Duvida o quanto possa desse amor
Que move o meu desejo e o verso inflama
Se amarga o ‘não’ da mais severa dama –
Algoz que em tudo fere, no em redor.
Desdenha do que sinto o vil cochicho
E o senso dito bom, se é o que convém
A quem não possa amar – pudera! – alguém,
Supondo amor contrato, e o mais, capricho.
E o sol que logo parte, sem atraso
Sugere ao meu amor a cor exata
Da coisa em si já plena e em tudo grata
À força mesma em que cumpriu seu prazo.
E amar, por si, traduz tão só procura –
Nem mal nem bem conhece o que não dura.
 
 
Pudesse mais meu verbo após seu passo,
E após manhã que um riso assim me oferta
Meu dom mais justo fosse ao que o desperta,
O amor, em verso, não seria escasso.
E amar, de resto, o meu recurso esgota
Em canto, e o quanto tento erguer por artes
Talvez nem possa ser contido em partes
Tão vis, de vasto oceano a sóbria gota.
Entende, peço, o gesto dessa sede
Que é sem medida e folga em si se agrada
Em ser, tão sem porque que à coisa amada
Confina em verso, angústia que se mede.
Sincero é o quanto possa, assim, se agrade
O amor que em si decanta o que é verdade.


Apraz achá-la assim, de encantos plena
Em dias verdes, toda vinho e rosas
Sem queixas, sem cuidados se há raposas
À espreita e o Amor é par que já lhe acena.
Se ao que por ela passa o espanto o assalta,
Alheia logo vai, jamais surpresa,
Cumprir em si seus votos por beleza
E força que à manhã não tem por falta.
Deixar que fale a voz do que é querer
Em mim?Buscá-la?O amor tem seus ardis
Mais óbvios nesses lapsos dos quais diz
Melhor e mais, quem somos, um mister.
Que vir a termo é fim, amar é o meio
Que ao erro belo a leva sem receio.


Levar a sério o gosto dessa gente
Que tendo horror ao belo exalta o abjeto
É crime horrendo até no meu soneto
Que admite certa nódoa, não contente.
Desdenho dessa oferta vil do instinto
Que ao talhe externo o indigno asperge a tinta
De torpe origem, seu labor de quinta
Acena ao vício a cada olhar sucinto.
Se ao verme fosse fácil o acesso aos céus
O senso dessa turba um bem seria
E a treva luz, então, e a noite dia
E os justos,todos, nesse tempo, réus.
Beleza após verdade a quem quer vê-la
No altar propício e o mais que em si revela.


 
Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 21/12/2015
Reeditado em 27/12/2015
Código do texto: T5487084
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