A RAINHA ISABEL E O MILAGRE DAS ROSAS
Canta o meu povo com alegria
A linda história da terna Isabel
Casou com Don Dinis, foi rainha
Seus gestos eram doces como mel!
«Rainha Santa», assim chamada,
Um anjo de encanto e candura,
Todos amou, por todos foi amada,
Suas mãos eram poço de ternura!
No real regaço escondia o pão
Que matava a fome aos pobres
Sem do soberano ter permissão.
«Que levais, Senhora, nas vestes?»
O milagre se fez, nas mãos formosas
Quando respondeu: «Senhor, só rosas!»
* * *
A RAINHA ISABEL DE PORTUGAL
Isabel de Aragão era filha do rei de Aragão, D. Pedro III, e nasceu no ano de 1271.
A infanta tornou-se conhecida em beleza, discrição e bondade. As suas virtudes levaram muitos príncipes a pedir sua mão a D. Pedro III. Os seus pais escolheram o mais próximo, D. Dinis I de Portugal que, com apenas 19 anos havia subido ao trono. Era, também, o pretendente mais dotado de qualidades, além das boas relações entre os reinos.
Isabel estava mais inclinada a encerrar-se num convento, no entanto, como era submissa, realizou o desejo (e ordem) dos pais.
Casaram por procuração em 11 de Fevereiro de 1282, e apenas quatro meses depois ela atravessaria a fronteira, por Trancoso, a fim de celebrar o acontecimento. A cidade de Trancoso foi incluído no dote oferecido por D. Dinis à esposa, assinalando o seu local de entrada no reino.
Dona Isabel gostou tanto de Portugal e do povo que se tornou uma das rainhas mais importantes e mais conhecidas. Nos primeiros tempos de casada acompanhava o marido nas suas deslocações pelo país e com a sua bondade conquistou a simpatia do povo. Oferecia dotes a moças pobres e educava os filhos de cavaleiros sem fortuna. Por onde passava, fazia transparecer o seu amor e bondade. Gostava de ajudar os pobres, embora o seu marido não gostasse.
Confeccionou roupas para os mais necessitados, visitou enfermos e idosos.
Patrocinou a construção de albergues e hospitais (o hospital de Coimbra, o de Santarém e o de Leiria para receber enjeitados), escolas, um lar para meretrizes convertidas, outros para órfãos, para além de conventos e de todo um grandioso trabalho junto das ordens religiosas.
A sua vida foi marcada por quatro virtudes fundamentais: a piedade, a caridade, a humildade e a inquietude pela paz, conservando em sua vida a prática da oração e a meditação da Palavra de Deus. Buscou sempre a reconciliação e a paz entre as pessoas, as famílias e até entre nações.
D. Isabel costumava dizer “Deus tornou-me rainha para me dar meios de ajudar os que precisam.”
O ano de 1333 foi um ano de carência e fome no reino. O rei proibiu D. Isabel de continuar a fazer doações, o que constituía grande despesa para a Casa Real. Em segredo, ela vendeu grande parte das suas joias para poder comprar trigo, que lhe permitisse manter a ajuda prestada aos mais desfavorecidos.
Era bondosa até para com D. Dinis, acolhendo, amando e educando os filhos ilegítimos do marido, como se seus fossem.
Após a morte de seu marido, entregou-se inteiramente às obras assistenciais que havia fundado, não podendo vestir o hábito das clarissas e professar os votos no mosteiro que ela mesma havia fundado, fez-se terciária franciscana, após ter deposto a coroa real no santuário de São Tiago de Compostela e haver dado seus bens pessoais aos necessitados. Fixou residência em Coimbra, junto ao convento de Santa Clara, nos Paços de Santa Ana, de que fez doação ao convento.
Viveu o resto da vida em pobreza voluntária, dedicada à solidariedade.
Teve ainda tempo para dedicar especial atenção à governação de seu filho D. Afonso IV, O Bravo.
O MILAGRE DAS ROSAS
A história mais popular da Rainha Isabel é, sem dúvida, a do Milagre das Rosas.
Uma escura e fria manhã de inverno, a rainha saiu do Castelo do Sabugal para distribuir pães aos mais desfavorecidos. Foi surpreendida pelo soberano que, indignado, pensava que sua esposa ocultava pães no regaço, D. Dinis terá perguntado:
– Que levais em vosso regaço, Senhora? – Ao que D. Isabel teria respondido:
– São rosas, Senhor, só rosas…!
– Rosas em janeiro?! Pois deixai que as veja então! – E soltando as vestes, eram de fato rosas que caíram ao chão, pelo que se diz que teria sido este o seu primeiro milagre. Alguns escritos dizem que eram rosas e camélias rubras.
Fez tantos milagres que era conhecida pela "Rainha Santa".
A época exata do aparecimento desta história (a que alguns chamam de lenda) na tradição portuguesa não está determinada. O mais antigo registro conhecido é um retábulo quatrocentista conservado no Museu Nacional de Arte da Catalunha:
«Levava uma vez a Rainha Santa moedas e pães no regaço para dar aos pobres(...) Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava,(...) ela disse, levo aqui rosas. E rosas viu el-Rei não sendo tempo delas.» (Crónica dos Frades Menores, Frei Marcos de Lisboa, 1562).
Portugal sempre foi um país de forte tradição Católica e a D. Isabel foram atribuídos muitos milagres, como a cura da sua dama de companhia e de diversos leprosos. Curou uma pobre criança cega e sarou numa só noite os graves ferimentos de um criado.
E por ter sido uma rainha tão piedosa, ainda em vida, D. Isabel começou a gozar da reputação de santa, tendo esta fama aumentado após a sua morte.
A MORTE DA RAINHA SANTA
Dona Isabel, Rainha de Portugal, faleceu em Estremoz, no dia 4 de Julho de 1336, com cerca de 66 anos.
Urge salientar que D. Afonso IV nutria pela Rainha-Mãe uma grande afeição e reconhecida admiração, pelo que ordenou que se cumprisse a sua vontade de ser sepultada no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, mesmo implicando uma duríssima viagem fúnebre desde Estremoz até Coimbra. E, de fato, foi longa e penosa a trasladação do seu corpo para o convento conimbricense, fazendo-se essa deslocação debaixo de um sol escaldante, uma longa jornada de sete dias e sete noites – mas, para espanto de todos, o féretro exalava um perfume tão suave que “tão nobre odor nunca ninguém tinha visto”.
E “acorreu gente de todo o reino” a participar no cortejo fúnebre, e logo aí começaram a circular rumores de “prodígios” e “milagres”.
Nas cerimónias exequiais realizadas no velho Convento de Santa Clara, rezam as crônicas que o entusiasmo e a vontade popular de querer tocar na Rainha eram de tais que se chegou a recear pela segurança do ataúde. E desses dias datam as primeiras narrativas de curas milagrosas, que depois iriam integrar os autos do processo de beatificação.
Foi beatificada pelo Papa Leão X em 1516, vindo a ser canonizada, por especial pedido da dinastia filipina, que colocou grande empenho na sua santificação, pelo Papa Urbano VIII em 1625.
Por ordem do bispo D. Afonso de Castelo Branco abriu-se o túmulo real, verificando-se que o corpo da saudosa Rainha estava incorrupto (note-se: cerca de trezentos anos depois). A canonização solene teve lugar em 1625. Quando esta notícia chegou à cidade realizaram-se grandes festejos que se prolongam até aos nossos dias nos quais participam católicos e não católicos.
«… A abertura do sepulcro real fez-se com toda a precaução e respeito, na presença dos bispos de Coimbra e Leiria, do Desembargador do Paço, vários professores da universidade e do notário que lavrou o respectivo auto. Após a retirada de vários envoltórios, finalmente, ‘se achou mui são, inteiro e sem corrupção, antes muito alvo e cheiroso e coberto de carne’, o corpo da rainha. D. Afonso de Castelo Branco obteve autorização do papa Paulo V para trasladar o corpo incorrupto da rainha para um cofre transparente, para que ali se visse o mesmo que em Cassia, Viterbo e Bolonha: os corpos das gloriosas santas Rita, Rosa e Catarina…» (in, Documento – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa)
É reverenciada no dia 4 de Julho, data do seu falecimento.
Passou a integrar o cortejo dos Santos na liturgia católica, alargando-se o seu culto a toda a Cristandade.
Atualmente, inúmeras escolas e igrejas ostentam o seu nome em sua homenagem. É ainda padroeira da cidade de Coimbra, cujo feriado municipal coincide com o dia da sua memória.
O sepulcro foi colocado, conforme era sua vontade, no meio da igreja de Santa Clara-a-Velha.
Posteriormente, contudo, a subida das águas do rio Mondego e o assoreamento das suas margens inundou por completo este velho Mosteiro (agora reconstruído e visitável, após cerca de 400 anos submerso pelo causal do rio…), o que obrigou à mudança da arca tumular para o novo convento (Santa Clara-a-Nova), construído em zona alta e entregue às freiras Clarissas no séc. XVII.
Atualmente, o túmulo, bem como o Mosteiro Novo de Santa Clara (Santa Clara-a-Nova), está confiado à guarda da Confraria da Rainha Santa Isabel.
O seu corpo encontra-se, incorrupto, no túmulo de prata e cristal.
Temos a sorte de poder conhecer os traços do seu rosto. Ao contrário do que acontece com a maioria das figuras históricas femininas do período medieval português, é possível conhecer o rosto da Rainha Santa Isabel. E isto porque a sua face ficou “retratada” para sempre na estátua jacente do túmulo primitivo – uma das mais importantes obras da arte tumular medieval portuguesa.
Nele a rainha está representada com o hábito de clarissa e com o bordão e a sarcela de peregrina (de Santiago), conforme era seu desejo. Na cabeça conserva a coroa de rainha. Dois anjos contemplam-na. Dos lados e aos pés acompanham-na três pequenos cães, símbolos da fidelidade. Rodeiam-na oito escudos de Aragão e de Portuga. Mesmo na morte não deixou de ser rainha de Portugal e princesa de Aragão. No rosto, grave e sério, os olhos denotam o ligeiro estrabismo referido pelos cronistas. Este pormenor garante a fidelidade do retrato.
CONVENTO DE SANTA CLARA-A-NOVA EM COIMBRA
Iniciou-se a sua construção em 3 de Julho de 1649.
O interior tem apenas uma nave coberta. A cabeceira é formada por uma grande ábside onde está a estátua polícroma de Santa Isabel esculpida por Teixeira Lopes (século XIX) e o túmulo de prata que contém o corpo da Rainha Santa.
No retábulo veem-se talhas barrocas. As telas alusivas à vida da Rainha Santa são da primeira metade do século XVIII. Nas paredes laterais encontra-se um retábulo de talhas douradas e policromadas com baixos-relevos.
O túmulo da Rainha Santa foi feito por Mestre Pero nos inícios do século XV.
No coro-alto, encontram-se expostos objetos de culto e alfaias de prata do convento, para além do cadeiral com 78 cadeiras distribuídas por dois andares, datado da primeira metade do século XVII. Nas paredes laterais, estão alguns retábulos vindos do convento velho (Convento de Santa Clara-a-Velha, que sofreu inundação e foi abandonado em 1677, altura em que as freiras se mudaram para o novo edifício).
O claustro, de grandes dimensões, foi elaborado pelo arquitecto Carlos Maudel no século XVIII. Possui um excelente nivel arquitectónico e qualidade de execução.
UM FADO PARA A RAINHA
O saudoso fadista Alfredo Marceneiro dedicou-lhe o famoso fado Rainha Santa, com letra de Henrique Rego:
"RAINHA SANTA"
Letra de: Henrique Rêgo
Música de: Alfredo Marceneiro
Não sabes Tricana linda
Porque chora quando canta
O rouxinol no choupal
É porque ele chora ainda
P´la Rainha mais Santa
Das Santas de Portugal
Rainha, que mais reinou
Nos corações da pobreza
Que no faustoso paço
Milagreira portuguesa
Que no seu alvo regaço
Pão em rosas transformou
E as lindas rosas geradas
Por um milagre fremente
Que a Santa Rainha fez
Viverão acarinhadas
Com amor eternamente
No coração português
Santa Isabel, se algum dia
Seu nome de eras famosas
Fosse esquecido afinal,
Outro milagre faria
De nunca mais haver rosas
Nos jardins de Portugal.
Ana Flor do Lácio (03/05/2011)