FEL NAS VEIAS

Porque jamais bebi da seiva da brandura...

Porque conheço a vil nudez do indelicado...

Porque senti, do injusto, a ardência da ranhura...

Porque entalhei, na carne, a marca do enjeitado...

Meus órgãos berram da ferida que supura

na enferma essência, no meu resto fatigado,

a transfundir-se no semblante de amargura

e a latejar-se nestes vincos, neste estado.

Que não me venham com alguma reprimenda,

pois eu bem sei que, para muitos, vida é prenda,

de tão felizes, não suportam dor alheia.

Eu não condeno as esperanças ledas, lindas,

desejo mesmo que lhes sejam (sempre!) infindas,

mas não procurem adoçar-me o fel das veias.