AUTOANÁLISE* [CCXXIV]
Da vida – a boas léguas – quero dar balanço,
mas sem medir se a tive ao jeito que quisera,
pois, sonhador, à sombra morna da quimera,
pular fora de mim enfara e já me canso.
Sei que matei meu tempo, no desvão que era
preciso pontuar melhor, e sem descanso,
sem odiar ninguém nem ir-me a vão remanso,
nem preguiçar, que o ócio vive só de espera.
Talvez nas várias festas e estações do ano
tivesse sido muito, bem mais menos fútil,
quiçá um ser terráqueo com teor humano.
Nos zênites do tempo lindo, mal colhido,
posto que aos semelhantes tenha sido inútil,
pelejo, agora, dar-me à vida algum sentido.
Fort., 28/06/2010.
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(*) Tratando-se o soneto de uma autoanálise,
ao jaez psicanalítico, e já por ser soneto es-
ta composição, convém dizer que a fiz à mo-
da tradicional, em versos alexandrinos (do-
decassílabos), com extremo rigor nas cesuras
e contendo os devidos hemistíquios, ou seja,
com tonicidade obrigatória nas sextas sílabas
métricas. E por que tal esnobismo? Justo por
ser um soneto. Todos os nossos têm uma ló-
gica simétrica da antiga versificação. Ponho
medidas de pé-quebrado em qualquer outro
tipo de composição, menos no soneto, que, a
meu modesto entender, é composição fixa,
nobre, de escol. Achem defeitos – e estes
são infindos – no conteúdo, no escasso cabe-
dal de imagens, na temática, no modo pouco
criativo, etc., etc., menos no que concerne à
forma, mormente no asseio e no rigor da lin-
guagem.