Lá se vai a democracia pelo ralo

O homem é lobo do homem. Falo

o que diz todo mundo feito arara,

tanto faz se raspa a barba ou só apara,

tanto faz ser ele um rei ou um vassalo.

Cada qual sabe onde lhe aperta o calo,

mas isso não desculpa ou livra a cara

àquele que, do crime tendo a tara,

enquanto o outro pisca, vem roubá-lo.

Fala-se em corrupção sem intervalo.

Cidadão que se ferre; eu me regalo,

diz o agente do Estado. E quem encara?

A justiça é cega e a regra é clara:

quem tem o dinheiro compra a vara

e então pode ir pescar o seu robalo.

(Inspirado no poema "E se acaso nos rebelássemos?" de autoria da premiada poetisa Marisa Schmidt, da NOP - Nova Ordem da Poesia).

Nota: Optei por esta explicação por que o soneto suscitou questionamentos que eu sequer suspeitava que surgissem. Esta nota, que para uns poderá ser útil, suponho, para outros será supérflua. Perdoem-me e a ignorem (como costuma vir nas cobranças, para prevenir constrangimentos).

Na língua portuguesa, como sabemos, há muitas palavras que apresentam uma generosa gama de acepções. Este é o caso da palavra vara, que aparece no texto. Confesso que agora sei mais sobre ela do que quando escrevi e postei o soneto, por que tive que ir ao dicionário. Antes, para mim, vara podia servir para pescar e para praticar salto com vara, além de ser tempo do verbo varar e servir para nomear as circunscrições judiciais (vara da família, vara criminal etc.). Sabia também que vara é o coletivo de porcos e, em termos chulos, chama-se vara ao pênis.

Pois bem - pasmem! - só no Aulete, contei vinte acepções e mais uma que dá vara como sendo o nome de certo tufão do mar das Índias.

Vamos deixar claro que a introdução da vara no soneto foi propositalmente para ironizar o duplo sentido de vara de pescar e vara criminal. Assim, numa leitura livre, leve e solta, o terceto final insinua que:

1. a Justiça é cega (não é novidade!);

2. a regra é o dinheiro comprar as varas, sejam quais forem;

3. só a esdrúxula associação de corrupção, presente entre o roubá-lo e o robalo, é que foi mediada por um (sem) intervalo.

Piada explicada não tem graça nenhuma, mas, infelizmente, teve de ser desse jeito. E, mais uma vez, desculpem-me se a emenda ficou pior que o soneto.

(Acréscimo em 23/07/2011)

luca barbabianca
Enviado por luca barbabianca em 22/07/2011
Reeditado em 24/05/2012
Código do texto: T3111001
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