DESAFIO / EMBALDE
DESAFIO I (2008)
Há muito acreditava que mestre de meu barco,
responsável por tudo, senhor das consequências
era eu.. Eram meus males tão só ambivalências
provindas do passado, a revelar seu marco.
Por erros cometidos, sofria um fado parco,
por cada boa escolha ou por bememerências
havia recompensa, surgiam-me excelências,
que a meta resultasse da rota em que me embarco.
Mas agora, esta crença em dúvida foi posta.
Há mês e meio as coisas me transcorrem diferentes,
não as posso imaginar como sendo consequentes
com minhas decisões... Quanto isso me desgosta!
Semeei, plantei, cuidei de meu plantio
e tudo vejo murcho, nesta aridez de estio...
DESAFIO II (15 JUN 11)
Três anos se passaram após este rascunho...
Porém somente hoje chegou ao alto da pilha.
Há muitos mais na poeira de sua trilha,
aguardando, adormecidos, novo cunho...
Não consigo imaginar por que eu grunho
contra o destino que nesse então me encilha.
Mas a memória do esquecimento é filha
e já olvidei totalmente o que meu punho
redigiu há tanto tempo... Qual motivo
me levou a reclamar contra meu fado,
o que me fez sentir-me atribulado...
E ao perpassar por minha mente o crivo,
percebo quantas coisas no tempo se diluem,
em ecos mortos, que no sonhar flutuem...
DESAFIO III
As coisas passam, sem rastro permanente.
Nem sei qual foi tal desapontamento
que me tocou na fímbria de um momento
e me levou a tal rascunho inconsequente.
Porém meus filhos não rejeito, simplesmente.
Se foi ferido então meu pensamento
por um desgosto que nem chega a ser portento,
não rasgarei esse rascunho indiferente.
Não mantenho um diário de meus dias
e mesmo mantivesse, não datei
esse soneto de críptica mensagem.
E assim me embalarei nas embolias
que nessa ocasião eu registrei,
em tal desânimo perdido na voragem...
DESAFIO IV
Mas esse vezo de manter-me no timão
de meu barco, em seu destino aleatório,
mesmo manchado por desgosto merencório,
com segurança não descartei então.
Recebo as tempestades que aqui estão
com o mesmo controle meritório.
Tanto me faz o destino seja inglório,
quanto me leve, nos uivos de um tufão,
até o porto em que desejo estar.
Aceito o mal igual que aceito o bem,
só lhe procuro as consequências controlar,
sem pretender culpar a mais ninguém.
Meu bem, meu mal, eu provoquei também
e nem por isso me abandono a naufragar.
DESAFIO V
Se houve revolta a bordo e os marinheiros
me acorrentaram no fundo do porão,
ainda controlo meu próprio coração,
meus pensamentos são meus companheiros.
Se os sentimentos também forem traiçoeiros,
subornados por qualquer alvo malsão,
se o próprio leme estiver longe de minha mão,
se o coração me der os golpes derradeiros,
enquanto pulsar vida, irei lutar,
usando como leme os meus grilhões
e as próprias ondas eu hei de influenciar,
minha rota eu marcarei com emoções
e se preso no barco me afogar,
continuarei minha vida em ilusões.
DESAFIO VI
Controlarei os peixes desse mar
e atrelarei o barco a tubarões.
Darei audiência do fundo dos porões,
igual Netuno, o oceano a dominar!...
E se o deus contra a praia me arrojar,
farei que me obedeçam mexilhões.
Aos caranguejos darei ordenações
e as dunas se erguerão ao meu cantar.
Haja o que houver, serei senhor de mim,
meu espírito permanece inquebrantável
e da estopa do mal farei cetim.
De minha mente a quimera é interminável
e enquanto um fiapo conservar assim,
eu seguirei, no meu cerne, invulnerável!...
EMBALDE I (2008)
Eu mostro bom humor todas as horas
e nunca me deprimo. Apenas ira
toma conta de mim, quando se vira
a sorte contra mim nesses emboras,
ou quando as coisas sofrem tais demoras
que justificativa alguma me sugira
e no meu desalento, não surgira
motivo algum para cortar-me escoras.
Mas este bom humor talvez só seja
um bom metabolismo, que me enseja
o mundo contemplar com otimismo...
Ou mesmo o fato de ser vegetariano...
Se carne eu consumisse todo o ano,
talvez me escravizasse ao pessimismo.
EMBALDE II (16 jun 11)
Não é por religião, bem certamente.
Comiam carne na casa de meus pais
e tentaram me obrigar até demais
a seguir o seu regime permanente...
Meu pai era até mesmo prepotente:
eu precisava de proteínas animais,
não podia comer só vegetais,
faria mal e ia acabar doente...
(E então teria de um médico pagar,
gastar dinheiro com medicamentos...)
Bem claramente não era amor por mim!
Pois, obrigado, eu chegava a vomitar
a carne ou frango, passando maus momentos,
até se convencer que eu era assim!...
EMBALDE III
Sem comer carne, fiquei muito mais alto
do que me pai, que me dava pelo queixo...
Porém não sou fanático, pois não deixo
de comer queijo, ovos, requeijão...
E por necessidade, isso ressalto,
em casa dos amigos ou em viagem,
franzo o nariz e me encho de coragem,
mas como aquilo que me servirão...
São Paulo, certa vez, aconselhou
aos primitivos cristãos, não perguntarem
se a carne fora oferecida em sacrifício,
no templo de algum deus, pois demonstrou
que mal só haveria, se indagassem,
por causar à sua consciência um malefício.
EMBALDE IV
Mas meu costume não vem de ideologia
ou de qualquer preceito mais sagrado.
Desde criança, não é de meu agrado
comer carne de animal que a gente cria.
E mesmo caça comer me repelia...
Não sou budista e não sigo o Iluminado,
mas a frutas e cereais sou inclinado:
meu bom humor talvez disso surgiria.
Não derivado de algum gentil afeto,
mas proveniente de equilíbrio hormonal,
por enzimas vegetais mais constituído.
Se bem que, para sincero ser completo,
carne de peixes como às vezes, afinal,
sem me esforçar por dela ser nutrido.
EMBALDE V
Contudo, talvez haja outra razão.
Meu bom humor pode provir da alma,
que se mantém, com consistência, calma,
por pior que me pareça a situação.
E quando o mundo me zomba em negação,
às vezes me domina o sentimento
da cólera ou da ira de um momento,
mas não me deixo cair em depressão.
Na verdade, a vida sempre me ensinou
que são tolices a tristeza e a alegria,
cuja causa a gente esquece facilmente...
Pois quando um bem a gente conquistou,
algo de mal o equilibra e a ironia
é minha amiga e conselheira mais frequente.
EMBALDE VI
Assim, ao encontrar algum sucesso,
um brinde lhe erguerei, com amizade.
Se enfrentar a derrota, em saciedade,
também a tratarei com igual apreço.
De braço dado, minhas escadas desço
com estes dois companheiros da vaidade.
Toda desgraça eu trato com bondade
e dos triunfos até me compadeço...
E assim o mal deixo desapontado,
enquanto o bem controlo, do meu lado,
sem lhe pedir que faça algo por mim...
Mas para ambos me acho preparado,
como ilusões que são e, mesmo assim,
de nada valem quando chega o fim.