Sonetos
O Reaver
A mão de lôbrega inda tépida,
Sem delongas irá minha porta empurrar.
O toar desta última voz límpida,
Em meus suspiros vai-me sussurrar;
Que a vida de cerne ríspida,
Faz do homem um animal a mais a urrar,
E nem mesmo a perfeita criação é despida,
Das falhas narcíseas e das tramas a lhe esmurrar,
Ufana beleza cujo como verme declinado,
Em torno de meu tormentoso cadáver,
Humildemente olhar-me-ei indignado.
A trama vitoriosa será a que há de haver,
Devorará meu falso ego infortunado,
Que nem a mortificação será capaz de reaver.
A Única Amiga
Não te glories do dia de ontem,
Mal sabes o que lhe aguarda amanhã.
Pode ser o último que lhe tem,
A derradeira aurora da manhã.
Deixará ao outrem a amargura
Ou este ficará alegre pela tua partida?
E festejará com bebida e fartura?
Aos risos dançarão uma dança incontida?
E o teu sepulcro estará repleto de carpideiras
Ou de amistosos humanos que viveram adjacentes?
De companhia terás os vermes e as bicheiras.
Entretanto nada disto importa aos veementes.
As entranhas sem vida são o alimento, fiteiras,
Pois estão eternas, olhai-as fixamente jacentes.
Colombina
Amá-la-ia se o amor vivesse simplesmente do encanto,
Da legítima veste que usas e da encenação.
Muito a desejo embalando-me em um doce acalanto,
Porém perco-me quando és fútil e está em ação.
Enamoradeira repleta de admiradores,
És sempre tão bela, alegre, feliz sem tormentos?
Será que alguns sabem de tuas reais dores?
Ou apenas vêem como verdade todos teus fingimentos?
Se eu pudesse ao menos por uma noite ausentar-te do ato,
Fazer-te indagações com réplicas não abstratas,
Confiar-te meu amor sem que a cena sirva-lhe de ornato,
Saber sobre o que tua alma verdadeira retratas.
Quero sentir-me como sou em meio ao teu tato,
E por trás do palco entender-te, conhecer tuas mentiras fartas.