CARRUAGENS DE CRISTAL & MAIS

CARRUAGENS DE CRISTAL & PLUS

WILLIAM LAGOS, 27 AGO/5 SET 15

CARRUAGENS DE CRISTAL I – 27 AGO 15

Espero apenas que esse amor antigo

que tanto me inspirou e me atingiu,

que tantas vezes junto a mim dormiu

não se converta tão só em meu castigo.

Que outra vez se torne em meu abrigo

esse amor que a viver me conduziu,

que alma e sexo atendeu e que nutriu,

mas que nem sempre mostrou-se meu amigo;

que retorne com a força da impressão

que me causou um dia ao coração

e que me ampare quando eu precisar,

que não seja a bengala a se quebrar

nesse instante de minha solidão,

mas se mantenha risonho a me aguardar.

CARRUAGENS DE CRISTAL II

Tem pés pequenos, mas não de Cinderella,

que antigamente era a Gata Borralheira...

Embora seja gentil e companheira

e sua figura permaneça bela,

não tem sapatos de cristal igual que estrela,

sempre de couro ou de algodão em sua ladeira,

tampouco um príncipe encontrou em sua esteira,

mas deixam brilho no assoalho os passos dela.

É sua carruagem de arco-íris e cometas,

entremeada de ametista e turmalina,

quando percorre do céu constelações,

conservando suas veredas bem secretas,

até que a veja retornar, luz pequenina,

nessa carruagem rosicler de minhas paixões.

CARRUAGENS DE CRISTAL III

E ainda espero que após tantos caminhos

da galáxia no distante terciopelo,

queira trazer-me de volta seu desvelo,

no apeluciado modesto dos carinhos.

Somente espero que tiaras de azevinhos

traga entremeadas nos cachos dos cabelos

e finalmente atendendo a meus apelos,

dê-me seus frutos vermelhos pequeninhos

e que me aceite ao menos como o auriga

de sua carruagem rebrilhante em furtacor

e que levá-la aonde quiser consiga,

sem mais querer-lhe meu desejo impor,

mas que restaure plenamente a liga,

no corrupio caleidoscópico do amor!...

QUINETOSCÓPIO I – 28 AGO 15

eu nunca disse que o poema fosse meu;

pertence a quem inspiração me deu:

pertence àquelas,

centenas delas,

mil damas belas,

belas donzelas

que num relance amei sem que o soubessem.

eu nunca disse que o poema fosse meu,

mas afirmei cem vezes que era teu,

que tua visão

lhe dê razão,

interpretação

sem convulsão,

por tudo aquilo que ao ler acreditares.

pois uma página jamais é de quem a fez,

como o alimento pertence a quem o come.

serve-te então

de tua porção

na firme ação

da própria mão,

que o levará à tua boca para assim

o devorares sem pensar duas vezes.

QUINETOSCÓPIO II

contudo existe certamente relação

entre o que escreve e aquela que interpreta:

liga secreta,

quimera afeta,

amor excreta,

vida concreta,

sem que jamais se houvessem encontrado.

pois no momento em que lês o que escrevi

e lhe atribuis tua própria vida e alma

talvez na calma,

frescor de palma,

canto vem dalma,

verso que embalma,

sobre minha testa derramando pura unção.

e nesse instante vago me coroas

com teu suspiro e sensação gentil

e os sonhos vis,

mas varonis,

que tanto quis,

porém não fiz,

mesmo aqueles de maior impudicícia

purificados são por tua carícia.

QUINETOSCÓPIO III

inicialmente se fingia o movimento

nos artifícios do quinetoscópio,

falho poema,

veio o cinema,

na nova arena

diversa a pena

que o reduziu a peça de museu.

do mesmo modo, os versos que te escrevo

são apenas arcabouço passageiro:

colocas cor,

pões luz e dor,

o som de ardor

do teu frescor

quando imaginas o que de fato são.

e mesmo que jamais te encontre, ó bela,

por estes versos te amei e sou amado,

vasta incerteza,

nessa surpresa,

surge a nobreza

que não despreza

as derradeiras palavras de ilusão

cujas raízes tens no coração.

OLHO DA TEMPESTADE I – 29 AGO 15

A vida humana é um vasto turbilhão

Ao qual jamais podemos nos furtar;

O tempo escorre contra o agasalhar,

Bate depressa, mais que o coração!

Pois flui o tempo vazio, sem emoção,

Indiferente ao humano desejar;

Nenhum minuto podemos conservar,

Por mais desesperada esteja a mão!

Alheio a toda a humana decisão,

Apenas corre em sua veloz paciência:

Passa somente, sem segunda instância;

Mas com a idade traz feroz constatação:

Jovens e moças de tua adolescência

Se transformaram nos velhos de tua infância!

OLHO DA TEMPESTADE II

Frequentemente já foi observado

Que existe calma após vasto furor;

O ciclone em gume duplo e constritor

Certo descanso te concede, debochado,

Pois quando pensas seu ódio ter passado,

Com zombeteiro sorriso de estridor

Retorno o vento a causar-te mais palor

E desta vez serás por ele devastado!

Assim o tempo traz no centro calmo olho:

Durante anos, pouco ou mal notas a idade;

Ele te cobre cada vista com antolho,

Para depois te assolar com impiedade

E te lançar da senectude ao escolho,

Quando esperavas alcançar longevidade...

OLHO DA TEMPESTADE III

Carpe diem! Já diziam os Romanos:

Aproveita esse dia que te deram

Os deuses, sem que amor de fato queiram

Demonstrar a quaisquer seres humanos.

E não te deixes levar por teus afanos:

Somente enfrenta os males que se abeiram,

Sem pensamento naqueles que se geram

Nesse futuro coberto em véu de enganos.

Pois como sabes qual a cor de teu porvir?

Ou qual o tom de cada dia avante

Ou quantos sejam a surgir-te no horizonte?

Aprende então a cada dia sorrir

E a enfrentar cada problema com descante

Pois só teu coração do bem é a fonte!

LUZ SECRETA I – 30 AGO 15

VI UMA RÉSTIA DE LUZ SOLTA NO CHÃO

E A FUI PEGAR, ACHANDO PRECISASSE

OU TALVEZ SEU AMARELO ME ENCANTASSE,

EM AMOR ETERNO APENAS DE OCASIÃO.

ERGUI A RÉSTIA DE LUZ EM CONTRIÇÃO,

TEMENDO QUE MEU DEDO REQUEIMASSE,

MAS VI SER MORNA E ENVOLVENTE ME ABRAÇASSE

E SE ENROSCASSE A MEU REDOR COM DEVOÇÃO.

NA VERDADE, EU PRETENDIA COLOCÁ-LA

EU UMA PRATELEIRA; OU SE A DOBRASSE,

GUARDÁ-LA COM CUIDADO NA GAVETA;

MAS INSINUOU-SE EM MIM E FUI AMÁ-LA,

TAL QUAL SE TAL CALOR COMPARTILHASSE,

NA CADÊNCIA SUTIL DA LUZ SECRETA.

LUZ SECRETA II

CONFIDENCIOU-ME NÁO SER A LUZ DO SOL

E NEM SEQUER DE LÂMPADA COMPRADA,

INCANDESCENTE, DE ALMOTOLIA GERADA (*)

OU FLUORESCENTE RETORCIDA QUAL ANZOL.

(*) LÂMPADA DE AZEITE.

NÃO ERA LUZ DE FOGO E NEM FAROL

QUE POR MEUS DEDOS, EM FAIXA COMPILADA,

SE FEZ COLHER, EM TAL MANHÃ GELADA,

PORÉM DIVERSA A MEIGA LUZ DE ESCOL.

POIS REALMENTE DE UM CORAÇÃO BROTARA

E FORA ALI DEIXADA EM RAMALHETE,

NA ESPERANÇA DE ENCONTRAR ALGUM POETA

QUE GENTIL FOSSE O BASTANTE E A RECLAMARA

PASSANDO OS DEDOS NESSA FAIXA QUE PROJETE

DA DELGADA SOLIDÃO A ÂNSIA SECRETA.

LUZ SECRETA Iii

A CONVIDAR, COM SEU PÁLIDO FULGOR,

QUANTOS PASSARAM ALI, A PISOTEÁ-LA,

ALGUNS CHUTANDO DA CALÇADA PARA A VALA

ENQUANTO OUTROS A SACUDIAM COM RANCOR.

BEM QUE TENTARA FULGIR COM MAIS ARDOR,

MAS POR REFLEXO DE CARRO OU DE UMA SALA

AS PESSOAS A TOMARAM, A AFASTÁ-LA,

TAL QUAL SE POEIRA FOSSE OU ATÉ BOLOR.

E REUNINDO TODA A FORÇA, ELA CANTOU,

COM UMA VOZ QUE SÓ EU PUDE ESCUTAR

E TRANSMITIU-ME A LUZ DE SUA SAUDADE

E FUGINDO-ME DOS DEDOS, PENETROU

PELOS MEUS OLHOS, EM SIMPLES CINTILAR,

SÓ EM MINHALMA A ACHAR FELICIDADE.

VERSOS SEM DONO I – 31 AGO 15

Vou colocar meus ossos em um saco

e minha caveira usar como chapéu;

algumas vértebras no bolso do casaco

e mais artelhos, para lançar ao léu.

Em dias passados, senti-me muito fraco,

meu coração perfurado por arpéu,

ao invés de bater, um triste caco,

ele apanhava sempre, como um réu!...

São pesados os meus ossos nessa senda,

o coração trago às costas, qual mochila;

num arame uso os olhos como venda;

o sangue e a linfa como vestimenta,

tingida a carne, sem sequer senti-la,

enquanto a vida sigo em marcha lenta...

VERSOS SEM DONO II

O que fazer, virado hoje pelo avesso,

após artelhos lançar pelas calçadas,

minhas falanges percorrendo breves nadas,

pois quanto mais descarto, mais eu cresço.

Assim me espalho como um gás e nada peço,

senão vagar ao redor de encruzilhadas,

sem encontrar as multidões fanadas,

branca minha carne, transformada em gesso.

Não acreditas neste estranho sortilégio?

Mas como posso meus ossos descartar

ou linfa usar para minhas vestes colorir?

Pois contra o corpo faço leve sacrilégio,

esse templo divino a profanar

na vasta pena de meu triste perquirir.

VERSOS SEM DONO III

Mas eu te digo que até já me assististe,

caso meus versos já leste alguma vez:

não são espessos qual amargo pez,

mas destilados em fino canto triste.

Neles meus ossos usei qual lança em riste

e o galhardete incolor que neles vês

é o que sobrou de meu sangue, quando lês

esses poemas nos quais alma persiste.

Já não se expressa qual ama e senhora,

mas feito vértebras espalhadas como cacos;

tenho minhas rótulas consumidas de poesia,

pois dono não têm mais. Mandei embora

mais de mil partes de mim, rasgões e nacos

por alimento para alguém que então recolhia...

VERSOS SEM DONO IV

A grande parte do espírito esvaziei;

já não guardo para mim sequer tristezas;

já revelei meus segredos e proezas

e os pensamento mais secretos dei;

por todo o mundo o sêmen meu lancei,

na busca vã de ventres de belezas;

foi pelas nuvens tragado em fortalezas

e como chuva para o solo retornei.

Mas que fazer com tais ossos moídos,

já despidos de carne e de medula,

nessa partilha das forças derradeiras?

Pois lanço agora o final dos estampidos,

igual receitas de uma bula nula,

a enfrentar as gargalhadas sobranceiras!

BISTURI I – 30 ABR 07

é só me predispor, que à tona sobeM.

nessa cascata, que jorra aos borbotõeS,

contrária à gravidade dos sertõeS,

que conformam minha lida e que recobreM

com plenitude a Terra e assim descobreM

os lençóis enxovalhados de ilusõeS

e apresentam os esgarços e os rasgõeS

que se formam na mente e mal se podeM

estender, sem que maus ventos esfarrapeM

essas mortalhas de vida engazopadA

na malícia dos versos, nessa fontE,

que nem sequer pretende ser a pontE

entre minha vida e a tua destiladA,

mas que deixo que das veias se me escapeM.

BISTURI II – 1º SET 15

diariamente, eu provoco a hemorragiA

exsanguinante das linhas a brotaR

meu sangue não tem cor nesse jorraR

apenas flui, em cascata serodiA (*)

(*) Atrasada, fora de tempo.

escorre pela esfera, a marchetaR

quinze sentenças que a caneta criA

algum cartão empoeirado acumpliciA

livre de culpa, qualquer coisa a aceitaR

às vezes, digo que a mim mesmo esgoteI

e meço os dedos, pensando estar menoreS

mas que medidos têm o mesmo comprimentO

somente as unhas que curtas apareI

não dilaceram estes sonhos sedutoreS

na vida escassa que tem qualquer momentO.

BISTURI III

porque esses versos brotam fragilmentE,

são alvo fácil para o corte do esporãO

mas se defendem, assim que fora estãO:

contra as cutículas se defletem ferozmentE

e como quem a manicures vai frequentE

meus dedos limpos de qualquer sujeira sãO

não estão “de luto”, nem quando esfrego o chãO

buscando amores perdidos pela gentE.

quando os encontro, pego um escalpelO

e então recorto tais amores da calçadA

e os vou guardando dentro da mochilA

na qual coalescem todos, sonho belO,

alimentando minha poesia desvairadA

enquanto escorrem no papel em longa filA.

BISTURI IV

então eu deixo num aquário os alevinS

misturados às larvas e aos girinoS,

observando indiferente os desatinoS,

mesclados todos aos que lhes são afinS.

antigamente, na China, os mandarinS

faziam concursos e confiavam seus destinoS

a poemas caprichosos nos seus tinoS

tendo sucesso alguns, outros maus finS.

contudo eu sorvo essa fantástica misturA

que retirei do mundo, em corte aladO

e a recomponho em minha própria investidurA,

novas palavras num luzir mais afiadO

de volta ao mundo, desafiando sua posturA

quando as despeço num beijo atribuladO.

DANOS I – 02 SET 2015

Quando livros de poesia eu adquiro

de sebos ou em briques desterrados,

dedicatórias epitáfios desolados,

de seu destino para o final giro,

de certo modo meu coração eu firo,

ao reler esses sonhos apagados,

seu pudor e expectativa destroçados,

inspiração em seu final suspiro...

Algumas vezes, custaram, certamente

de um pretendente toda a economia,

na esperança de um futuro que luzia,

porém que se apagou inteiramente

ou, quem sabe, financiados por quem cria:

um amante, um amigo, algum parente...

DANOS II

É bem verdade que, em sua maioria,

não valeram a despesa da impressão,

porém são de suas veias coração:

quem escreveu, qualquer sucesso esperaria...

E no entretanto, o lançamento atrairia

tão só de amigos e parentes a atenção;

pouca gente da descrente geração

se interessa hodiernamente por poesia...

Na verdade, até o ponto que percebo,

só se interessa, realmente, quem escreve

e aceita os de outrem com certa nostalgia...

E algum desdém nos elogios bebo

e quem os censurar hoje se atreve,

nesse ressaibo de sua própria desvalia?

DANOS III

E vou juntando, na minha biblioteca

esses retalhos de orgulho e de emoção,

pois pena sinto de cada coração

ferido assim, qual descartada beca;

tímida glória de um dia que resseca,

a formatura não mais que introdução

para um mercado de feroz competição,

e assim palavras a girar de seca em meca.

Submetidos, enfim, à reciclagem,

quando não sofre destino ainda pior

a vasta pilha de cópias bolorentas

ou no aterro sanitário em traquinagem,

no triste mundo da espera, sem ter cor,

nesse vão crepuscular que nem atentas!

DANOS IV

Por que, então, publicar eu deveria,

melhor que fosse a qualidade de meus versos?

Em bibliotecas um punhado a ser dispersos,

capas cerradas que ninguém mais abriria...

Antigamente, valor davam à poesia,

com todo o zelo por ideais conversos;

mas os parâmetros de hoje são inversos,

nos videoguêimes repetidos de agonia...

Só imagino se Bilac ou se Corrêa

encontrariam hoje em dia um editor

que os publicasse sem nada lhes cobrar!

Pois mesmo de concurso a vasta veia

ideais políticos impõe para premiar

sem à arte pela arte dar valor!...

PREDADORES I – 30 abr 2007

Quando disseres: "paz e segurança",

cuida o perigo que aparece então.

Nunca dês paz ao manso coração,

que desfrutar possa então, em sua pujança,

o inesperado, que assalta sem tardança,

quando menos se aguarda uma invasão.

É adverso esse mundo, sem razão,

e indiferente a teu mal ou tua bonança.

Prepara-te, portanto, e sai de lado:

transforma em bem os golpes do mortal

destino... Sempre pronto a machucar.

Eu não me iludo em dia sossegado:

são apenas morcegos de cristal,

que me contemplam, antes de atacar!...

PREDADORES II – 03 SET 15

Eu os enxergo, perigos transparentes,

dentes agudos de afiado vampirismo

e nem me iludo sequer por narcisismo:

vaidade e orgulho espelhos translucentes...

Como afirmou Danton, são permanentes

tão só aqueles que vivem em quietismo

e nunca buscam destacar seu preciosismo,

ignorados pela inveja de outras gentes.

Existem, sim, estranhos predadores:

um que te rouba teus dias, a pretexto

de amizade ou de honrarias te legar;

outros que são claramente malfeitores,

canibais de teu sonho e cada gesto:

gulosa a ânsia de tua vida mastigar!

PREDADORES III

Quem se julga ao abrigo da cobiça

pode ser alvo, contudo, de acidente

e não se pense que seja indiferente

o malefício que contra ti se eriça!

Os acidentes são causados por cediça, (*)

maligna influência, realmente;

sempre a doença um predador potente,

que teus pulmões reveste de caliça!

(*) Estagnada, corrompida.

E se não crês em outros malefícios,

lembra que és pasto de vírus incontáveis

ou bactérias que te assaltam como gado!

Fungos tua pele a tornar terras aráveis,

ampla coorte de externos precipícios,

que hoje te cercam e por quem és devorado!

PREDADORES IV

Assim, encara o mundo com firmeza,

pois não sabes de que lado chegará

o golpe inesperado e causará

mil danos fortes contra a tua defesa!

A vida é assim: teu corpo é fortaleza;

só teu sistema imunológico dirá

se o assediante não te derrotará,

vindo do ar ou do que tens à mesa!

Mas os piores inimigos não se veem:

conselhos dados por falsos amigos,

os comerciais de teu televisor

e outros seres invisíveis, que contém

o vasto mundo; e para tais perigos,

mantém tua mente alerta e com valor!

A DAMA DOS ELÉTRONS – 30 abr 2007

[para Marilene Zimmer]

Conheço e não conheço. Sei que é bela,

pelo que me escreveu. Não vi seu rosto.

Já lhe fiz um soneto, mal sei onde foi posto.

Bem sei quanto é formosa, porque dela

Palavras de coragem escutei: que a vela

da luta pela vida ergue a seu gosto.

Por mais tenha sofrido, em seu desgosto,

sua face assoma, à luz desta janela

que tenho no escritório. Nesta tela,

eu leio seu ardor e vejo a simpatia:

mulher desconhecida que já conheço tanto.

Por tudo que escreveu, que me revela,

seus dotes multifários e seu pranto

por um filho que não teve e que queria...

LIBERTAÇÃO I [Colossenses 2: 6-15)

[para Iblecy Skilhan Martins]

Se recebestes já Cristo Jesus,

andai Nele, confirmados nessa fé.

crescendo em ações de graças, sempre em pé,

na certeza da vitória de sua cruz.

Não vos deixeis enrolar em sutilezas

de tradições e vãs filosofias.

As teias, rompeu todas o Messias,

que trocou as leis humanas por certezas.

Deste modo, o documento desta dívida:

espólio do pecado original,

que dizem ao nascer teres herdado,

foi rasgado na cruz da morte vívida;

e às potestades do mundo pôs final,

no próprio instante em que foi Crucificado.

LIBERTAÇÃO II [Colossenses 2: 6-15)

[para Iblecy Skilhan Martins]

A quem vos diz que herdastes transgressões,

lembrai que, no batismo, sepultados

fostes com Cristo; e então, ressuscitados,

despidas para sempre as criações

da mente humana, em suas ilusões,

de ordenanças tão só prejudiciais,

de mandamentos tão só tradicionais,

da exigência de tais circuncisões.

Na morte viva, demonstrou desprezo

por todo o labirinto construído

nas leis humanas de tantos principados.

E um mundo novo foi, desde então, aceso.

E o mundo velho inteiro redimido,

nesta cruz: em que pregou os teus pecados.

O JOVEM RICO [Mateus 19: 24-30]

[para Iblecy Skilhan Martins]

Um jovem de Jesus aproximou-se um dia

e lhe indagou sincero: "Oh Mestre, que farei,

para herdar dos céus o reino?" E respondeu-lhe o Rei:

"Sempre os preceitos que a lei de ti exigia

Cumpriste?" E o jovem respondeu, sem fantasia:

"Sigo os Dez Mandamentos, os que Moisés à grei

transmitiu; e mais ainda, os ditames dessa lei

que nos dão os fariseus. Cumpro, à porfia."

Respondeu-lhe o Senhor: "Se queres ser perfeito,

vende tudo o que é teu e aos pobres distribui.

E, depois, segue-me, que um tesouro tens

recolhido nos céus, ao qual terás direito..."

E o outro entristeceu-se. E a intenção lhe flui,

que o jovem era rico... E herdara muitos bens.

EMBARALHAR I – 1º mai 07

Quando em desejo os teus olhos eram guizos,

me refluía a luz do seu piscar:

caleidoscópio indolente o teu olhar,

em seus lampejos tão claros quanto esquivos...

Quando vi nos teus olhos os granizos,

que já sabia iriam estraçalhar

as vidraças de meu rosto e recortar

meus sonhos, com seus golpes decisivos,

já sabia que tais guizos, em pandeiros

estavam presos... Não mais que percussão,

que nem sequer se prenderia ao meu trenó...

E descobri que teus guizos mais brejeiros

lançaste a um outro, sem hesitação,

seguindo em frente... E me deixando só.

EMBARALHAR II – 04 SET 15

Quando em desejos teus lábios eram sinos,

meus pensamentos senti embaralhar,

a saliva nas comissuras a brilhar:

fiel auriga para os meus destinos... (*)

(*) Condutor, guia.

Quando ouvi os teus sussurros sibilinos,

leves convites somente a me insinuar,

nesse dédalo busquei sobrenadar:

vasta eclosão de sonhos pequeninos...

Mas desconfiava que tais sinos só dobrassem

dos meus amores para o funeral;

não obstante, ansiei que desejassem

mais que confete e ouropéis de carnaval

e que meus próprios lábios osculassem,

em franco ardor alheio ao bem e ao mal.

EMBARALHAR III

Quando em desejo teus cabelos oscilavam,

ventos eólicos de ardente palpitar,

doces serpentes sem ter o frio olhar

dessa Medusa antiga que narravam...

Não esperava sentir que me picavam

senão no coração e em meu sonhar;

eram cabelos de vivo navegar

que sobre juntas de meus dedos se espalhavam.

Não foste para mim Medusa ou Esteno,

porem Euríale, a górgona traiçoeira, (*)

sem cobras nos cabelos, mas veneno

(*) Das três górgonas, Euríale mantinha beleza extrema.

nessa pureza da face mais fagueira,

sem suspeita de traição ou fé brejeira

e nesse engano somente a mim condeno.

EMBARALHAR IV

Quando em desejo teus seios palpitavam,

rentes, trançados no meu coração,

suas lianas penetrando em meu pulmão,

firmes gavinhas que meu peito dominavam...

Quando teus seios só em mim tocavam,

esquecidos de qualquer velha emoção,

promessa apenas, sem me dar visão,

que os tecidos que os cobriam disfarçavam...

Tornei-me escravo em tal labirintino

embaralhar de todos os meus sentidos,

sempre em tuas mãos as cartas a vibrar.

Amei os guizos, amei o som do sino

e os ofídicos venenos pressentidos,

sem que pudesse jamais nada olvidar...

O L O R I – 1990

Eis-me aqui, pois ainda de teus beijos,

recendendo a saliva, em doce afeto,

envolto em teu perfume, tão completo,

quanto é total a entrega em teus desejos...

Eis-me aqui, pois ainda de teus braços,

acarinhado por cabelos cintilantes,

esparsas gotas d’ouro e triunfantes,

a rebrilhar em mim seus meigos traços,

numa cascata etérea e fugidia,

que recobriu-me, em plena luz do dia,

em teu candor de lua e ardor de lume...

Fulgor real e ruivo de quimera,

que a carne exsuda e a carne minha altera,

permanecendo em mim, no teu perfume...

O L O R II – 05 SET 15

Eis-te ali, ao alcance de meus braços,

mas distante do fragor sentimental,

amortecido o velho instante divinal

em que mesclaste aos meus teus lindos traços.

Eis-te ali, sem fulgor nos olhos baços,

quando me olhas sem desejo consensual;

e quando busco tais memórias, afinal,

vejo de musgo cobertos os velhos laços.

Como era belo esse olor que me prendia

num coquetel de bolhas e sabores:

que gigantesca a saudade que hoje sinto!

Cada carícia já descrita em minha poesia,

em mil palavras a lembrar meus estertores,

que recordar mansamente ainda consinto...

O L O R III

Há quantos anos escrevi o primeiro

soneto desta lavra de tesouro!...

Nem sei se a data, para meu desdouro,

eu coloquei correta em meu abeiro

destas palavras de espanto derradeiro,

meu coração empedrado neste couro,

as emoções rebrotando num estouro,

irrompendo em clamor alvissareiro!

Há quantos anos parei de adormecer

entre teus braços, concluído o amor,

cada detalhe pretensamente esmaecido!

Mas no meu peito os posso ainda conhecer,

ao rever este poema percutido,

o meu olfato a recordar teu doce odor!

O L O R IV

Eis-nos então, dois fantasmas ambulantes

nesse passado que não quer morrer,

em mim, ao menos, sem querer ceder,

nessa vitória dos momentos rebrilhantes,

mais do que isso, perfeitos tais instantes,

quando em tua carne ia a minha se esquecer,

quando em tua alma via a minha desfazer

constelações de orgasmos cintilantes!...

Pois reconheço não mais ser o que te amou

e que não mais permaneces minha amada,

amor e sedução tão transitórios!...

Mas meu fantasma ao teu ainda abraçou,

sentindo o faro em qualquer noite estrelada

dos velhos sonhos de perfumes peremptórios!...