CANTO EM SOL MAIOR

CANTO EM SOL MAIOR

Coroa de sonetos

(Do livro Sonetos de Amor e Passatempo)

I - MNUNDO UNO

Inspiração de fogo e arte abstrata,

o meu sonho ilusão e encantamento.

E a viravolta? e o mundo pensamento?

E a vidamorte? E a angústia que maltrata?

O mundo uno eu-tu, que se retrata

na mente do poeta, é o puro intento

de paz universal e amor. O alento

de inspiração do bem, suave e grata.

É um sonho azul alimentando o sonho,

Ou uma ilusão sobre ilusões que ponho,

nesse desejo vão de tanta cousa.

Talvez a fantasia unicamente,

a recalcar-me, a reprimir na mente

a esperança de luz que em mim repousa.

II - INVERSÃO

A esperança de luz que em mim repousa,

é, em permanente busca e ardente espera,

retroagir à antiqüíssima monera,

e vir gravando o sonho pousa em pousa...

Sonho engendrando sonho - que se cosa

renovada a esperança na quimera!

E não se acabe, e viva em toda era,

mansa, suave, como o amor da esposa.

Não se inverta ou reverta essa ilusão,

não se confranja o sonho, o coração

não tema de penar sob a orvalhada...

Sendo imortal num verso renitente,

eu viva e goze essa esperança ingente,

em renovo de planta, em alvorada!

III – VERDADE DA VIDA

Em renovo de planta, em alvorada,

é a fé que nos conduz em toda a vida.

O cuidado e o sucesso, a apetecida

glória que se conquista e quer lembrada.

Será talvez a convicção quebrada

que deparamos, alma constrangida,

depois de muito conquistar subida

e ver, atrás, esvaziar-se a estrada...

inversão, viravolta, o feio em belo,

um elo revertido noutro elo,

o bem, quem sabe, o mal que a tudo ousa.

A certeza do nada nos atinge

e a verdade da vida – a morte, esfinge,

risca na mente como em branca lousa.

IV – MEMÓRIA DA VIDA

Risca na mente como em branca lousa,

na lousa inscrita a última saudade,

a triste morte, cruel fatalidade,

que te abriga afinal e te repousa.

Depois... Depois virá a posteridade

para arrancar-te à escuridão da lousa.

E viverás, então, como quem ousa

da memória viver a austeridade.

Tem filho e livros, cuida bem da planta,

e há de ficar-te a imagem, tanta, tanta,

que aponta às gerações teu artifício.

A grande vida a morte reedifica

perpetuamente. E o bem que se pratica

inscreve na memória o seu ofício.

V – CIGARRA TRISTE

Inscreve na memória o seu ofício,

uma cigarra cantadeira e triste.

Em mim, me vem da infância e não desiste,

não me deixa, jamais, desde o início.

A cingir-me terrível o silício

da métrica e da rima, mais persiste

esta cigarra cantadeira e triste,

tanto mais eu me esquive de seu vício...

E vou cantando, modulando a esmo,

sem pretensões e sem cuidados, mesmo

que os olhos me ardam pela madrugada.

Cigarra triste, porque que foi vim

cingido a ti desde o começo ao fim?

- eu me pergunto, e me responde o nada...

VI – NOSTALGIA

Eu me pergunto e me responde o nada,

por mais que insista. – De onde vem, responde,

o tormento cruel que em mim se esconde

no anseio de cantar uma balada?

De onde me vem, cigarra camada,

essa nostálgica cantiga? De onde?

Vem do meu ser por certo, e mais que a sonde,

não lhe acho a origem bem qualificada...

Nasci poeta e morrerei poeta.

Tenho no canto a distração dileta,

ou posso ter, não sei, meu grande vício.

Mas se o meu canto-vício é uma tortura

e do fulgor lhe falta a singradura,

como se impõe, assim, o sacrifício?

VII – O SONHO

Como se impõe, assim, o sacrifício

da guerra que destrói sem piedade,.

desde os primórdios, põe a humanidade

na descida do caos, do precipício?

Porque falta bonança e há tempestade?

Por que é há dor e falta benefício?

E porque fome aqui e desperdício

ali? Diabo? Deus? Fatalidade?

Porque me foge a fé? Foi sem querer

a dúvida de ser e de não ser,

o espectro de tortura renegado...

Basta! Serene em mim este suplício

e eu erga o cálice do sacrifício,

no sacrifício, o sonho intercalado!

VIII – O VOO

No sacrifício, o sonho intercalado

cresce e voa. E mais cresce e mais voa,

sobe o infinito, nos grotões ecoa,

proclama altivo um mundo renovado...

É um canto de esperança o sonho alado,

e ao retornar do vôo traz na proa

do seu barco ilusório, a luz que escoa

no rebrilho do olhar de iluminado...

Agora aqui! A fé renova na alma

toda a tranquilidade, toda a calma

e o cristal de ilusões em separata.

Meu canto é em sol maior e é diferente

de cantares comuns inteiramente,

porque é de alto mar minha regata.

IX – BUSCA

Porque é de alto mar minha regata,

e voo galáxias, mundos e re-mundos,

fundos abismos, fundos e re-fundos,

eu tento sempre a exata ciência exata.

Ciência que mostre Deus, origem, data,

meteoros, sóis, planetas, novos mundos,

ignotos e remotos, mais profundos

como se quer exata a ciência exata.

Poeta basta! Desce à terra, desce,

resume a busca nisto só – na messe

de confusão terrena ainda intacta.

E basta decifrar aqui, o estático

e complicado símbolo, enigmático:

o amor é vida, e porque vida, mata.

X – ASCETA E SATANAZ

O amor é vida, e porque vida, mata

caindo brusco no seio do poeta.

É rosa rubra, é fogo que arrebata

confundido no sangue e na alma inquieta.

Gosto de ser cantiga em serenata,

glória e epopéia, espírito de asceta

e satanás... Orar, beijar mulata,

voar amplidões, a luz do sol por meta.

Que mais? Que mais, da vida desejar?

Morrer de amor, na lágrima cantar,

ter por memória o verso consagrado.

E reviver maior do que vivi,

ser imortal nos versos que escrevi,

no que há de paz em si representado.

XI – O MONGE

No que há de paz em si representado,

de sentimento amigo e mansidão

de um monge nas missões – o coração

tem forças de um destino formulado.

Inda moço era o monge no sertão,

indo e vindo, pregando, no cuidado

de redimir e de absolver pecado,

de abençoar em nome do perdão..

Temos não o via nem notícias tinha.

- Que seria do Monge, Senhorinha...

Mudara, por acaso, a freguesia?

No cemitério, quando entro um dia,

aí descubro a lousa que retrata

um nome, um fim de sonho, a hora e a data...

XII – O MONGE E A MOÇA

Um nome, um fim de sonho, a hora e a data,

vou lhes contar a história, à moça e ao monge.

Ele, na idade ia longe, longe,

sem saber de vulcão e catarata.

Nunca a mulher. O amor, era a abstrata

contemplação do Cristo e tão somente.

Entre a igreja e as missões ia contente,

limpo de alma como a água e a prata.

Ela bonita, moça, petulante,

no entra e sai da missa, ar provocante,

ama-o, conquista e faz em desregrado.

Por que contar? Por que? O fato existe.

Juntos a moça alegre e o monge triste

lembram que há bem e mal, luz e pecado...

XIII – A MOÇA, O MONGE O MAGISTRADO.

Lembram que há bem e mal, luz e pecado,

tendo promiscua a vida em plena igreja,

a moça e o monge. Se não quem veja,

vê o ciúme e reclama, implora em brado.

Marca o fim do romance e vem peleja

rondando a moça, o monge e um magistrado.

Punhal na mão. Flagrante. E ei-lo, sangrado,

o velho monge. A moça foge, andeja.

Mas cai ao ódio, ao rancoroso ciúme,

nem se lavar, lavara o afiado gume,

a moça, do punhal ensangüentado.

Sepultam-se os dois juntos e o punhal,

para que marque a campa o bem e o mal,

o amor e o ódio unidos lado a lado...

XIV – GUERRA E PAZ

O amor e o ódio unidos lado a lado,

a vingança e o perdão, a guerra e a paz,

é sabido que vêm... A guerra traz

quente, o sangue nos campos derramado.

A paz é manso sol fraternizado,

senso, luz de razão que se refaz.

O ódio é punhal por séculos, capaz

de sangrar e ferir desesperado.

Rosa vermelha – amor fertilizando,

Punhal vermelho – morte dizimando...

Ros amor ama, ódio punhal detrata.

E agora chega, o meu cabelo pinte-se,

fecho a cadeia coroando a síntese

no amor que é vida, no ódio que arrebata...

SÍNTESE

No amor que vida, no ódio que arrebata,

o amor e o ódio unidos lado a lado,

lembram que há bem e mal, luz e pecado,

um nome, um fim de sonho, a hora e a data.

No que há de paz em si representado,

o amor é vida, e porque vida, mata!

Porque é de alto mar minha regata,

no sacrifício o sonho intercalado.

Como se impõe, assim, o sacrifício,

eu me pergunto, e me responde o nada,

inscreve na memória o seu ofício.

Risca na mente, como em branca lousa,

em renovo de planta, em alvorada,

a esperança de luz que em mim repousa.