TEOGONIA & MAIS
TEOGONIA & MAIS
William Lagos
TEOGONIA I – 02 jun 2015
Do ovo cósmico, para alguns, nasceu a Terra
(ou o Universo eclodiu, de fato, inteiro).
De forma semelhante, é bem certeiro
o Big Bang, que a ciência nos descerra...
Que um ovo descascasse, o qual encerra
completo Cosmos, até o cisco derradeiro,
ou que explosão ocorresse em tal primeiro
dia, um cataclísmico fulgor que nos aterra!...
Mas nada disto contraria a narrativa
que nos legou, há muitos séculos, Moisés:
longos períodos os seus “dias”, certamente;
nem tampouco a hinduísta recidiva:
respiração bramânica em suas fés,
eterna vida em recorrência permanente!...
TEOGONIA II
Os sete dias, portais da Criação.
correspondem, sem a maior dificuldade,
aos períodos que, em nossa atualidade,
ponto por ponto, recomenda a Evolução.
Não há entre as duas real contradição,
basta lembrar que a tradução da hebraicidade
a palavra “dia” empregou, na realidade,
para esses éons que nos descreve a narração.
Só em um ponto é que existe dissensão,
ou seja, que desde os páramos do outrora,
descanse Deus, em vasto manto de inação,
que o Universo ainda se acha em expansão,
até que chegue, talvez, a final hora
do Big Crush, em esplendorosa contração!...
TEOGONIA III
A Teogonia que nos é mais conhecida
vem-nos de Hesíodo, a mencionar seis gerações
que se sucedem, desde as vastas amplidões,
até a Terra que hoje vemos constituída.
Primeiro o Caos, ou Vazio; e a antiga Gaia diluída,
com Tártaro convivem, Senhor de Escuridões
junto de Eros, das mais primevas Atrações,
até gerarem, em qualquer forma inconcebida,
Nix, a Noite primordial; sua irmã, Hemera,
o Dia, de fato a Luz difusa, em vastidão
e Ponto, a Água Parada em solidão...
E destes surge Urano, o Céu, que gera,
com Gaia, tornada em ser bem material,
Doze Titãs, em vasta raça triunfal!...
TEOGONIA IV
Os principais Chronos, o Tempo e igual Oceano,
Themis, a Lei, Mnemósine, a Memória...
Chronos desposa a Noite e é pai da História
e destrói Tífon, grande monstro soberano;
Surge Afrodite de seu sangue, em dom arcano,
do Amor Sexual a mãe de antiga glória;
gera Tânatos com Nix, para nós a peremptória
Morte; Hipno, o Sono; e Oneiro, o Sonho humano.
Com Ponto, a Água, gera Fórquis, que origina
os monstros todos com que a mente nos assombra
e Nereu, Mar que às Nereidas se destina;
Cabe a Oceano gerar Ventos, em árdua sina,
também às Ninfas e Hélios Sol, que nos deslumbra
e ainda a Métis, Sabedoria e lei que nos fascina...
TEOGONIA V
E depois Zeus, de deuses pai e irmão,
destrona Chronos, que o pretendia devorar,
mas com os Titãs precisa ainda lutar
e com Tártaro, criando a Luz em Profusão...
São lendas belas, fonte de imaginação
e por que se as deveriam contestar?
Tantos modelos o Cristianismo a lhes tomar,
após fixada sua final dominação!...
Pois como o Gênesis nos faz filhos de Deus,
à sua imagem criados; e em sua semelhança,
também tais deuses nos fizeram filhos seus,
a Humanidade a proteger, desde criança...
Por que razão contestariam os ateus
as duas tendências de tão igual pujança?
TEOGONIA VI – 2 ABR 07
Pois, afinal, existe estoutra lenda antiga:
que o mundo inteiro é intensa diarreia
da tartaruga cósmica, na epopeia
que se gestava total em sua barriga...
Se o mundo assim foi criado em feia ideia,
na oriental defecação, quelônia intriga,
que nos resta pensar de tanta briga,
com que os humanos se massacram sobre Geia? (*)
(*) A Terra.
Pois somos vermes somente, nesse fluxo,
vermes que sonham, em sonhos impotentes,
e se têm por reais, em triste influxo,
vivendo um mero instante, em sua bravura,
vermes filhos de vermes, pobres gentes
que nesses charcos ainda sonham com ternura...
IMPERTÉRRITO I – 03 jun 2015
Sem auxílio de ninguém a mim eu fiz;
longos conselhos descartar eu precisei;
de qualquer lado, no final abandonei:
só me impediram de fazer o quanto quis.
Tampouco sigo a algum qualquer que diz
que os meus erros de outrem eu herdei;
a ninguém senão a mim eu culparei:
deixei que outros me puxassem do nariz.
E se mais não consegui, a culpa é minha,
mas não se diga que pouco eu me esforcei,
pois trabalhei sempre mais que a maioria;
e nem à sorte má que me avizinha
eu culpo, por não achar o que busquei:
custei demais a aprender o que devia!...
IMPERTÉRRITO II
De fato, foi mais difícil esquecer
as coisas que inseriram em minha mente,
as atitudes que me tornaram impotente,
o medo ao mundo, pelo mal a receber...
E como errei, por bem sincero ser!..
mal sei mentir até hoje, infelizmente;
perante os outros suportei, sendo paciente,
essas mil coisas que pensei ser meu dever.
Busquei nos livros uma nova orientação;
por certo fiz o que pouca gente faz:
a mim mudei por efeito da experiência,
que quase todos só conservam o ramerrão
de quem a vida pouco ou nada traz,
senão gravar mais fundo a sua tendência!
IMPERTÉRRITO III
E até hoje em aprendo, sem negar,
ao encontrar um pensamento novo
ou um jeito de fazer, com que renovo
meu próprio tino, para a mim aperfeiçoar.
E só consigo ao destino me entregar,
que me nomeou profeta para o povo,
nestes mil versos com que a vida louvo,
contraditórios no que buscam afirmar.
Mas permaneço como em torre de atalaia,
a receber e a transmitir mensagem,
nalgumas delas sem sequer a acreditar;
mas sem dar bola para aplauso ou vaia,
seguindo em frente, sem medo nem coragem,
com tudo aquilo que me cabe proclamar!
IMPERTÉRRITO IV – 2 abr 07
E assim coaxo como sapos na lagoa,
nesse chilrear estridente dos pardais.
Penso cantar e vejo que, não mais,
paixão sem nexo em nada me magoa.
Albergado em caliça, eu me destoo;
roído de ferrugem, me desfaço;
decepados meus membros, ainda abraço;
depenada minha asa, inda revoo.
Por tudo que me façam, eu insisto;
por mais percalços veja, ainda luto;
e a cada contratempo, mais resisto.
Talvez nem cante bem, porém eu tento:
e não desisto, persisto, no impoluto
marchar constante em meu avanço lento.
SUBESTRUTURA I – 2 abr 07
Podes achar teus problemas importantes.
Para ti, talvez sejam, mas não mais.
O centro do universo, esses fanais
que fulguram nos destinos inquietantes
não és tu quem ocupa, salvo o teu.
Cada um vê em si um microcosmo,
enquanto segue em frente o macrocosmo:
ama o que amou e teme o que temeu,
[do qual fazes parte, descontente,
talvez] – mas melhor buscar guarida
em teus próprios sentimentos que vacilam.
Em tudo o mais o mundo é indiferente...
Podes até ter perdido a própria vida
que, mesmo assim, os pássaros pipilam...
SUBESTRUTURA II
não é de minha índole ser Egoísta:
muito ao contrário, os meses longos Passam
e permaneço capaz de abrir a Vista
e empatizar com quantos nem me Abraçam.
mas que percebo de mim Precisarem.
e então, talvez por tolo, Ajudarei
no que está a meu alcance, se Falarem,
ou que mesmo, só de ver, Descobrirei.
eu não sou bom: minha própria Natureza
me induz e força; faz parte do Caráter
aos outros distribuir, sem mais, Assim,
para que tenham, com alguma Singeleza
um alívio em suas vidas: sempre fui Pater- (*)
nal; por isso faço o que ninguém já fez por Mim.
(*) Aqui empreguei a Grande Sinafia.
SUBESTRUTURA III (4 jun 2015)
muitas correntes há em Filosofia,
generosidade a impetrar por Necessária,
cada qual delas alegando razão Vária
para atitude que gentil a outrem Seria.
igualmente o Cristianismo nos Diria
que o Bem fazer não é coisa Secundária,
mas ao contrário, a atitude Solidária
da sociedade o benefício Granjearia.
e ainda encontramos, no Velho Testamento:
“dá a quem te pede e não te Negues
a quem deseja alguma coisa que lhe Emprestes.”
a esta norma sempre dei Assentimento,
limites embora havendo a quanto Entregues
e poucos mostrem gratidão pelo que Destes.
SUBESTRUTURA IV
pois sempre existem aqueles Tomadores
que aos demais, por gosto, Parasitam
e o que o labor, de toda forma, Evitam,
na dependência total dos Doadores.
mas no social não há muitos Grão Senhores;
na maioria, ao trabalho se Concitam,
pelo alimento e moradia que Habitam,
mesmo explorados por Enganadores.
como haveria de existir a Sociedade,
se composta inteiramente por Egoístas,
continuamente em feroz Competição?
e assim filósofos difundem a Bondade
em benefício próprio, que Altruístas
também aquecem seu próprio Coração.
SUBESTRUTURA V
Inda outros pregam tal Colaboração
em benefício de sua Comunidade,
a combater lado a lado, na Verdade,
para manter a natural Constituição.
outros se embasam em uma certa Religião:
“quem dá esmolas”, com Sinceridade
“empresta a Deus!” E quem age com Ruindade
talvez enfrente do inferno a punição!
também se fala no poder do Karma,
ou, quem sabe, no dever do Dharma,
cada um nascendo com certa Obrigação.
e quem se furta à Generosidade
ou a seu dever para com a Humanidade,
há de pagar na outra Encarnação!
SUBESTRUTURA VI
Contudo, eu digo que fazer Bem faz bem
e fazer mal nos retorna mais maldade;
existe crença oriental, na realidade,
que o que se faz, a si se faz também.
Que em outra encarnação ao corpo vem,
na mesma época, de quem se fez ruindade
ou se tratou com a máxima bondade,
nosso corpo a ocupar o mesmo alguém.
Assim, de cada golpe que batermos,
a dor em nossa carne sofreremos,
diretamente, espontânea e material,
sem precisarmos esperar por recompensa,
salvo o bem feito a nós mesmos, nessa crença,
como um recíproco dom espiritual?...
REGRAS DA VIDA XXVII – 2 abr 07
A cada ação ou decisão que tomes
provocas consequências imediatas
sobre os que te rodeiam: o que comes
ou vestes, teu trabalho, tuas sensatas
ou más resoluções, pois quanto fazes,
seja de bem ou mal, sempre retorna
e cai em teu regaço, em firmes bases,
a que teu próprio caráter se conforma.
Tu és o quanto fazes ou que falas:
as linhas de teu rosto são a marca
dos teus sorrisos ou o lanho das caretas.
E se queres dormir bem, lembra que calas
esses impulsos que tua vida abarca,
mas são da mente as intenções secretas...
CANTO INDECISO XVIII (A) – 3 abr 07
Eu vejo o filme por detrás dos olhos
e mal saio de mim. Há muito tempo
desisti de provocar o contratempo
e apenas fico a lustrar os meus antolhos,
para o mundo enfrentar a meu redor.
Ditoso ou triste, tudo é apenas cor
que o coração lhe empresta. Multicor,
essa gama de nuances sei de cór.
Já não existe muito que surpreenda:
só quero ver se é bem interpretado,
sem que me importem efeitos especiais.
A vida segue, enfim, a mesma senda
que ancestrais palmilharam no passado
e os barcos todos aportam a um só cais.
CANTO INDECISO XVIII (B) – 5 JUN 15
Pois me parece que quanto aqui existia
com os meus olhos contemplei anteriormente,
que já habitei no corpo de outra gente
e por seus olhos, igual o mundo eu via.
Há milênios, Salomão já nos dizia:
“Nada há de novo sob o Sol” nascente;
considerado de forma inteligente,
isso que vemos desde o antanho persistia.
Quem sabe, existe mais tecnologia
ou se possam experimentar novos esportes,
mas nada muda na natureza humana;
e a afluência que existe, na atual via,
leva as pessoas a buscar as velhas sortes,
no que às antigas gerações se irmana...
CANTO INDECISO XVIII (C)
Por que hoje esse modismo por tatuagem,
perfurações nos narizes, nas orelhas?
Não são as mesmas atitudes já tão velhas
que adotava cada tribo mais selvagem?
Para mim, há mesmo falta de coragem
em mutilar as próprias sobrancelhas
ou em tingir de verde as suas guedelhas,
num desafio à tecnológica paisagem.
Ou em entregar-se às tais danças tribais,
em que milhares se juntam, a pular,
os próprios tímpanos estragando, ao escutar
as percussões ampliadas por demais,
que vêm levando tantos jovens à surdez
prematura, por sua completa estupidez!
CANTO INDECISO XVIII (D)
E retomando de ontem a temática,
já te dás conta, se tal crença é verdadeira
da reciprocidade assim certeira,
sem ser castigo ou maldição didática?
Pode existir qualquer coisa mais enfática
que se essa face em que bates, altaneira,
já a ocupaste, talvez na derradeira
encarnação ou na próxima e simpática?
E que as palavras proferidas em rancor
hás de escutar, quase simultaneamente,
agora sendo dirigidas para ti?
Cada carinho, porém, e ato de amor
para ti mesmo a lançares, permanente,
nas muitas vidas que enfrentarás aqui!...
CANTO INDECISO XIX (A) – 3 ABR 2007
mais cedo ou mais tarde ocorreria
[porque não posso fugir a tal modelo]
que procurasse a luz de meu desvelo
e descobrisse que, plena, me fugia.
porque escrever-lhe tanto quereria
[por descrever-lhe a falta que inda sinto]
mas olho para mim, triste, e pressinto
que por ela não mais sinto o que sentia.
a dor maior que sinto é que não vejo
[olhando para a alma, em tons dispersos]
nada mais que o vazio de meu desejo.
queria lhe escrever: "sinto saudade"
[mas só percebo, em minha insanidade]
que foi apenas o pretexto de meus versos.
CANTO INDECISO XIX (B) – 6 JUN 2015
quando um poeta vive um sentimento,
ele o esgota até mais do que o normal,
numa imanência quase antinatural
que o leva a esmiuçar tal julgamento
e no final, até lhe causa impedimento
no desfrutar de qualquer gozo natural,
sempre pensando em seu lado imaterial,
cuja visão lhe traz mais contentamento.
e o pior é que isto não é escolha:
assim é feita sua personalidade;
assim ele age, de maneira natural
e de sua vida disseca cada folha,
a dor e o amor na mais plena intensidade,
numa autópsia de si mesmo perenal.
CANTO INDECISO XIX (C)
ama o poeta muito mais intensamente,
à dor mostrando maior vulnerabilidade
que o comum, em geral, da humanidade:
mas lá no fundo, será que ama, realmente?
será que sofre como sofre qualquer gente
ou a si mesmo esmerila com maldade,
no desfrutar de tal perversidade,
ao descrevê-la de forma mais plangente?
destarte, às vezes, encaro então eu mesmo,
como um fantasma feito de papel,
desfeito em linhas de tinta ou digitado
por tantos versos que já esparzi a esmo,
no perscrutar de qualquer gota de fel,
no descrever de cada sonho acalentado...
CANTO INDECISO XIX (D)
e quando penso nos amores do passado
[pior ainda, nos amores do presente],
eu me apercebo como um ser inconsequente,
querendo amor muito mais que o ser amado.
faço-me preso nesse fado atribulado
[que não creio pertencer a mim somente].
talvez desperte em ti, incontinenti,
sensação vaga de algo recordado.
sendo impossível a reciprocidade
de alguém que vive, tão só, a realidade
e não insiste em sua alma dissecar,
enquanto espalhas por toda a humanidade,
as mais sutis sensações ao mundo dar,
sem encontrares com quem as possas partilhar.
SONETO VERSILIBRISTA I – 02 abr 2007
Sei mais cedo ou mais tarde ocorreria
(ainda que me force a tal modelo).
Devo buscar um formato passageiro
sem ser das rimas o velho equilibrista.
Da rima hoje me esforço ao abandono,
que hoje acordei querendo violentar
os parâmetros usuais e peculiares
que tantas vezes percorri sem pausa.
É como se na mente se quebrasse
um painel feito de escândalo e sofisma,
nesse esforçar atroz do verso branco.
Decantado em luzes mórbidas e arco-íris,
e assim – versilibrista – galgo os cumes
do vértice assombrado por sonetos.
SONETO VERSILIBRISTA II – 7 JUN 15
Por esta vez, então, me disporei
a redigir, em negação da rima,
canto mordaz que na mente se elabora,
sem fluidez, perplexa safira.
Travei convênio com o já cognoscido,
mas da métrica não consigo me livrar;
doem-me os dedos em decantação,
porque em tais versos não podem explodir.
Lâmpada fulva tão só minha companheira,
conservada na toca dos mil linces,
despido de meu sangue, eu desfaleço;
e no momento do final delíquio,
lanço excitado olhar ao nono círculo,
que mantém presa a sombra de Alighieri. (*)
(8) Dante Alighieri, 1265-1321, poeta autor da Divina Comédia. Aqui a
alusão é ao Nono Círculo do Inferno de Dante.
SONETO VERSILIBRISTA III
No picadeiro dos sonhos, sou serragem,
na corda bamba de minhas próprias veias;
os meus leões lanço contra arquibancadas:
sou palhaço canibal sem artifícios.
Tiro crianças mortas da cartola,
dou meu veneno a beber aos elefantes,
globo da morte percorro sem sapatos,
galgando incólume o pescoço da girafa.
Levo na mão o bastão das cerimônias,
com um botão que o transforma em estoque,
para esventrar a lona, lá no alto,
a sufocar toda a plateia, às gargalhadas,
e em tais gritos afogados que me assaltam,
calcando aos pés, eu sou versilibrista.
SONETO VERSILIBRISTA IV
Da rima a jaula se expande sobre mim,
com vinte pontas de ferros aguçados;
tento escapar, mas as costas me perfuram:
lanham pulmões e proclamam-me traidor.
Mas é mister fazer um esforço mais:
solto um suspiro e nascem flores secas,
sobre meus gritos dançam bailarinas,
suor escorre e faz-se madrepérola.
Correm-me a linfa e a lama das entranhas,
a alma rói-me, por fazer versos sem rima,
que me flutuam como pétalas de chumbo.
E em meu deserto, aspiro a maresia,
neste terceto a escutar o fim do túnel,
lambo relâmpagos perdido em exaltação!
SONETO ANTIVERSILIBRISTA I – 03 abr 07
Mais cedo ou tarde isso ocorreria:
me rebelasse contra tal modelo.
Apenas o toquei, foi choque elétrico
e já me repeliu. Que a imageria
já tão bem radicada em meu desvelo
aceita apenas o encaixe da harmonia,
em novas experiências de elegia...
Mas nunca um desandar total do métrico!
Tornou-se para mim tão natural
tal como o necessário respirar,
sem o qual, assim penso, morreria.
E desse modo, não sou versilibrista,
muito ao contrário, ainda equilibrista,
pois só na métrica é que encontro a melodia.
SONETO ANTIVERSILIBRISTA II – 8 jun 15
Porém, nessa redoma mitológica,
Tesla me toca, com correntes alternadas. (*)
Lanço as usinas de Edison para os nadas,
em raios feitos de fúria morfológica.
(*) Nikola Testa, 1856-1943, pioneiro da eletricidade.
Azuis os círculos de plasma, em antológica
imageria voltaica, ânsias quebradas
de fotoelétricas cismas provocadas:
nas telas planas, propagada demagógica.
Uma janela minúscula da mente
permite a entrada dos lençóis de argônio,
no pisca-pisca dos anúncios de neônio,
no eletrochoque sempre inconsequente,
crises histéricas a domar em manicômio,
em tratamento não mais do que aparente.
SONETO ANTIVERSILIBRISTA III
Versos sem rima em minha palma são verrugas,
pequenos cânceres de feridas sorridentes,
corpos abertos em fendas complacentes,
ventres expostos em que o sexor alugas.
Espaço amplo de solitárias fugas,
não as de Bach, já de si luminescentes,
mas de teus próprios sonhos mais valentes,
no cortejar de tuas primeiras rugas...
E os versos se contorcem, sem mais nexo,
como casais nos shows mais pornográficos,
pela higiene a demonstrar pleno desleixo;
e assim transporto minha pena para o anexo,
buscando rimas com efeitos fotográficos,
para de ouro aos sonetos dar um fecho.
SONETO ANTIVERSILIBRISTA IV
Só assim me furto à gélida versão
do verso livre, que me custou tanto;
cantam-me as rimas em cintilante manto,
nenhum traço de labor em sua feição.
Dos dedos pingam em natural consecução,
cada sequência em harmonioso canto,
gotas de sono ensombrecido em pranto,
no bafo branco de minha própria expiração.
Cada gotícula em versículo formada,
na emulação gentil de mariposas,
batendo asas contra o céu de estio,
cada rima nova estrela perfumada,
na geração de quimeras prestimosas,
que prendo ao peito a medalhar-me o brio.
Anéis benzoicos I – 9 jun ‘15
Às vezes sinto que não cumpro meu dever
para os rascunhos em ergástulo angustiados.
Eles se empilham já, por tanto lados,
sem que me sobre qualquer tempo de escrever.
Também meus olhos parecem fenecer,
em consequência dos tempos mal passados
perante o monitor, dentes alados,
que a pouco e pouco me faz enceguescer.
Fico a pensar, mulher de meus rascunhos:
e se eu morrer, sem tempo de os mostrar
na tela amiga e de visões estranhas?
Mas o tempo não me sobra nos abrunhos (*)
das traduções ou do novo rascunhar,
diariamente, com o sangue de minhas unhas.
(*) Frutos da abrunheira, ameixeira espinhosa.
Anéis benzoicos II
Hoje enfermei, de incômodo e emoção,
depois de tanto tempo me conter,
sem meus sintomas querer dar a perceber,
para evitar maior perturbação;
fiz o que pude, em minha contenção,
sem dar motivos para alguém me repreender
e no entretanto, cá estou em meu sofrer,
em resultado dessa mesma contração.
Porém envolto em tais palpitações
e sem ninguém por mim ter um cuidado,
o impulso volta, já que sou um lutador.
Que eu morra antes, abandonando mil canções,
sem melodia, sem saber serei cantado
por alguém a quem inspire igual ardor?
Anéis benzoicos III
E se não posso concluir a obra,
para a qual, afinal, fui destinado?
E se meu corpo já demais foi desgastado,
que tanto para o mundo de si cobra?
Há muito escrevo que um soneto dobra
meus nervos e as artérias, desalmado,
nas emoções me vejo exsanguinado
e para a própria vida pouco sobra.
E ainda assim, em meio da doença,
acendo a lâmpada, contamino este cartão
com tais palavras rasgadas por minhas unhas
e só posso então culpar por essa crença
meu malfadado e bravo coração,
que abriste à luz e para o mundo expunhas.
AURORA MORTA I – 10 JUN ‘15
Afinal, por que eu devo escrever versos?
Qual a razão desta estranha compulsão?
Por que a tal impulso dar vazão,
nessa explosão de termos tão diversos?
Por que meus dias queimo assim, dispersos?
Por que gerar essa incrível multidão?
Obras acaso de sub-rogação,
um purgatório percorrido nos inversos?
Continuando a fazer versos para quem.
já que me brotam dalma em branca espera,
contínuo impulso sem ter repetição?
Pois já deixei para trás qualquer alguém,
mas tenho tanto ainda a dizer, quem dera!
Em minha sentença de vasta perdição...
AUROTA MORTA II
Irei a um médico hoje consultar,
que meus sintomas, por demais, fui ocultando
e em resultado, me foram dominando
até esta forte crise provocar.
Mas que tolice, não querer incomodar
a quem se via por demais preocupando,
de sua própria saúde se queixando,
sem pretender mais peso lhe lançar?
E de repente, quando chega a crise,
nem ao menos se dispõe a crer em mim,
qual se estivesse apenas a fingir...
Após os anos em que seu bem eu vise,
sem lhe contar qualquer sintoma, assim,
em fantasia e ilusão a lhe mentir...
AURORA MORTA III
Mas não me queixo. Afinal, foi culpa minha,
mais saúde a aparentar do que podia,
sem querer reconhecer que me iludia,
que já a idade pouco a pouco se avizinha.
Gastei assim mais energia do que tinha,
mordendo firme, quando algo me dizia,
as mil palavras que a raiva arrancaria,
sem dar vazão à pressão que em mim se alinha.
É apenas justo que pense mais em si,
que simpatize bem mais com quem lamenta,
buscando colo, tal qual uma criança
e se introduza junto dela, aqui.
Um tolo fui, que com migalhas se contenta
e responsável por qualquer desesperança.