PRIMAVERA VOLUPTUOSA
PRIMAVERA VOLUPTUOSA
William Lagos, 9-18 Dez 2015
PRIMAVERA VOLUPTUOSA I – 9 dez 15
A primavera, bordado de mil flores,
escorregou sutil pelas paredes,
pintando as riscas no reboco que ali vedes
da linfa e sangue de seus mil amores.
A primavera, materna em resplendores,
os meus cabelos acolheu em redes;
puras girândolas na memória medes,
mil armadilhas de perfumes multicores.
Pois me lambeu os lábios, sorrateira,
a despertar em mim viril mensagem:
ela é mulher e a filha de um outono,
que ficou adormecida e forrageira,
por um inverno e seus ventos de passagem,
até que rebrotasse em abandono...
PRIMAVERA VOLUPTUOSA II
Foi primavera que assediou-me, pura,
ansiosa estando por ver-se fecundada,
de novas primaveras gravidada,
em seiva e sêmen da viril ternura.
A primavera despertou toda a loucura
que dormia em minhalma espatulada,
gentis os genes de minha carne alçada,
quando me acorda e em mim gentil perdura.
A primavera despertou-me ante o verão,
acordando meu pendor inesperado,
sob meus pés a dança do esmagado
capim em verde sangue e dispersão,
que os tornozelos galgou em esperança,
até que seu ardor minhalma alcança...
PRIMAVERA VOLUPTUOSA III
A primavera, fora da estação,
filha primeira do Amor e clara Luz, (*)
chegou agitada e a carne me seduz,
que eu compartilhe, viril de sua paixão.
(*) Segundo Hesíodo, as Estações são filhas do Amor e da Luz.
A primavera, em dança, deu-me a mão,
para deitar-se depois, braços em cruz
e a um orgasmo cintilante me conduz,
que mãe pudesse ser de outro verão.
E muito embora eu mais prefira o outono,
pela bênção que me acena de outro inverno,
como posso a tal outono fecundar?
E enquanto a ela me entrego, em abandono,
sinto meus filhos flutuando em céu eterno,
nesses mil versos que da alma faz brotar!
AURORA ACESA I—10 DEZ 15
Seus pés correndo como fios de ouro,
dançou a aurora perto de minha cama;
sobre minha testa, a suspirar, proclama:
“Vem partilhar comigo meu tesouro!”
“Não durmas mais, imerso em sonho mouro, (*)
em que trabalhas, escravo, a longa rama
das ordens de Morfeu, fúlgida lama
dos sonhos vivos de silencioso estouro...”
(*) Alusão ao ditado “trabalhar como um mouro”.
“Não desdenhes da vida em teu desdouro,
levanta logo da prisão do leito,
segue teus passos na luz que te deleito,
“marcha contente à luz de meu sol louro,
todo esquecido das sombras do passado,
enquanto guardas meu fogo de teu lado!...”
AURORA ACESA II
Já muita vez ouvi que à alba se refiram,
com dedos róseos a despertar o dia,
porém diversa percebo a sua folia:
são os seus pés que junto a mim suspiram!
Frutos dourados do sono me retiram
para enfrentar da realidade a orgia,
dessas horas que copulam nostalgia
e logo em morte velozmente estiram!
Muito mais breves as horas desta vida
que as longas horas do sonho titubeante,
que desmedidas ampliam cada instante,
a prolongar do fantasma a despedida,
enquanto o dia, em luz amortalhado,
veloz escorre, em ardor endemoniado!
AURORA ACESA III
Aurora acesa, sob a chuva morta,
por mais que cada gota traga vida,
que ante o arder do sol é consumida,
aurora breve, que Hélios logo corta!
Aurora feita da ilusão que entorta
somente alguns minutos em corrida,
para abranger a paisagem colorida:
sabe que morre, porém jamais se importa!
Ah, breve aurora, que me vem buscar
fundo ao abrigo de meu sonho milenar
e que me faz pisotear tantas rosetas!
Sem ter tempo para os pés calçar sequer,
de palmilhar a grama verde o meu mister,
buscando em vão dela achar pontas de setas!
VEADOS REAIS I – 11 DEZ 15
Que pena no Brasil logo se pensa,
tão depressa alguém refira-se a veados
em seres homossexuais desabusados,
sob o despreza da sociedade tensa!
São os veados de alegoria densa
por tantos contos europeus alados,
grandes herbívoros de cornos esgalhados
imagem heráldica que nobreza incensa!
Alguns de olhos vermelhos de rubi,
outros castanhos em que fulgor luzia,
tantas cabeças em taxidermia!... (*)
(*) Empalhadas.
Nas paredes dos castelos que já vi,
atroz demonstração da humanidade,
como brasões de feroz virilidade!
VEADOS REAIS II
No Brasil, certa vez, Cassandra Rios,
que, na verdade, escrevia muito bem,
mas foi banida, pois conteúdo tem
de lesbianismo seus livros em seus fios,
tomou um termo do francês, em falsos brios,
a referir os homossexuais que veem,
como biches (há outro termo que nos vêm
da mesma origem, em enganos corredios.)
Biches são corças, as fêmeas dos veados,
sem qualquer conotação homossexual,
termos apenas interpretados mal,
mas que ficaram ao popular assimilados
e o símbolo vivo desse animal tão nobre
aviltado no imaginar que nos recobre...
VEADOS REAIS III
Não me interprete mal. Eu não desprezo
quem tenha escolha em oposição da minha;
não partilhei da violência que se tinha
contra antigos “invertidos”, mas não prezo
que um termo seja assim tomado em vezo
tão inverso daquele que continha
inicialmente, para de forma comezinha
ser usado como insulto, em riso teso!...
Ainda que fosse um termo de louvor!
Que o empregassem para membro respeitado
de nossa sociedade, contudo não o é:
sempre o utilizam no preconceituoso odor
desses que julgam ser alguém mais elevado
tão só por ser heterossexual sua fé!
VEADOS REAIS IV
E novamente, cuide a interpretação:
não condeno nem aprovo o homossexual
se tal escolha lhe pareça natural;
nem dou-lhe agora recomendação;
mas as palavras eu respeito com paixão:
por que usar de um animal real
o nome como insulto inatural
para os que olham com pouca compaixão?
Que fosse embora por eles aceito
tal como ao nome de gay deram direito,
seria algo de bom e respeitável;
mas desta forma o ser humano é desprezado
e um termo, sem razão, vilipendiado
por atitude mesquinha e condenável!...
TRANSLAÇÃO I – 15 jul 07
As coisas sempre parecem mais difíceis
ao começarmos – a casca é sempre dura,
muito mais do que a polpa – na segura
certeza que a protege contra os mísseis...
Porém, tão logo as cascas enfrentamos,
o interior se faz macio e saboroso,
o trabalho se torna prazeroso
e até o caroço, com gosto, separamos...
Todavia, quando o sumo chega ao fim,
surge outra casca, passado esse prazer:
e o desafio encontramos novamente...
Como é difícil, às vezes, finalmente,
completar uma obra, em tal dever!...
Que então, termina... e nos liberta enfim...
TRANSLAÇÃO II – 12 DEZ 15
Não é possível buscar-se apenas sumo
e nem se atinge a polpa sem cortar,
morder ou, pelo menos, perfurar
a casca externa em obrigatório rumo.
Irão dizer: “Facilmente hoje consumo
em garrafas o suco: é só comprar,
sem precisar qualquer casca rebentar
e sem sequer melar-me no seu grumo...”
Mas ao encontrares uma tal facilidade,
lembra que outros tais cascas partiram
ou inventaram para tal os instrumentos...
Que vais pagar por sua industriosidade
com o dinheiro que teus atos produziram,
diversas cascas a enfrentar nesses momentos...
TRANSLAÇÃO III
De forma igual, a Terra enfrenta, inteira,
o vácuo cósmico, em constante movimento,
caminhos a rasgar em vasto alento
e assim a órbita completa, derradeira.
Mas também move-se a galáxia, ligeira,
e após o seu anual completamento,
encontra o Sol em novel padecimento,
novos caminhos enfrentando, sobranceiro!
E é deste modo que no cosmos te transporta,
rumo a seu ápice, que diziam, antigamente,
ser encontrado na constelação da Lira;
e como a Terra um igual caminho corta,
os teus caminhos abrirás, eternamente,
no vasto mundo que permanente gira...
TRANSLAÇÃO IV
Houve um tempo em que “lira” era poesia;
por tal nome referiam-se os poetas
a associações para eles tão diletas,
as quais depois denominaram “Academia”.
Mas hoje “academia” a nova guia
te conduz – ao encontro dos atletas;
e se a tais exercícios não te afetas,
outros locais irás buscar em tua vigia...
E enfrentarás a tua própria translação,
a abrir caminhos sobre a casca dura,
em que nova dificuldade te perdura...
Mas que fazer, se não há outra solução
e no final de teus momentos de lazer
terás diversas translações a percorrer?
Amor Sólido 1 –13 dez 15
Muita vez é difícil descobrir
Do meu amor a razão de permanência,
Que há tantos anos recobre-me a existência,
Desde o instante inicial de seu surgir.
Com qual chave o coração eu fui abrir
Para fechá-lo total minha impotência,
Sem conceder-me um instante de indulgência
Com que pudesse, afinal, de ti fugir?
E por mais que reconheça as qualidades,
Mesmo mescladas com tantas dissensões,
Nem a menor escapatória aqui se vê...
Olhos cerrados para outras novidades,
Amortalhado para novas emoções,
Por que te amo? De uma vez, diz-me porquê!
Amor Sólido 2
Bem reconheço que não és perfeita
E com frequência enfrento tentações
E fugazmente entrego-me a paixões,
Que a natureza do romântico sujeita.
Um novo amor imaginei de muita feita,
Porém sem perseguir tais ilusões,
Mesmo no âmago das desilusões,
Quando tua alma à minha não se ajeita.
Talvez por indolência ou covardia,
Não mais persigo novas aventuras,
Que não estas expostas nos meus versos,
Embora às vezes me estertore em agonia
Durante as horas de solidão escuras,
Em que meus sonhos algures são dispersos...
Amor Sólido 3
Haja o que houver, enfrento a solidão
Com os remígios das penas de um condor;
Abro os caminhos do dia com vigor,
Minha própria sombra a se arrastar no chão,
Ao invés de me servir como um arpão
Que as sendas me alargasse desse amor;
Só quando a luz me segue, em seu calor
É que a encontro à frente, em ocasião.
Assim, o meu amor não é defesa,
Mas claramente duro e material,
Minha plataforma, apoio mês a mês;
Cada percalço enfrentando com presteza;
Que não me digas o porquê, é natural,
Mas certamente é um amor de solidez!
META-ANÁLISE I – 15 jul 07
pois veio ver-me,
Translúcida sua pele e as mãos formosas.
Emoldurada num vapor de aurora,
nesse portento...
veio beijar-me,
De leve as faces, pétalas de rosas
Os lábios sorridentes, nessa hora,
de frágil vento...
só conversamos,
Contando coisas simples... e eu queria
Dizer algo mais sério... e, em timidez,
então nem disse...
só nos olhamos:
A vista apenas, porém, tremeluzia...
Talvez falasse mais que sensatez,
se lhe pedisse...
foi agonia,
Que estivesse tão perto e até a abraçasse,
Mas o que mais desejava, não contasse,
porque temia...
META-ANÁLISE II – 14 dez 15
com um suspiro,
Finalmente levantou-se e foi embora,
Hesitante no portão, por meia hora,
se me daria
terceiro beijo,
Sem que sequer mais um solicitasse,
Mas no interlúdio do portão se continuasse
nosso inuendo... (*)
(*) Sugestões, alusões.
e convidou-me
Que em breve a fosse em casa visitar,
Lançando em minhas narinas lupanar
envolto em conventual.
não conventículo, (*)
Seria necessário haver mais onze,
Dançando nuas ante um ídolo de bronze,
em vezo antigo...
(*) Reunião de treze bruxas e bruxos.
só o eremitério
Em que seu beijo seria mais que prece,
Nessa graça irreal que então nos desce,
de aroma puro...
META-ANÁLISE III
pleno rocio
A rebrotar da comissura de seus lábios,
Em cada lágrima ensinando sete sábios
pálido rito.
tão só faíscas,
Mais desespero suave de elegia,
Convite melancólico de orgia:
negaça consensual...
sem que o anel
Se enfiasse no dedo neste apelo,
Na fina dor-recusa de um desvelo:
recusa sugerida...
na curta bênção
Que nos confere a fúlgida aliança,
No verde anel azinhavre da esperança,
na pele ardida.
só então partiu:
Fiquei somente escorado no portão,
Do ferro a retirar meu coração
que ali ficara.
META-ANÁLISE IV
qualquer retorno
E não apenas no tempo imaginário,
Mas de beijo real – santo sudário
de fé intermitente.
sempre evidente
De compromisso o mais gentil abismo,
Num balanceio mental feito onanismo
de parte a parte.
e quem diria
Que o convite ainda em beijos reluzia,
Sem ser discórdia, tão só desarmonia
sem contraponto.
e assim confesso
Que de fato amei o desaponto,
Sem nossas peles unidas em pesponto,
sem ter bainha.
mas não concluo
A meta-análise do amor inacabado,
Quiçá um dia ainda a ser fertilizado
no fado obscuro.
SUSPEITAS I – 22 jul 07
Muitas vezes se acredita que um palpite
tenha mística origem ou inspirado
voe nos ares... qual por deuses abençoado,
tal se fora do Destino um bom convite.
Mas a intuição é analítico processo,
realizado em escaninhos de tua mente,
como porta que se abre, de repente,
e então revela um íntimo recesso...
Não dom gratuito agora exposto à luz,
nem de um espírito cochichos caprichosos,
que assim nos comunica orientação...
Porém teu inconsciente é que reluz:
o melhor conselheiro, em dadivosos
resultados dessa arcana escavação...
SUSPEITAS II – 15 DEZ 15
Mas raramente escutamos tal conselho,
porque não vemos razão para confiança,
nesse temor que se inculca na criança
e que rebrota no coração mais velho...
Nosso inconsciente reprimido num espelho
diante de outro, imagens em pujança,
porém fugindo, desampliar que cansa,
até chegar às dimensões de escaravelho...
Pois cada vez que a titilamos, a memória (*)
já se tornou diversa do que era,
lembrando apenas a última lembrança,
(*) Excitamos, pesquisamos.
a refazer de cada vez a nossa história,
no falso recordar da antiga esfera,
polindo arestas na maior perseverança.
SUSPEITAS III
Qual o conselho que brota da intuição
vem a mensagem poluída do exterior,
querendo divergir o nosso ardor
para o serviço de sua alheia pregação.
E quanta vez, sem maior reprovação,
damos ouvidos à traição desse vigor
e suspeitamos do conselho do interior,
murmúrio leve de sutil abnegação.
Chamado por alguns como consciência
e por outros como a voz da tentação,
quando se mostra contrário ao racional,
que nos domina a mente em sua potência,
para deixar-se cair em submissão
ante um apelo insistente do social.
SUSPEITAS IV
Porque, de fato, o que domina é o emocional,
forjado pelos líquidos complexos,
que representam do corpo inteiro os nexos,
nessa corbelha ativada do hormonal;
e quando alguém se julga racional,
tão somente do consciente nos amplexos,
então comete erros tão perplexos,
presa dos laços inconscientes, afinal.
As suas suspeitas envia de viés,
não para o quanto deveria desconfiar,
mas para o espírito que tem subjacente,
submerso em preconceitos de suas fés,
sem de fato poder-nos orientar,
a sua mensagem cada vez mais infrequente.
TRIPULANTE I – 23 jul 2007
Nem sempre é fácil conservar a proa
dirigida ao destino que se quer.
Não é sempre que o timão gira a qualquer
pressão de leve no tempo que se escoa.
Mas, ao sabor dos ventos e às marés,
o barco se desloca e se desvia.
Não vai ao porto que se antes pretendia,
mas se emaranha por entre os aguapés.
Assim, por mais que eu queira capitão
ser de meu barco, por melhor piloto,
constantemente as correntes me controlam.
Tenho de ser prudente, em colisão
evitar envolver meu barco roto,
tão maltratado pelos ventos que me assolam.
TRIPULANTE II – 16 DEZ 15
E permaneço muito mais um tripulante,
ouvindo ordens a que atendo bem ligeiro:
as velas ferro e solto em meu poleiro,
ou subo à gávea, obedecendo ao comandante
ou talvez seja ainda mero passageiro,
que apenas voga, em balançar constante
ou quiçá cede ao enjoo obsedante,
liberto apenas no porto derradeiro,
pois tão logo comprei a minha passagem,
fiz-me sujeito da nave à sua “derrota” (*)
e vi minha própria vontade derrotar,
(*) Termo náutico para “Rumo” usado em trocadilho.
pouco importando ter medo ou ter coragem
quem a obediência ao comandante adota,
mesmo podendo nos recifes se quebrar!
TRIPULANTE III
O mesmo ocorre quando um barco se toma
após comprar passagem a algum amor;
feito o embarque, não importa qual ardor,
não é possível se quebrar essa redoma,
berço de amor que inteiramente doma
nossa intenção de alcançar um redentor
porto agradável, que nos livre do pendor
desse amor antes que o peito inteiro coma.
Nossa única alternativa é não subir
por essa prancha de fatal destino,
mas quem pode resistir a tal miragem?
Quando esse barco do amor vem conduzir
seu tripulante consumido em desatino
para um oásis em desértica paisagem...
TRIPULANTE IV
Somente quem se furta a essa tensão
é que consegue do barco ser piloto;
traz um furo na cabeça, como o boto,
envolvido tão somente em sedução;
assim qualquer que seu peito tenha roto
pelo canto esmagador de uma paixão
não mais domina sua própria direção,
já preenchidos os cinco números da loto.
E na verdade, quer ser mesmo tripulante,
quando possui a seu lado, na cabine,
o objeto da paixão que o dominou;
e se pudesse fugir, um só instante,
numa breve hesitação a que se incline,
não deixaria esse par que tanto amou!
ACEITAÇÃO I – 17 DEZ 15
QUE SEJA A FRASE APENAS DOCUMENTO
REDIGIDO POR MIM EM PETIÇÃO
DIRIGIDA PARA A LUZ, PROCURAÇÃO
A CONSELHEIRO SOB JURAMENTO;
QUE SEJA O TEXTO O MEU CONSENTIMENTO:
QUE PEÇAM VISTAS A MEU CORAÇÃO,
NESSE INVENTÁRIO DA DESILUSÃO
A QUE CONCEDO MEU ASSENTIMENTO.
FICO ESPERANDO PELA EXARAÇÃO
DE UM PRAZER SEM MÁGOAS DESPACHADO:
QUE ALGUÉM MAIOR APONHA A ASSINATURA
E ASSIM COMPROVE SUA HOMOLOGAÇÃO
E QUE O PROCESSO ENFIM SEJA ENCERRADO
E SE PROLATE UMA SENTENÇA PURA.
ACEITAÇÃO II
DIZEM PROFETAS RECEBER REVELAÇÃO
SOBRE A INEFÁVEL E DIVINA NATUREZA;
EU NUNCA TIVE DESSAS, COM CERTEZA,
QUE JÁ ME SATISFAZ A INSPIRAÇÃO.
NÃO HÁ NADA FULGURANTE DE EMOÇÃO
QUE ME COLOQUE ACIMA DA VILEZA
OU QUE O FOGO DIVINO, EM MINHA DEFESA
SEMPRE PROTEJA DE CADA TENTAÇÃO.
SÃO BEM MENORES ESSAS ILUSÕES
QUE ME ACOMETEM, EM MIL E UM LAMPEJOS,
QUANDO A PENA ME ESCORRE EM LIDA INSANA,
PORÉM PROCESSO TAIS LAMENTAÇÕES
QUE ME CHEGAM DE SÚBITO E SEM PEJOS,
MAS ME REVELAM A NATUREZA HUMANA.
ACEITAÇÃO Iii
É INDUBITÁVEL QUE VIVO EM SOCIEDADE
E QUE ME INSPIRO NA DESESPERANÇA;
CADA BRADO DO SOCIAL ASSIM ME ALCANÇA,
SEM QUE TAIS GRITOS ME COMOVAM DE VERDADE.
SE FOR FALAR COM TOTAL SINCERIDADE,
ATÉ O PONTO QUE ESTE SONETO ALCANÇA,
O QUE DESEJO É REVELAR EM MINHA PUJANÇA
A GAMA INTEIRA DE MINHA HUMANIDADE.
MAS NUNCA SEI SE DE FATO É MEU DESEJO
OU SE É O DESEJO DE OUTREM QUE ME ATIÇA:
OS VERSOS FLUEM EM INSPIRAÇÃO SILENTE
E AQUI REVELO, SEM SOMBRA DE PEJO,
QUE NÃO SOU MAIS QUE O VARREDOR DA LIÇA,
LANÇANDO AREIA SOBRE SANGUE DE OUTRA GENTE.
OLHOS DE METAL 1 – 18 DEZ 2015
Se cada encontro resultasse num sorriso.
cada lembrança produzindo uma intenção,
classificar de que maneira ao chão (*)
e simples sentimento em cada siso?
(*) Plano, tranquilo, liso.
Mas quando a encontro, nem sei aonde piso:
cada memória a refletir malversação,
meus sentimentos a coriscar desconexão
entre asperezas calafetadas pelo liso.
Talvez o que hoje escrevo nem sentido
pareça ter, sequer enquanto o escrevo,
porém são raros os sorrisos verdadeiros;
tanta memória que tenho coligido
não traz ao menos a intenção que aqui descrevo,
em mil sorrisos e delírios passageiros.
OLHOS DE METAL 2
Não é que queira que o tempo volte atrás,
que me tornasse mais jovem de repente,
que retornasse ao tempo intermitente
em que de mais energia era capaz;
só gostaria, se milagre assim se faz,
sem retornar, que meu corpo decadente
voltasse a não sentir o que ora sente,
quarto de século deixando para trás.
Que recordasse o quanto agora sei,
mas recobrasse desse tempo a energia,
sem que me vissem assim, secretamente,
podendo refazer quanto tentei,
mesmo deixando à parte o que podia,
em vigor novo recobrado inteiramente.
OLHOS DE METAL 3
Contemplaria, com meus olhos de metal
o que o olhar de carne abandonou,
mas com certeza aos poucos regravou:
sabedoria após o feito, virginal,
que cada erro do longo processual
pudesse corrigir tal qual notou
a minha razão no período que passou,
para evitar qualquer remorso natural.
Contudo, por metálicos que sejam
esses olhares que inscrevo agora em mim,
como saber quais seriam os caminhos?
Quais resultados que a aguardar me estejam,
após as correções feitas assim,
apressurados em efeitos mais mesquinhos?
OLHOS DE METAL 4
Pois se eu lembrasse de quanto cometi
e se pudesse corrigir tais desmazelos,
como tais erros poderia agora tê-los,
se de fato a tais ações já consumi?
A cada ato que apagasse ali,
surgiriam consequências e desvelos;
erros seguintes, que mal posso vê-los
ou em qual estranha senda me perdi.
Sem ter mais olhos de carne ou de metal,
no claudicar do itinerário cego,
nessa alegria de provar outros renovos,
até que chegue em um presente igual
e suplicasse, em singular apego,
como poder corrigir meus erros novos!...