que se mostra para o povo

é tão somente outra faísca que surgia...

ORLA III

O tempo é a foice que recorta o grão

e faz tombar a haste imprevidente,

moribunda, desvalida sua semente,

sangue de trigo exaurido pelo chão.

Mas essa espiga que tomas em tua mão

já é o passado em seu corte recente,

sob o talho da gadanha onipresente,

presente apenas durante a execução.

Tudo é passado, não mais do que ilusão;

inutilmente agarra-se o presente,

tão veloz quanto a foice no seu corte,

todo o futuro tão só imaginação,

não mais que prece no coração do crente,

nessa incerteza constante de sua sorte.

ORLA IV

Assim se o tempo, de fato, não existe,

resultando tão só de cada ação,

os mil futuros possíveis ali estão,

na espera de que um deles se conquiste.

A segurança porém não nos assiste,

por mais que algum cristal dê previsão;

está o tempo em constante gestação

e jamais qualquer certeza ali resiste.

Somente estamos na orla mais estreita,

entre o tempo inexistente que se foi

e o tempo inexistente que não veio;

inexistente o presente que se aceita,

mesmo quando mais agrada ou mais nos dói,

não mais que a orla constante do receio.

IRÍDIO I – 26 AGO 06 (REVISITADO)

A luz do amor que sopra, brandamente,

sobre meu peito, é como roxa espuma,

lactante de aroma, enovelada em bruma,

enquanto a musa se esgueira, efervescente.

Rebrotada das ondas, sangue e sêmen,

seduzindo em ser somente a sedução,

quer demonstrar o quanto, em sua paixão

pode sangrar o amor, que tantos temem.

A luz terrestre, esguia como prece,

a luz arbórea chilreia e reverdece,

a luz lacustre desse mesmo céu,

não se conformam ao gume desse arpéu

da luz marinha que a carne anzola e fura,

nesse arco-íris tutelar da espuma pura...

IRÍDIO II – 4 JAN 16

Deram-lhe o número de Setenta e Sete,

intimamente coligado ao verbo IR,

seu símbolo igual sílaba a introduzir;

por entre o ósmio e a platina se intromete.

Branco e prateado quando se projete,

em forma pura, lingote a reluzir,

forte e pesado, bem raro em descobrir ,

resistente à corrosão quando se aquiete.

É extremamente dotado de dureza,

mas igualmente de friabilidade, (*)

muito difícil de ser trabalhado

(*) Condição de ser quebradiço.

mas muito útil para ligas, com certeza,

nas quais já perde tal fragilidade

e pode ser longamente conservado.

IRÍDIO III

Assim o amor é a emoção mais forte,

mas sofre de uma igual fragilidade,

sujeito a se quebrar sob a vaidade,

por mais que busque resistir à sorte.

Quando, porém, numa liga ele se aporte,

amor com outro amor em unidade,

resiste firme ante a adversidade

e assim suporta amor de maior porte.

Amor de ósmio e platina abrilhantado,

quando está sólido e raramente se quebrante

e como o irídio é levemente amarelado

pois nele existe sempre um tom dourado,

que lhe faculta levar a vida adiante,

por mais que seja por ela atormentado.

IRÍDIO IV

Assim amor é um arco-íris iridiado,

não apenas sete cores enfaixadas,

à luz do Sol depressa desbotadas,

pote de ouro que jamais foi desvendado.

Mais que um gnomo o tenha acumulado,

amor conforma as ligas mais sagradas,

quando alma a outra se encontram enlaçadas,

nos corações humanos encontrado.

Qual forte mescla de solidez constante,

enquanto só, não mais que sonho delirante,

mas em suas sete nuances demonstrado;

amor de irídio, reluzindo nos abismos,

resistente ao mais feroz dos cataclismos,

após fusão de um amor ao ente amado.

VÉUS DE MÁRMORE I – 5 JAN 2016

Palafreneiros eram os encarregados

de tratar dos palafréns, cavalos nobres;

naturalmente, de famílias pobres,

mas no serviço bem alimentados...

Em geral, são tais tempos recordados

por pertencentes aos feudalistas dobres,

nesse vasto período que recobres

de trevas e cobrança de pecados...

Mas na verdade, existiam anteriormente,

no período da Alta Idade Média,

que se calcula concluir no ano Mil...

Em quatrocentos e setenta e seis nascente,

só o feudalismo a controlar a rédea

na Idade Média Intermediária mais gentil.

VÉUS DE MÁRMORE II

São as estátuas de marmóreos véus

que nos dão essa errônea convicção,

nas catedrais jaz a morta profusão

como estátuas jacentes, perto aos céus...

Junto aos altares, estão longe dos arpéus

dos demônios de maligna atração;

os mortos nobres ali buscam proteção,

os mortos pobres sem cuidados seus...

Escravos foram no tempo dos Romanos,

permanecendo nessa triste condição

até os tempos da nobreza e fidalguia;

sob os senhores feudais (não por humanos,

mas premidos pela nova situação)

a escravatura pouco a pouco se abolia.

VÉUS DE MÁRMORE III

Os escravos passaram, desde então,

a condições de maiores liberdades,

choupanas próprias, mas a dizer verdades,

nesse estatuto da nova Servidão.

Já sem ganhar dos senhores a ração,

plantando ao máximo de suas capacidades,

pagando décimas ao senhor das propriedades,

mais outro tanto para a Igreja em obrigação.

Devendo ainda aos senhores as corveias

(certos dias de trabalho por semana),

durante as guerras eram convocados,

tristes guerreiros, cujas epopeias

nenhuma giesta ou saga lhes proclama,

durante os séculos em que foram explorados...

DESPEITO I – 6 JAN 2016

Isso que chamam de tecnologia

é outro aspecto da novel escravidão;

os celulares são comprados com paixão

pelo prazer das novas contas que se cria!

De nosso povo a mais vasta maioria

dos telefones não vivia em servidão;

se precisassem, usavam um orelhão,

mas quase sempre sem eles se vivia...

Existe hoje a imposição do comercial:

até as crianças obtêm seu celular,

sob o pretexto de cuidar seu paradeiro.

Eu recusei-me até hoje a algum comprar,

se bem suspeite me tornar o derradeiro

ser analógico em um mundo digital!...

DESPEITO II

Na verdade, quatro telefones pago,

sendo um fixo e os outros celulares;

no fim do ano já gastei alguns milhares

mas raramente receptor qualquer afago;

em nada invejo os ditames desse mago,

mas minha família tem prazer nesses falares;

não receio que me alcancem nos andares,

pois em meu bolso tal bichinho nunca trago!

Na verdade, sempre achei certa idiotia

em falar e sorrir para as paredes...

Claro que hoje os rostos já se veem,

mas nos antigos tal recurso não havia

e via tantos encilhados nessas redes,

mostrando ao ar os quantos dentes têm!...

DESPEITO III

Mas certamente me rendi ao computador

e até mesmo ingressei no Feicibuque,

já que a vida me forçou a tal batuque:

envio versos ao vazio sem mais temor!

As editoras me impuseram seu valor,

passei a digitar, forçado a muque!...

Na máquina de escrever eu era um duque,

mas exigiram de mim outro lavor...

Ainda assim, conservo a desconfiança

desses besouros zumbindo por aí,

até nas mãos semi-inocentes de criança.

E se um dia, como foi no antigo Egito,

tal qual nos filmes da Múmia, que assisti,

criarem vida, a devorar usuário aflito?...

Imantação 1 – 26 AGO 2007 (Revisitado)

Preciso decidir quando marcar

minha próxima paixão, nem sei por quem.

Vou decidir quem será o novo alguém

e então eu buscarei me enamorar...

Hora e lugar são fáceis de marcar,

porque, afinal, não vai me amar também.

E nem sequer a buscarei, porém,

a um novo amor preciso me ligar...

Não precisa ser grande: um só suspiro

é para novos versos suficiente

e roubarei de seus olhos o fulgor...

Pois nem preciso sair de meu retiro.

Um fio de seus cabelos, tão somente,

bastará a despertar-me um tal amor...

Imantação 2 – 7 jan16

Não resta dúvida que ao coração romântico

qualquer dose de amor, qualquer paixão,

por mais tênue que seja, é inspiração,

simples pretexto para entoar um novo cântico.

Todo poeta é um pouco nigromântico,

em seu amor pela busca da ilusão,

pela elegia da morte em emoção,

linha marcada no destino quiromântico.

Destarte uma paixão, por mais fugaz,

não mais do que um reflexo no orvalho,

qualquer perfume que nem sabe donde vem

para a feição de algum poema satisfaz,

no coração aberto um leve talho,

por sobre as cicatrizes que já tem...

Imantação 3

Não é casual que o amor adolescente

inspire hormonalmente um verso ruim;

que tantos pensem que um poema, assim,

resulte só de uma paixão inconsequente.

Não é de admirar que se aparente

como romântico qualquer casal, enfim,

que passeie de mãos dadas num jardim,

nos albores iniciais do amor ardente...

Mas não é isso realmente o romantismo:

é bem mais a paixão do inatingível,

a saudade do que nunca se encontrou,

o anseio pelo morto classicismo,

pela conquista do Universo inexaurível,

pelo lamento do que nunca se buscou!...

Imantação 4

Existe de outra forma a imantação,

que o ímã pode ser da costureira

na busca de uma agulha, interesseira,

com fim utilitário e sem paixão.

Mas também há o magneto da emoção,

que atrai amor em revoada condoreira,

perante as vastas alturas sobranceira

a sensação de uma total dominação.

Sente o romântico o mundo dominar:

por mais que viva em quarto limitado,

ali se expande sem limitações,

até esquecendo o próprio alimentar,

porém nutrindo o coração atribulado

com seu oceano de sutis percepções...