INESPERANÇA & MAIS

INESPERANÇA

O nosso abraço foi cheio de carinho,

de beijos e carícias, pele a pele,

nudez que palmo a palmo se desvele,

enquanto os dedos, bem devagarinho,

percorrem gota a gota dessa seda

que envolve a carne quente e palpitante;

depois as línguas, frutas doravante,

arautos do prazer que se conceda...

Tua língua minhas espáduas percorrendo.

Minha língua nos teus seios pertencendo.

Tua língua em meu pescoço deslizando.

Minha língua em teu umbigo estertorando.

Até se expanda inteira, em teu canal,

uma outra língua, em ligação final...

REGRAS DA VIDA XVI

Tanta coisa se queria diferente,

ao longo desta vida, permanente

e sólida se encontra e, de imutável,

não pode ser movida, por ingente

que seja o nosso esforço, por freqüente

nos engajemos nessa inconseqüente

busca de o mundo tornar mais agradável,

sem que se alcance o alvo onipresente.

Pois só podemos mudar o cristalino

ponto de vista, com que o mundo inteiro

nós encaramos. Ou, talvez, o incerto

influenciar daqueles que mais perto

se achem de nós. Mudar é um dom divino,

a se iniciar em ti, sempre e primeiro.

TRANSMIGRAÇÃO I

Uns trinta anos atrás, me apaixonei

por um tronco de árvore, derrubada

durante a ventania. Assim, tombada,

a cerca de cem metros contemplei.

Um galho erguido para o alto, eu sei,

contra o tronco desnudo e reclinado...

Mas eu senti que ainda era habitado

pela hamadríade. E o tronco preservei,

até que consentisse, após dois meses,

que em lenha o transformassem, por calor.

Há poucos dias, vi outra árvore e já

roxas estavam flores e talvezes...

Seria possível que meu velho amor

morasse agora em um jacarandá...?

REGRAS DA VIDA XVII

Se alguma coisa eu procurei na vida

foi o melhor fazer, em tudo que podia.

Não "ser melhor que os outros" me exigia,

mas "ser melhor que eu fora" no passado.

Que nunca a concorrer eu dei guarida,

não me importava o que outro mais fazia.

Só "meu melhor fazer" sempre queria,

do que antes tinha feito ou realizado.

Por saber ser melhor do que os demais,

quando fazia o melhor a meu alcance:

e, mesmo assim, nunca fui de competir...

Que os outros digladiassem... Eu, jamais.

Se não me preferirem, num relance,

sempre eu me afastarei, sem insistir...

RENÚNCIA

Falhar sempre é humano e aceitável...

Questão de revelar equanimidade

perante os imprevistos. E a desejável

vitória ser surpresa e liberdade,

sem que haja o compromisso de vencer.

A vida é um filme para se assistir.

E o bem e o mal apenas parecer

de quem recebe e a dor tem de fruir...

Ou usufruir do gozo: são iguais,

pois o sucesso do fracasso é irmão

e ambos são fantasmas sem valor.

Assim o bem e o mal, apenas temporais,

não nos devem afetar o coração,

nem vale a pena sofrer penas de amor...

REGRAS DA VIDA XVIII

Não tenhas medo de sonhar jamais!

O sonho é teu --- um sangue coagulado

em jardins e palácios, encantado

e inacessível a todos os demais...

Porque é somente teu, esse castelo!

Apenas tu ao príncipe ou princesa

poderás cortejar --- e a real grandeza

espargirá em ti todo o seu zelo...

Teu sonho existe apenas para ti.

Não deves nem contar --- é teu, só teu:

não é um plano que devas partilhar...

Mas foram sonhadores, sempre vi,

que os mundos conquistaram, no apogeu,

em que tais sonhos vieram realizar...

PARAREALIDADE

Sonhos existem que são mais que sonhos,

especialmente os dons do devaneio

que, de olhos abertos, sem receio,

te perscrutam os cenários mais bisonhos...

Sonhos existem que levam à loucura,

quando o mundo colorem de impossível,

indigno de um viver, no inexaurível

cadenciar de monótona tortura...

Mas temos sonhos belos, envolvidos

no rolo das sinapses, repetidos

a cada vez que nos damos a Morfeu.

Quais ninguém pode roubar de tua ilusão:

por mais que te atormente o coração,

nunca te esqueças de que esse sonho é teu.

IATRE SEAUTON

[cura primeiro a ti mesma]

Eu creio, pessoalmente, que algo exista

a orientar o mundo pela história.

Não sei se Deus se importa ou porque insista

a conduzir os homens para a glória...

Mas sei que existe algo, onipresente,

que nos pervade... Um recompensador,

capaz de recolher a permanente

intrepidez humana, em seu candor.

E aproveitar do mal o quanto serve.

Achar nas guerras a cura de doenças.

Achar na poluição vida mais pura...

E, assim, essa potência nos reserve

um progresso constante, nessas crenças

que nos fazem encontrar a própria cura...

AMOR DE CÂMARA VI

Os homens se combatem, fazem guerras,

ao passo que as mulheres, por vaidade,

competem mutuamente, sem piedade,

umas e outros por épocas e terras...

Mas quando o homem combate com a mulher,

uma derrota ao outro; e o outro vence,

nessa junção dos corpos, que convence

ser das batalhas a que mais se quer...

Quando teu corpo noutro se emaranha:

uma vitória em que jamais se ganha,

uma derrota em que jamais se perde...

Que a adversária então nos acompanha,

no mesmo galardão que enfim se herde:

fazer amor com a música de Verdi.

RICOCHETE

Eu acho até estranho que me digam

que nunca tenha medo de sonhar,

que nunca tenha medo de pensar

nos mil possíveis fados a encontrar...

Nesse futuro incerto, a que consigam

as minhas decisões me conduzir,

que tal porvir eu possa permitir,

diverso do passado, a fim de agir

de tal maneira que os sonhos de menino

[estranhas esperanças irreais]

inda apareçam, ao longo do caminho.

Que o sonho sempre foi um cristal fino,

[estilhaçado em decisões fatais]

que sempre me privaram do carinho.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 19/06/2011
Código do texto: T3043725
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