Tio Zézinho
Nunca mais o vi.
Lembro que um dia o cavalo disparou
Ele estava encilhado e as mãos do tio Zezinho ficou presa
Correram os dois juntos pelo vasto gramado no sítio
Aos gritos apavorados da minha avó na varanda do casarão.
Nunca mais o vi.
Houve minutos de angústia que só pararam quando o cavalo parou
Meu tio extenuado já estava quase de arrasto
O cavalo era manso e provável que assustou-se com algo
Até hoje ninguém sabe o que aconteceu.
Nunca mais o vi.
A mão ensanguentada do meu tio assustou-me ainda criança.
Lembro-me dos pingos de sangue escorrendo pela suas roupas.
Ele sentado no chão gritando e os curativos feitos afoitamente na hora.
Após alguns meses tudo voltou ao normal.
Nunca mais o vi.
O meu tio Zezinho engravidou uma empregada inocente
Que nem sabia ler ou escrever, muito menos que outra coisa podia-se fazer com o corpo.
E casaram depois de muito bafafá, injúrias e palavras de amor.
Nunca mais o vi.
Eles tiveram 9 filhos
Viveram longos anos na miséria
Eram os mais pobres da família
Aqueles que todo mundo lamenta
Todo mundo fala, insinua mínimos detalhes sem nada saber.
Poucos vão lá e estendem a mão.
Nunca mais o vi.
Ela adoeceu no parto do nono filho e faleceu
Os filhos criariam-se por si.
Nunca mais o vi.
A filha mais velha segundo dizem as más línguas, prostituiu-se
A família suportou as querelas da miséria
E o meu tio alcoólatra desde jovem recuperou-se
Os filhos dignificaram o patrimônio maior de uma família,
A união contra tudo e contra todos,
Principalmente aqueles de língua afiada. E como tem.
Nunca mais o vi.
A filha mais velha casou-se, os outros casaram
A maioria não visitavam a nós e nem aos demais membros da família
Muitos de nós reclamavam egoisticamente porque não éramos visitados.
Para nós a casa deles sempre era longe mesmo sendo no mesmo bairro.
Nunca mais o verei.
Eu soube que ele faleceu nesta tarde.
O seu corpo está sendo velado em outra cidade
E eu não chegaria a tempo de seu velório.
As lágrimas que derramo agora
São de um homem covarde que não tirava a bunda da cadeira
Para visitar um Tio que me viu crescer e nunca mal me fez.
E os seus filhos, meus primos, os desconheceria se hoje os encontrasse.
É.
Muito fácil escrever sobre flores perfumadas
Sobre as estrelas do mar, do céu e falar em amor
Ser um Poeta seco, hipócrita na maior parte do tempo.
Ele conviveu comigo o tempo de criança, colheu tangerias
e goiabas para mim, ria quando aprendi a cair/andar de bicicleta...nós andávamos na zorra guiada por ele e puxada por dois cavalos bravios, na colheita do arroz.
Muitas pescarias de bagres nós fizemos após as tempestades.
Que Deus permita um belo repouso para Você,
Querido Tio Zézinho, muita paz para os meus primos.
Perdão se pede em vida, na morte gemem os hipócritas.
A minha alma exala hoje o perfume das flores de corações de plásticos.
+ 21/11/2014