Eu e o Verme
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Ao raiar do sol, como por desprezo,
Rastejo até à penumbra mais sombria
E, agro, amaldiçoo a luz do dia,
A vida, o Universo inteiro aceso.
Quando a sombra s'esvai fico indefeso.
Escavo bem fundo, à terra fria,
Tendo o bicho roedor por companhia,
Que labora ávido num corpo teso.
Eu e ele nos parecemos mais e mais.
Em rastejar, mudos e coisas tais,
Com vontades d'esburacar o mundo.
Amiúde m'hospedo num caixão velho,
Como o piolho s'hospeda num pentelho,
Sôfrego por inspirar o ar imundo.