INDEFESO & MAIS

INDEFESO I (2006)

Não sei se devo te escrever mais versos...

Tantos já te escrevi, que tua alma multifária,

De humor instável e de expressão tão vária,

Já deveria ter, só para mim conversos,

Todos os seus escaninhos tão diversos;

E não negar amor após as juras,

Após as firmes confissões mais puras,

Na marcha desses anos tão dispersos...

Bem marchetada ao longo dos meus ossos

A certeza de um bem depois negado

Por tais oscilações, que não consigo

Jamais prever e sinto que em destroços

Tornou-se-me a confiança: inda a teu lado,

Não saberei jamais se estou contigo...

INDEFESO II (9 out 12)

A gente nunca sabe o que está à frente:

Ou se trabalha e o futuro se planeja,

Mas vem o contratempo e nos despeja

Um golpe inesperado no presente,

Ou se reza por milagre e, indiferente,

A divindade, qualquer que ela seja,

Nem ao menos nos escuta, pois deseja

Tão somente ser servida pela gente...

Um deus onipotente não tem tempo,

Porque bem fora do tempo ele se acha,

Teu nascimento e morte simultâneos

E é assim o longo ai do contratempo

E quanto bem ou mal a vida enfaixa,

Que não passam, afinal, de sucedâneos.

INDEFESO III

E a gente pensa ter tempo de sobra

Para o trabalho árduo ou ingente prece,

Para o prazer ou a tristeza que padece

E da vida mais sucesso a gente cobra.

Mas quando Deus algum milagre obra

Já o houvera realizado quando tece

Esse tapete universal que cresce,

Independente do sombrear de cada dobra.

No pluriverso, não só tudo é possível,

Como de fato já acontece agora:

Não há passado nem futuro, só o presente

E teu desejo, por mais que seja incrível

Se manifesta algures, nesta hora

Em que lastimas o teu fado indiferente.

INDEFESO IV

Assim em novos versos permaneço,

Sabendo que todos, no passado, já escrevi

Que meu futuro inteiro eu contraí

Nesse pequeno luzir que agora apreço.

O mundo é fluido, não se faz de gesso

E quanto quis de ti, já o recebi;

Por certo algures já te usufruí,

Subi ao Inferno como aos Céus eu desço.

E não me cabe assim nada prever...

É inesperada a transiência do portal

Em que a fama e a glória encontrarei...

Porém jamais me atreva a esquecer

Que outro de mim substituí nesse fatal

Momento em que também te perderei.

A NOITE DAS OLHEIRAS FUNDAS I (10 OUT 12)

As noites passo em vampírico esplendor:

ou já me deito em plena madrugada

ou me levanto bem antes da alvorada:

quando acordado, sou velho sonhador,

enquanto o sono me conserva no clamor

de sonhos sem controle, atocaiada

cada quimera e minhalma devorada

por madrigais, de caprichos no sabor;

em geral, até percebo estar sonhando

e quando algo se faz persecutório,

controlo o seu desfecho como quero,

ou voluntariamente me acordando,

sem ser sua presa inerme e em desespero

dos pesadelos desse mundo merencório.

A NOITE DAS OLHEIRAS FUNDAS II

Porém durante o tempo vigilante,

eu presido de meus sonhos o velório

e determino seu final consumatório,

nisso que almejo em pejo meu constante;

e mesmo no usufruto delirante

de um sonho para mim persecutório,

com ironia mastigo o fim inglório

de tal ideal que persegui, no instante

dos mesmos sonhos para meu perigo;

eróticos temores de ilusão,

entre os dentes da esfinge, ainda mastigo;

sonho acordado e sem desilusão

e ainda planejo o quanto não consigo,

enquanto bate a luz do coração.

A NOITE DAS OLHEIRAS FUNDAS III

Talvez minha vida seja uma tolice

ou bem mais certo do que eu esteja

aquele que nos bailes se despeja,

buscando lábios de maior ledice;

mas não consigo aturar essa mesmice;

talvez em tal convívio a glória seja,

mas não persigo o voo da narceja,

nem a esperança que não me perseguisse

e por estranho até que tal pareça,

não me posso queixar, em minha quietude,

que sonhos de outrem vieram em mim pousar

e não permitem que a memória desfaleça,

enquanto os deuses do destino rude

sob suas asas me sabem conservar.

A NOITE DAS OLHEIRAS FUNDAS IV

E nessa “noite das olheiras fundas”

não me cansei em vão no Carnaval,

não me gastei no álcool, afinal:

meu fumo e ópio são canções profundas;

trago as olheiras de melodias jocundas,

olhos isentos de todo o bem e mal,

que ainda reluzem, qual duplo fanal,

a contemplar a meu redor, fecundas,

cada traço de ilusão feita poesia,

cada compasso de triste melodia

que podia ter composto e não compus;

e permaneço distante da folia,

qual ermitão covarde, a quem seduz,

somente a lâmia de seu catre companhia.

DÍPTICOS I (11 out 12)

Ama-me hoje, nem que seja com o olhar,

se com teus lábios e a língua te recusas;

dá-me esse amor que só concedem musas,

dá-me o carinho de um leve parpadear;

que veja o brilho em cada cílio tutelar,

amor de deusa pobre em suas escusas,

amor das tágides das estrofes lusas,

de quem sonha um mundo novo conquistar.

Ama-me hoje, com o vago cintilar

de tuas pupilas e deixa que me abrase,

até que seja nelas mariposa,

pois não me queimarei nesse ofuscar,

nesse luzir que com o meu se encase,

brilho suave como olhar de esposa.

DÍPTICO II

Não suplico o fulgor de tua paixão,

que em alhures objetivos desgastaste,

no amor romântico a que a alma entregaste,

nessa certeza firme da ilusão.

O que desejo é o bater do coração

contra meu peito de novo, qual deixaste;

quero de novo as histórias que contaste

de tua infância na primeira brotação.

Que saiba realizada a minha suspeita

de que sempre me tomaste por ideal

e que não me buscaste por ter pena

de ser fraco o teu amor, que assim condena

meu próprio amor ao destino minimal

que a humildade de tua alma hoje sujeita.

DÍPTICOS III

Quando repito da tríade o esquema,

até parece que a mim me contradigo,

que a um tempo te busco e te maldigo;

é de sincera ironia este meu lema.

Contra a corrente assim meu braço rema

e pedir-te mais carinho eu não consigo;

só por um beijo de leve te bendigo,

embora por beijo mais sensual meu corpo gema.

Assim, quando completo mais um tríptico,

como em retábulo de lavor antigo,

eu me percebo ainda estar contigo,

no encaixe firme deste velho díptico

que sempre dominou cada mulher,

vassalo o homem daquela a quem mais quer.

PROPOSTA I (2006)

Se queres me entender, pensa primeiro

Que não tenho intenção que seja oculta:

Eu quero usar tua vida, seja a multa

Qual for; o preço eu pagarei inteiro!...

Pensa que eu busco apenas a expressão

De meu gênio viril em corpo e nalma,

Na fonte e turbilhão, verdade e calma,

Só para encher-te inteiro o coração...

Eu quero que me ames – não preciso

De apelar ao vulgar gesto indeciso

Que saberia usar outro qualquer;

Eu quero ver-te pura e sem recalque;

Completa ao coração, que então decalque

Minhalma, que te amou, porque és mulher!

PROPOSTA II (12 OUT 12)

Se queres me entender, pensa primeiro

Que poderias ter aceito meu abraço

Nas muitas vezes que recusaste o traço

De um beijo meu em teu rosto hospitaleiro.

Mesmo que nada requeresse por inteiro

Para a mesma conclusão do velho laço,

Embora continuasse em embaraço,

Sem parecer um amante corriqueiro.

E se quero que me ames, é que amei

Teu coração e teu pensar no antanho

E meu desejo sensual só veio depois.

Mas és mulher e sempre te almejei,

Sem expressar talvez o ideal tamanho

Desse enlace perene de nós dois...

PROPOSTA III

Apesar de ter escrito tantas linhas,

Talvez nunca soubesse me expressar;

Sonhos sublimes cantei a disfarçar,

Sonho é contigo na sede de tuas vinhas.

De uvas mortas os beijos só que tinhas

Para me dar e que fingi não me importar,

Mas sempre quis em ti me abeberar,

Fossem quais fossem as palavras minhas.

E se meu corpo te amou como mulher,

Vê que minhalma é igualmente feminina,

Qual o meu corpo é hoje masculino.

Talvez nem possas imaginar, sequer,

Que já te pertenci, sendo menina

E nesse antanho entoamos igual hino.

PROPOSTA IV

Só quero que me ames. Se o destino

Nos reuniu, para após nos afastar,

Não é sinal que não devamos nos amar;

A vida é feita de luto e desatino.

Nós não ficamos a puxar corda de sino

Que batizado viesse alegre a proclamar,

Matinas e completas canônicas a anunciar.

Só há certeza desse toque mais malsino,

Que há de tanger em nosso funeral.

Então, porém, as sombras libertadas

Se encontrarão de novo acompanhadas,

Sabe-se lá em qual coro triunfal...

Por isso quero o teu amor agora,

Nesse presente que um dia foi outrora.

Sol escuro I (13 out 12)

Em meus versos de amor mostrei ternura,

Em meus versos de amplidão tive respeito,

Nos versos solitários, meu despeito

Por mil versos castigados de amargura.

Foram palavras avulsas de loucura

Ou ponderadas alfombras sob o leito,

Os cortinados a proteger-me o peito,

Amplo dossel de vaga formosura.

Muitos versos para ti foram sonetos,

Radicados na sinistra precisão

Das regras cuidadosas da poesia,

Escondendo meus impulsos mais secretos

No desregrado fluir desta ilusão

De quem descreve o amor de que descria.

Sol escuro ii

O sol que brilha sobre nosso peito

Tem as cores do bater do coração;

Quando há apego, se doura de antemão

Quando há tristeza, acastanhado jeito.

O sol que brilha em partilhar perfeito

É alaranjado em sua potente ação,

Avermelhado quando fisga o arpão

Do ciúme, do descaso ou do despeito.

Eu quero um sol azul em minha cabeça,

Um halo morno que não traga insolação,

Auréola pura que demonstre a devoção

À arte pela arte e que então desça

Como manto rebrilhante de carinho

Para anilar meus passos no caminho.

Sol escuro iii

Eu quero um sol de aroma cintilante,

Um sol prateado de estrela tutelar,

Um sol de cinza sobre meu prantear,

Um sol mais roxo sob os olhos do semblante

Quando o desdém se faça desgastante,

Quero um sol verde de esperança bela,

Um sol de rosas sobre minha donzela,

Um sol berilo sobre o peito amante.

Sol de turquesa no perfeito instante,

Quando o anis se mostra rosicler,

Quando o limão se expande carmesim.

Eu quero um sol de esmeraldino guante,

No beijo rubro da língua da mulher,

Lápis-lazúli a reclinar-se contra mim.

Sol escuro IV

Mas quem me garantiu que o sol se importa

Com essas cores que desejo em seu espectro?

Não é banjo ou bandolim de que o plectro

Retire a melodia que comporta.

O sol apenas ferve em sua retorta

E seu arco-íris gira em branco cetro

Que me trespassa como negro metro

A me avaliar em cintilância morta.

Quantas vezes vi brilhar o sol escuro

Ao me encontrar no oposto do hemisfério,

Amando menos o seu dia que minha noite!

Pois para mim mostrou-se qual obscuro

Cristal de chumbo em anel de eremitério,

Nesse escarlate zunir de seu açoite!

This i wrote to a girl i never met but asked me for a sonnet with her name.

ACRÓSTICO I (2006)

Antes que a vida nos mostre as aventuras,

Nenhum de nós, humanos, é feliz:

Acreditamos sempre o que nos diz,

Em nosso coração, com vozes puras,

Lisonjeiras mentiras, a esperança,

Indicando, sutil, que mais além,

Zéfiro sopra para nós também

Aquele arco-íris gentil que traz bonança...

Bons sejam os ventos que te levem

Em tuas viagens a terras tão distantes;

Teus sonhos realizes mais ditosos

Hoje e amanhã; que bênçãos nevem

Sobre essas esperanças delirantes,

Abrindo-te os caminhos mais formosos...

It could also be shown this way...

ACRÓSTICO (2006)

Antes que a vida nos mostre as aventuras,

Nenhum de nós, humanos, é feliz:

Acreditamos sempre o que nos diz,

Em nosso coração, com vozes puras,

Lisonjeiras mentiras, a esperança,

Indicando, sutil, que mais além,

Zéfiro sopra para nós também

Aquele arco-íris gentil que traz bonança...

Bons sejam os ventos que te levem

Em tuas viagens a terras tão distantes;

Teus sonhos realizes mais ditosos

Hoje e amanhã; que bênçãos nevem

Sobre essas esperanças delirantes,

Abrindo-te os caminhos mais formosos...

ACRÓSTICO II (14 OUT 12)

Agora, já passados tantos anos

Em que nunca cheguei a te encontrar,

A minha caneta, de novo a deslizar

Envia-te outra vez meus desenganos.

Lavrei os versos que pediste em róseos panos

Ilusórios no fluir de seu bordar,

Zeugma pálido, alheio ao paginar,

Amendoado moldar de meus enganos.

Bela serás, decerto, que és mulher

E todas belas o são, à sua maneira,

Todas possuem seu viés de sedução.

Hoje espetalo um novo malmequer,

Sobre estas linhas de sépala traiçoeira,

Abrindo nalma um simples arranhão.

ACROSTICO III

Ainda que nunca venha a te encontrar

Nos páramos da vida indiferente,

Armado o estro em exercício ingente,

Escrevo de amor vago a palpitar...

Leve minha pluma, no seu festejar

Insensato da mensagem complacente,

Zarpa o barco poético imprudente

A novo oceano em árduo encachopar.

Bendita seja a miragem desta aurora

Em que imagino nas nuvens os teus traços,

Toldados ainda, quiçá por desconfiança.

Hipnótico o futuro que se alcança,

Salgada a lágrima vazia de teus abraços,

Apaziguada, talvez, pela demora.

ACRÓSTICO IV

Acrósticos são fáceis de escrever:

Nada mais simples que o escorrer da tinta,

Ampliando em esgrima a nova finta,

Engalanada no arrebol do desprazer.

Li tuas mensagens sem nelas me envolver,

Impetuoso a demonstrar o quanto sinta

Zigoma de poeta que pressinta

Ausência eterna de beijo a receber.

Basta saber que foste tu que interrompeste

Essa fugaz correspondência do passado;

Também eu logo cansei de te chamar.

Hálito puro de mim não recebeste

Somente um poema de estilo compassado,

Achado a esmo, que aqui vou terminar.