E SE EU MORESSE DEPOIS...
E se eu morresse depois, a mula de carga,
Com duas bruacas em cima, pachorenta,
Nos íngremes morros do céu, em marcha lenta,
Orelhas murchas, caídas; suor na ilharga.
Nas bruacas, em uma o mal feito se ostenta.
Se o sonho só sonhado o remorso alarga
Junto com o mal, o sonho frustrado amarga,
Leveda n’alma e noutra vida se apresenta.
O bem, na outra bruaca, uns gramas a mais, creio
... e Deus dá valor pr’este avanço pequenino;
Aplaude o mulo que masca e respeita o freio.
Se eu morresse depois, ainda há tempo, me animo,
Para deixar a bruaca do mal só ao meio;
Pavimentar de asfalto este chão peregrino.
Afonso Martini
210212