SONETO DA FLOR DO CÉU DE DOM CASMURRO
                                                             A Machado de Assis:
"Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura."
Que guia nossa vida, nossa busca,
num túnel longo cuja luz ofusca
o prêmio por viver em tal candura.

Pois o que existe é fato: não corusca.
Brilho não há, repousa a face dura,
que há muito nos deixou de ser a cura
por esta vida tanta escolha brusca.

Pois viver, caminhada na mortalha,
é cada dia com maior altura.
À procura do amor que, então, nos valha.

No final, a alma não pode ser palha.
Perder mas ter uma alma que perdura.
"Ganha-se a vida, perde-se a batalha!"


(*) DOM CASMURRO - CAPÍTULO LV / UM SONETO
"[...] Contarei a história de um soneto que nunca fiz: era no tempo do seminário, e o primeiro verso é o que ides ler: Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!
[...] Assim foi que me deter minei a compor o último verso do soneto, e, depois de muito suar, saiu este: Perde-se a vida, ganha-se a batalha!
[...] A sensação que tive é que ia sair um soneto perfeito. Começar bem e acabar bem não era pouco. Para me dar um banho de inspiração, evoquei alguns sonetos célebres, e notei que os mais deles eram facílimos; os versos saíam uns dos outros, com a idéia em si, tão naturalmente, que se não acabava de crer se ela é que os fizera, se eles é que a suscitavam. Então tornava ao meu soneto, e novamente repetia o primeiro verso e esperava o segundo; o segundo não vinha, nem terceiro, nem quarto; não vinha nenhum. Tive alguns ímpetos de raiva, e mais de uma vez pensei em sair da cama e ir ver tinta e papel; pode ser que, escrevendo, os versos acudissem, mas... Cansado de esperar, lembrou-me alterar o sentido do último verso, com a simples transposição de duas palavras, assim: Ganha-se a vida, perde-se a batalha! [...]".