AUTO DA OVELHA PERDIDA- sonetos encadeados

AUTO DA OVELHA PERDIDA

Jorge Linhaça

Senhor, meu pastor, por onde andarás?

Que não te encontro na noite escura

Ando errante por entre estas ruas

Sob o chicote do vil satanás

Senhor, meu pastor, por que não respondes?

Onde te escondes da minha aflição?

Foi-se aprisco pra outro rincão?

Se o levaste, mostrai-me pra onde.

- Ouve, ó ovelha, que andas perdida,

Dei-te guarida, mas tu te perdeste,

Te afastas-te da fonte da vida

Pelos caminhos tu te corrompeste

Hoje me pedes de novo guarida

Mostra-me então o que tu aprendeste

-Senhor, meu pastor, bem sei que pequei,

Fui por caminhos distantes de ti

Muitas chibatas no lombo eu senti

Mas por instantes julguei ser um rei

Ouve, ó meu mestre, o que aprendi,

Pois meu reinado foi só ilusão

Pois não se vive somente de pão

Preciso da luz, que emana de ti.

- Pobre ovelha que te desviaste

Tudo eu conheço dos teus descaminhos

Donde saíste e por onde entraste

Jamais te deixei de todo sozinho

Porém minha voz tu sempre evitaste

E te enfiaste no aprisco vizinho

- Bem sei meu Senhor, que hei divergido,

Que descaminhos, segui, cobicei,

Que me afastei das tábuas da lei

E pelo orgulho senti-me atraído

Se eu não pecasse como saberia

A diferença entre o bem e o mal

Entre a ilusão e o que é real

Entre a angústia e a alegria?

-Ouve, ó ovelha, que te compreendo,

Não te condeno, comprei-te a bom preço,

Com o meu sangue por ti escorrendo

A salvação, pra todos, ofereço,

Mesmo as fraquezas dos homens sabendo

Se desejarem ter um recomeço.

- Bem sei que o homem tem sua fraqueza

Anda no mundo entre o bem e o mal

Luta o carnal com o espiritual

Luta a humildade com a vasta riqueza

Senti na carne essas diferenças

Quanto mais alto mais baixo eu descia

Cri ser a noite mais clara que o dia

E assim perdi-me nessa tola crença.

Eu que já por ti fiquei quase exangue

Enquanto outros três dormiam além

Hoje resgato tu’alma do mangue

Ouvi minha voz, se já te convém

Pois redimi teus pecados com sangue

Volta ao aprisco do Deus de Belém.

- Canta minh’alma em doce alegria

Pois que ouviste meu triste lamento

Eu que andei entr’a noite e o tormento

A Tua graça de novo alcancei

Cantem louvores os anjos do céu

Pelo resgate do filho perdido

Que traz o corpo marcado e ferido

Mas traz na boca um favo de mel

- Vinde, ó ovelha, não mais desgarrada,

Entra no aprisco do teu Salvador

Tende cuidado com vossas pisadas

Pra que te afastes pra sempre da dor

E não encontres a porta fechada

Vindo o tempo em que cesse o labor.

Salvador, 07 de maio de 2012.