HUMANIDADE (COROA DE SONETOS)

1

Acesos para virgens descobertas,

olhinhos brilham luz da suave idade,

clareiam-se ante as coisas tão incertas,

se acalmam ante o bem maternidade.

E o tempo passarinho assim ligeiro

erguendo-o em dimensão e na estrutura,

levando-o em cada cor, em cada cheiro,

aos tons da vida, força-lhe a ossatura.

Adulto, tudo volta-se ao interno

e sensações, sentidos, sentimentos

apossam-se de toda circunstância.

Começa, então, vivência céu e inferno,

alívios e brutais assolamentos,

empáfias que mascaram ignorância...

2

Empáfias que mascaram ignorância...

Vilãs dissimuladas e incendiárias,

que escarram labareda intolerância

em torno às próprias trilhas temerárias.

São tantos laivos maus na humanidade,

que ameaçam construções e crescimentos,

maculam e sufocam bons talentos

no lodaçal fedido da maldade.

Inveja, hipocrisia, presunção,

ganância, preconceito ou insolência

são doses venenosas de ilusão...

E a história segue a passos imprecisos

se recontando em doida efervescência,

perdida nesta chusma de Narcisos.

3

Perdida nesta chusma de Narcisos,

a amenidade engole sufocada

os últimos resquícios de sorrisos

do tempo em que era a aurora contemplada.

E o homem de imperfeita perfeição,

ababelado em meio às algazarras

de seus iguais de ações boçais, bizarras,

mergulha-se no afã, na ebulição.

As emoções se quebram sob os passos,

tais folhas mortas, soltas, ressequidas;

o pobre ser cativo se infla em ânsia.

Um dia foram livres desses aços...

Que triste. Ledas horas esquecidas

no cofre abarrotado da ganância...

4

No cofre abarrotado da ganância,

pessoas trancam vidas e vazios,

cultuam desvalor em rutilância

de objetos que acicatam desvarios.

E isolam-se num mundo privativo

de glórias e vantagens pessoais,

espremem seu instinto primitivo

de se agregar, juntar-se a seus iguais.

Em tudo deve haver a serventia

que justifique o esforço que teria

um homem, para abrir-se de sorrisos.

Não reconhecem bem maior no mundo

que o cofre inesgotável, de tão fundo,

trancado com segredos imprecisos.

5

Trancado com segredos imprecisos,

o relicário vida do homem só

esconde-se em abrigos indecisos,

coberto de bolor e tanto pó.

Em meio a descobertas e surpresas,

se encontram nele enfado, frustrações,

desonras disfarçadas de riquezas,

batalhas de confusas emoções.

Pisando em mesmo espaço, toda a gente

se pensa unida, próxima, em partilha,

mas que união forçada e tão precária!

O humano não penetra noutra mente,

distante, assim perdida, alheia ilha

oculta, misteriosa e solitária.

6

Oculta, misteriosa e solitária

é a rota humanidade, seus desvios;

em bruta luta sôfrega e diária

amargam homens dias sós, sombrios.

Sepultam enforcados sentimentos

no proditório rito convivência,

aos golpes fortes, ríspidos, violentos,

disputam a minaz sobrevivência.

Famintas aflições assolam o homem

tais vermes que aos pouquinhos o carcomem,

estragos de terríveis amplitudes...

E assim prossegue a seca humanidade,

em busca de certezas, da verdade,

na trilha entre vontades e atitudes.

7

Na trilha entre vontades e atitudes,

é tudo muito opaco, acinzentado,

limitações aleijam plenitudes,

terreno vão, sinistro, abandonado.

E o humano aprisionado no limite

imposto pelas próprias ambições

ah, teme tal caminho de aflições,

pois sabe, sob a terra há dinamite.

E nos conflitos entre ser e estar,

o que demonstra ser e o que é de fato,

prossegue a gente em senda temerária.

O séquito de humanos a vagar

em doidas discrepâncias, inexato,

a ver, na própria vida, uma adversária.

8

A ver, na própria vida, uma adversária,

a humanidade aflita, só, perdida,

submissa, se pretende autoritária,

à falsa liberdade submetida.

Encantos tantos há, é bem verdade;

criancinhas, passarinhos e poesia

e sentimentos flor, amor, bondade,

a realidade entregue à fantasia.

Mas a insatisfação constante, inata

permeia pensamento de aura ingrata,

no tempo, cores tornam-se tons rudes.

E nesta sociedade que se assanha

na cega intolerância tão tacanha,

a humanidade enterra dons, virtudes.

9

A humanidade enterra dons, virtudes

no mundo em que valor se mede em grana

e falsas, calculadas atitudes

se avivam em função do grau da gana.

Foi tudo construído pelo humano!

Mansões edificadas sobre areia,

na presunção domínio soberano

de tudo quanto o sol aqui semeia.

Mas brava natureza não permite,

por mais que presunção do humano grite,

controle assim supremo da criação.

Então, só resta ao homem conformar-se

e se atirar despido, sem disfarce,

em sua tão banal limitação.

10

Em sua tão banal limitação,

insiste a humanidade assim aflita,

buscando algum alento, luz bendita

que aqueça mansamente o coração.

Procura, nas guaritas da consciência,

vestígios de serenos sentimentos,

tentando resistir a assolamentos

de múltiplos espectros na existência.

Encontra, enfim, alívios amorosos

dormindo no refúgio bem guardado

por traços instintivos mais amenos.

E veste-se a esperança em véus piedosos,

engana a realidade de ais penosos,

se ilude, pensa bálsamos, venenos.

11

Se ilude, pensa bálsamos, venenos

o ser humano bravo, persistente,

retira sempre mais do que é de menos

em torno à estranha falta permanente.

A custo, segue a massa humana avante,

lutando por motivos ignorados,

seguindo seus instintos vis, malvados

no precipício vida fervilhante.

Deseja achar a porta luz aberta

que leva à calmaria alentadora

tão necessária para prosseguir.

E ao ciclo construir desconstruir,

circula em espiral perturbadora

a gente em torturante estado alerta.

12

A gente em torturante estado alerta

aos riscos permanentes do percurso,

procura, esperançosa, a rota certa,

se agarra à fé como único recurso.

Em torno à própria essência, se atordoa

com nódoas dentro em si de hipocrisia,

inveja e empáfia arfando em covardia,

mas frente ao olho alheio, é luz que escoa.

Consola-se, contudo, a mente aflita

no amor em rosa plácida e bonita

que insiste em adornar-lhe o austero chão.

E à infinda vastidão do que é ser gente,

escapa deste seco solo quente,

mas leva, o amor, nas asas, a emoção.

13

Mas leva, o amor, nas asas, a emoção,

enobrecendo a bruta humanidade,

a ornamentar com rosa o coração,

em sua transtornada amenidade.

E exala o doce mel do bem partilha

nas convivências sóis, de paz à proa,

qual terna proteção de lar, família;

cintilam estrelinhas na pessoa...

Ganância, inveja, orgulho, hipocrisia

teimosamente esputam vilania,

porém o amor os mima em seus amenos.

Pairando na abalável existência,

entorna o amor nas almas sua essência,

tornando os homens luzes, gente, plenos.

14

Tornando os homens luzes, gente, plenos,

os sentimentos livres de arrogância

e salvos dos grilhões da intolerância

verdejam campos lindos e serenos.

Da brava humanidade, o que se espera,

o que se almeja, sonha e se acredita,

em sua saga mínima, finita,

é que ela acalme em si a própria fera.

Mas pelo tal condão felicidade

oculto na incerteza realidade,

disputa o humano o sol que o mundo oferta.

Que a luz da vida intensa e pardacenta

mantenha os homens, mesmo à vil tormenta,

acesos para virgens descobertas.

15 (SONETO BASE)

Empáfias que mascaram ignorância

perdida nesta chusma de Narcisos,

no cofre abarrotado da ganância,

trancado com segredos imprecisos.

Oculta, misteriosa e solitária,

na trilha entre vontades e atitudes,

a ver na própria vida uma adversária,

a humanidade enterra dons, virtudes.

Em sua tão banal limitação,

se ilude, pensa bálsamos, venenos

a gente em torturante estado alerta.

Mas leva, o amor, nas asas, a emoção,

tornando os homens luzes, gente, plenos,

acesos para virgens descobertas.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 31/08/2013
Reeditado em 01/09/2013
Código do texto: T4460567
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