ZODÍACO & MAIS

ZODÍACO

QUANTO MAIS DOCE JAZ O SENTIMENTO,

IMERSO EM SEU TONEL DE DESVALIA,

QUANTO MAIS PRENHE E GORDA SE SENTIA

ESSA EMOÇÃO DE DESFALECIMENTO,

QUANTO MAIS VIA NO DESCONHECIMENTO

DA IMPURA AVALIAÇÃO DA NOSTALGIA,

DE DESCURAR DO AMOR QUE MAIS QUERIA

A TROCO DE FINGIR-ME DELE ISENTO,

ENTÃO, SOMENTE ENTÃO, DESPERCEBIDO,

FOI-SE INSINUANDO O MEU IDEAL FERIDO,

COMO UM BESOURO QUE SE ARRASTA PELO CHÃO...

E TOMOU-ME DE ASSALTO PERSISTENTE,

A PERDA DESSE AMOR, EQUIPOLENTE

À FERROADA PUNGENTE DO ESCORPIÃO...

CANTO INDECISO II

[Eu nunca sou assim]: só deveria

buscar satisfação fora de mim.

Em sendo o imaginar tão rico assim,

talvez bastasse a dor que já existia.

[Bem fundo ao coração]: e que iludia,

na busca intermitente do desejo.

A busca de um ideal que só entrevejo,

amontilhado assim eu ganharia.

Porque esse é o ideal da busca inatingível:

essa mulher que amo, existe em mim,

mas nunca no exterior tem seu encanto.

É apenas um pretexto inexaurível,

para buscar a meu redor, enfim,

razão para meus versos em meu pranto.

AS REGRAS DA VIDA XXIV

É importante comungar consigo mesmo,

sem fazer nada, por alguns momentos.

Sem nem ao menos lembrar de pensamentos,

mas limitar-se a divagar a esmo...

Apenas sendo, vivendo para o nada,

por um par de minutos em silêncio...

Um período de paz, que nem se mencio-

[-ne] qualquer meditação organizada...

Não leia, nem converse, apenas seja

refração de si próprio, na incerteza,

tão vaga que de si sequer duvida...

Que nesse instante, nada se planeja,

a dor se esquece, na emoção contida,

face ao contato da maior leveza...

CANTO INDECISO III

Eis um conselho difícil para mim:

o cérebro turbilha, no agitado

descompassar de idéias, no cansado

trucidar de meus sonhos, no jardim

das emoções mais meigas e violentas,

no controle constante dos desejos,

no assassinar de impulsos e de ensejos,

no planejar de flores e tormentas...

Nessa algazarra constante e delirante,

que chicoteio e amanso, com vigor,

e só permito se expresse nestes versos.

Mas que sussurra ainda, em seu constante

abafar do silêncio a voz do amor,

que me envenena os passos mais dispersos.

CANTO INDECISO IV

Há muito já domei os meus desejos:

não quero fama ou glória, só me bastam

os discos e os livros, que me afastam

da obrigação da vida quotidiana

ter de enfrentar, em tantos maus ensejos,

de esplendor malicioso, que desgastam

minha energia, enquanto me desbastam,

nas exigências tolas desta humana

condição, em que os rostos me contemplam,

do fundo de seus olhos [quer cerradas

conserve as pálpebras... ], com tantas sugestões

que sei só em mim existem, mas alentam,

nesse pendor romântico, as revoadas,

que me fariam possuir seus corações...

canto indeciso V

deixar que a vida nos carregue em frente

É terrível e freqüente tentação:

mais fácil que lutar, na indecisão

De se nadar ou não contra a corrente.

mas precisamos de um plano contingente

Para quando a tocaia, sem perdão,

nos surpreenda, em qualquer confrontação,

E se possa então reagir, incontinenti.

planeje então seu plano, por degraus

A galgar um a um, marque as etapas,

crie a estratégia e desenvolva mapas.

Vista a armadura, que os momentos maus

se desfarão, quais fantasmas de nevoeiro,

Tal qual cilada se esfuma por inteiro.

CANTO INDECISO VI

Eu, na verdade, sou um disciplinador

dos meus monstros do Id, que saída

somente encontram eventual na vida,

pois sequer em meus sonhos seu furor

se manifesta às claras. O que eu faço

é tomar um por um, examiná-lo,

aceitar que ele existe e confiná-lo

em seu compartimento, no regaço

mais recôndito da mente. Um tal confinamento

não é prisão cerrada, mas ergoterapia:

para eles passo a tarefa da poesia,

de modo tal a libertar meu pensamento.

E, neste ergástulo apenas aparente,

são quem me forja a inspiração freqüente.

DRAGÃO

Passam-se os meses e sinto nas narinas

A flama escura do cheiro fugidio

Que deixaste em meus dedos, luzidio

Como o rastro de estrelas vespertinas

Que deslizam no céu tão brandamente

Quanto endurecem ao toque teus mamilos

E me despertam a ânsia de possui-los,

Só para mim, perpétua e ternamente.

Esses mamilos que desejo puros,

Junto a meus lábios, nus, efervescentes,

Num revoar de sonhos feitos sóis.

Auréolas que me fisgam como anzóis,

Auréolas multicores, beijos duros,

Contas de lava em gotas transparentes.

CANTO INDECISO VII

Para todos os meus problemas, semelhante

é o método que uso -- eu assimilo

as particularidades do futuro

e faço que planejem, incessante,

um plano diretor para meus dias...

Quando enfrentar qualquer percalço obscuro,

eu vou buscar em meu farnel de esquilo

e lá se encontram as diretoras guias,

que abrangem, uma a uma, essas possíveis

tocaias e ciladas do destino

e determinam os meus procedimentos,

com soluções para quantas previsíveis

surpresas eu encontre nesse fino

sintonizar sutil dos sentimentos.

CANTO INDECISO VIII

Essa palavra, a "fantasmagoria",

É difícil de encaixar em um soneto.

Venho buscando, em intentar discreto

Incluir esse termo na heresia

Que anima tantos de meus padeceres:

Esses versos que lesam o concreto,

Mas se acentelham sempre no incompleto

Costurar de meus irônicos quereres...

Que meu viver tem teor fantasmagórico,

Por tanto que descrevo e nunca houve,

Por tanto que reflito sem sentir...

E, bem no fundo, é apenas um teórico

Painel que em tantas emoções eu louve,

Mesmo que as possa somente pressentir.

CANTO INDECISO IX

Hoje acontece que atrasei a quota

que a mim mesmo me impus -- vinte sonetos,

nem mais, nem menos, nos ritmos diretos

ou mais desencontrados; que me brota

esta fonte incansável e inda me queixo

de não possuir o dom de represar,

depois que abro a comporta a golfejar

raios de sangue que nos versos deixo.

Pois hoje me atrasei... Fiz só dezoito,

em tolos poemetos dispensáveis,

que escrevi na semana, inabordáveis

às temáticas mundanas, em que, afoito,

até lancei-me a descrever a carne,

num verso duro que desperta alarme.

ESTARRECIMENTO

Eu vejo gente a meu redor promíscua,

que mal parece sofrer as conseqüências,

tal qual se as bactérias, em pendências,

se digladiassem, de modo tal, que imíscua

nenhuma fosse, nem clímax lograsse

em dominar a flora vaginal,

ao combater dos vírus, afinal,

e dos fungos que o organismo apascentasse.

Mas eu sei que, se um dia te traísse,

bem justamente porque nunca traio,

seria logo acometido de um tropel

em que a vida oportunista me cobrisse,

como armadilha que evito e em que não caio,

por ser o preço pago em ser fiel.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 18/07/2011
Código do texto: T3101766
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