O sonho de Ulisses



1.

Silêncio...o palco iluminado espera o ator.
Ele entra mudo, fita o público... se senta.
Tira do bolso um lenço branco e se apresenta:
“Meu nome é Ulisses, sou ninguém pro meu autor,

Por duas décadas eu enfrento só tormenta,
Vagando a esmo conhecendo apenas dor,
Náufrago triste que sem medo a sorte tenta,
Homem que espera reencontrar um velho amor...”

Neste momento uma mulher entra e tateia
O rosto triste do ninguém sentado ali...
E então pergunta: “Nobre Ulisses da Odisseia,
Você não lembra que aportou seu barco aqui?

Ele olha em volta e diz sorrindo: “É uma sereia
Aos seus encantos ninguém pode resistir...”

2.
 
“Sim, sou a sereia dos seus sonhos de menino
Aquela mesma que você já desprezou,
Pobre Penélope cansada e sem destino
Que há muito tempo por prazer você trocou...”
 
O herói tranqüilo ouve distante o som de um sino
E então pergunta: “Se eu não sei mais quem fui, ou sou,
Como saber se o encantamento é ou não divino?”
Logo a sereia calmamente retrucou:

“Você é tão sábio, sempre astuto e muito esperto,
Desconfiando do poder da divindade,
Não lembra mesmo que escolheu chegar mais perto
Só pra sentir nosso prazer com liberdade?”   
 
Ulisses olha em volta e diz: “Se tudo é incerto,
Esta Odisseia não contém qualquer verdade.”