A VELHICE
Já fui moço, moleque e fiz ruindade,
Hoje ando escorado numa bengala,
É mais um entre os males da idade
Que pra falar às vezes falta a fala.
É tão longe parece uma eternidade
O trajeto da cozinha para a sala,
No percurso eu relembro a mocidade,
O cavalo, a enxada e minha mala.
Trabalhei feito bicho, fui disposto,
A maior prova são as mãos e o meu rosto,
Eu era bom de galão e de machado.
Ainda ontem chorei com muita pena,
Relembrando a miúdo cada cena,
Porque velho só vive de passado.
Nunca pensei que fosse tão sofrida,
Que no fim ficaria tão pesada,
Mas assim é a cruz chamada vida,
Só aumenta, ao longo da jornada.
Não seguro a colher nem a comida,
A cabeça pelo tempo foi pintada,
A cada dia se aproxima a despedida
E eu vejo o final de minha estrada.
Pra tomar banho é o maior sofrimento,
Vestir a roupa tornou-se um tormento,
Quando deito é dor por todo canto.
Meu semblante reflete a incerteza,
O sorriso é um cenário de tristeza,
No meu rosto só rola dor e pranto.
 
Hoje sou igual a um passarinho
Que caiu nas mãos da covardia,
Triste, amargurado e sozinho,
Esperando a morte a cada dia.
Sem refúgio, sem teto e sem ninho,
A tristeza é a única companhia;
Já implorei uma esmola de carinho
Só encontrei desprezo e zombaria.
Minha vista está embaraçada,
É lento meu rojão e a passada
Que um dia foi ágil e bem ligeira.
E assim aquele moço que era forte,
Vai aos poucos enxergando só a morte
Pondo um ponto final em sua carreira.
Como é triste viver sem ter saúde,
Se meu único prazer é está doente
E mais triste é não ter quem me ajude,
Essa ferida me mata lentamente.
Trabalhei e andei enquanto pude
E sei que fiz o bem a muita gente,
Espero que minha família ainda mude
E eu receba a visita de um parente.
Já que pelo o povo fui esquecido,
Quero fazer somente um pedido,
Pois já é hora de partir pra eternidade.
Por favor, escrevam em meu caixão:
O maior matuto do sertão
Morreu de tristeza e de saudade!