Teorema

Ao abrir seu artigo “Saneamento Básico, O Filme, ou como fazer um filme de bordas”, Rosana de Lima Soares, doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e docente no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da mesma escola, cita em epígrafe o poeta Manoel de Barros: “O que é bom para o lixo é bom para a poesia”.

A professora Rosana fala sobre o cinema de bordas, ‘gênero híbrido constituído por diversos outros gêneros cinematográficos’. O artigo integra o livro “Consumo midiático e culturas da convergência” dos organizadores João Anzanello Carrascoza e Rose de Melo Rocha, editado pela Miró Editorial em 2011.

Da página 136 extraí este trecho de singular densidade poética:

“Como uma paisagem na neblina, a exemplo do filme do cineasta grego Theo Angelopoulos (1988), inscreve-se um itinerário (uma cartografia) a partir de sinais, pegadas, traços – um trajeto entre fronteiras, uma profusão de trilhas, lembrando que nesse movimento o risco de se perder no caminho é sempre maior. O matemático Kurt Gödel já nos alertara desse perigo em seu teorema da incompletude (desenvolvido em “Sobre as proposições indecidíveis”, de 1931): quanto mais abrangente o campo conceitual, menores as certezas apresentadas pelos conceitos – se abrimos muito o campo, ganhamos em abrangência, mas perdemos em precisão; se fechamos o campo, ganhamos em precisão, mas delimitamos demais os objetos tratados pelo campo. Assim, a abrangência do campo e a precisão conceitual tornam-se inversamente proporcionais; cabe ao pesquisador estabelecer os limites e alcances, os riscos e passagens desse precário equilíbrio, sem perder-se na neblina”.

Espero que esta singela amostra do talento literário da professora Rosana seja suficientemente enfática como recomendação de leitura.

O soneto a seguir foi inspirado por seu artigo.

Teorema

A minha encruzilhada é um nevoeiro

onde traço um trajeto de fronteiras;

sigo signos, sentidos, sinaleiras

e vou batendo contra o mundo inteiro.

Tateio as trilhas de quem desconfia

desse contraste entre intenção e gesto;

descarto-me de mim se já não presto

e redesenho minha geografia.

Tal como num filme ou sonho surreal

sempre em reprise do homem errado

onde o protagonista não tem lado,

perdi minha precisão conceitual,

tornei-me de mim mesmo arquirrival

e agora sou teorema indecifrado.

Luca Barbabianca

(artigo publicado originalmente em www.algoadizer.com.br edição nº 92 de maio de 2015).

luca barbabianca
Enviado por luca barbabianca em 13/07/2015
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