Os quatro elementos
Edir Pina de Barros
*I - Vento*
Eu sou o vento, voz vociferante,
que vai e vem - vadio, vigoroso, -
valsando, tão vivaz e vaporoso,
na várzea de tua alma, vicejante.
Veloz eu varro o vale venturoso
de teu formoso corpo, palpitante,
vasculho vão por vão, voraz, vibrante,
e volto velozmente em voo airoso.
Virgíneos véus, visagens do desejo,
vergasto e venço, vergo o tolo pejo,
mantendo, da paixão, a doce chama.
E a chama que tremula contra o vento,
que invade o corpo, a alma e o pensamento,
é a força visceral que o amor reclama.
*II -Fogo*
Os pássaros revoam, aos milhares,
no céu de agosto, todo amortalhado,
fuligens voam soltas pelos ares,
o sol se põe sangrento, avermelhado.
Do centenário mangueiral tostado,
os periquitos vão se embora, aos pares,
no antigo palmeiral, ora queimado,
araras abandonam seus lugares.
O fogo, incontrolável, logo espalha,
parece até que ri ou que gargalha,
soltando labaredas pelo espaço.
Faminto fogo, não, ninguém controla,
e tudo vai comendo e a vida assola,
perante as águas fica terno e lasso.
*III - Água*
Na enchente, no baixio alagadiço,
os rios, generosos, abrem braços,
as águas se misturam nos espaços
e a vida ganha lume, força e viço;
os aguapés, unidos por mil laços
tramados, entre si, por tantos liços,
que tecem camalotes que, maciços,
se vão, entregue às águas, seus compassos;
lagoas, rios, lagos e corixos,
mesclam-se – tudo fica sem fronteiras –
e somem, sob as águas, os cercados;
dispersos ficam aves, peixes, bichos
nessas paisagens belas, pantaneiras,
que deixam alma e olhos alagados.
*IV - Terra*
Como se eu fora a branca e cheia lua,
distante e só olhando para a terra,
mirando os vãos, planaltos, rios, serras,
os mares, a trincada pele nua;
do espaço sideral, que o encanto encerra,
eu vejo o velho ventre, onde se estua
o fel da morte em tudo que possua,
o edaz destino dessa humana guerra.
Oh! Gaia mãe! Tristonha é a tua sorte!
Sangrada por mãos torpes, vis e brutas,
montanhas, rios, matas, serras, grutas.
Aos poucos, sem que vejas, te transmutas,
e não és mais a mãe perene e forte:
de longe espio e assisto a tua morte.
Ciclos, pgs 15 a 18
Soneto I - vento publicado também em Sonetos selecionados, pg 13
Soneto III - Água - publicado também em Poesia das Águas, pg. 38
Soneto IV - Terra - publicado também em Cantos de Resistência, pg. 77
Edir Pina de Barros
*I - Vento*
Eu sou o vento, voz vociferante,
que vai e vem - vadio, vigoroso, -
valsando, tão vivaz e vaporoso,
na várzea de tua alma, vicejante.
Veloz eu varro o vale venturoso
de teu formoso corpo, palpitante,
vasculho vão por vão, voraz, vibrante,
e volto velozmente em voo airoso.
Virgíneos véus, visagens do desejo,
vergasto e venço, vergo o tolo pejo,
mantendo, da paixão, a doce chama.
E a chama que tremula contra o vento,
que invade o corpo, a alma e o pensamento,
é a força visceral que o amor reclama.
*II -Fogo*
Os pássaros revoam, aos milhares,
no céu de agosto, todo amortalhado,
fuligens voam soltas pelos ares,
o sol se põe sangrento, avermelhado.
Do centenário mangueiral tostado,
os periquitos vão se embora, aos pares,
no antigo palmeiral, ora queimado,
araras abandonam seus lugares.
O fogo, incontrolável, logo espalha,
parece até que ri ou que gargalha,
soltando labaredas pelo espaço.
Faminto fogo, não, ninguém controla,
e tudo vai comendo e a vida assola,
perante as águas fica terno e lasso.
*III - Água*
Na enchente, no baixio alagadiço,
os rios, generosos, abrem braços,
as águas se misturam nos espaços
e a vida ganha lume, força e viço;
os aguapés, unidos por mil laços
tramados, entre si, por tantos liços,
que tecem camalotes que, maciços,
se vão, entregue às águas, seus compassos;
lagoas, rios, lagos e corixos,
mesclam-se – tudo fica sem fronteiras –
e somem, sob as águas, os cercados;
dispersos ficam aves, peixes, bichos
nessas paisagens belas, pantaneiras,
que deixam alma e olhos alagados.
*IV - Terra*
Como se eu fora a branca e cheia lua,
distante e só olhando para a terra,
mirando os vãos, planaltos, rios, serras,
os mares, a trincada pele nua;
do espaço sideral, que o encanto encerra,
eu vejo o velho ventre, onde se estua
o fel da morte em tudo que possua,
o edaz destino dessa humana guerra.
Oh! Gaia mãe! Tristonha é a tua sorte!
Sangrada por mãos torpes, vis e brutas,
montanhas, rios, matas, serras, grutas.
Aos poucos, sem que vejas, te transmutas,
e não és mais a mãe perene e forte:
de longe espio e assisto a tua morte.
Ciclos, pgs 15 a 18
Soneto I - vento publicado também em Sonetos selecionados, pg 13
Soneto III - Água - publicado também em Poesia das Águas, pg. 38
Soneto IV - Terra - publicado também em Cantos de Resistência, pg. 77