Adelina Velho da Palma Evento 1000 Sonetos

NÃO TE VI

Adelina Velho da Palma

Não te vi. Não chegaria a ver

o teu caixão cheio de margaridas

naquele hiato entre duas vidas

que separa um ser do outro ser…

Não te vi. E não pude reter

a última visão das feições queridas

das mãos entrelaçadas e unidas

do doce olhar que cego sabe ver…

Não te vi!... Mas pude imaginar

véu, cortejo, féretro e altar

da morada onde foste recolhida...

Não te vi!... Ver-te-ei além do mar

naquele venturoso limiar

aonde as margaridas são de vida!...

ANIVERSÁRIO

Passei contigo o teu aniversário

numa cidade de pedra e caruma,

eu de pé, rodeada de bruma,

tu deitada, envolta no sudário…

Passei contigo o teu aniversário

e não falámos sobre coisa alguma,

eu desfeita em palavras de espuma

tu calada, figurante em cenário…

Mas dei-te os parabéns em pensamento

aguardando que a todo o momento

teu eco de existir a mim volvesse…

Mas nada respondeu ao meu apelo,

somente uma visão de pesadelo

de um Cristo sem esperança que morresse…

REQUIEM

Tanto amor que para nada serviu!...

Tanto carinho evolado ao vento!...

Tanto sonho e tanto sentimento

Que no mundo real se esvaiu…

Com a vida há tanto por um fio

Chegou enfim para ti o momento…

Sem medo, sem revolta, sem lamento

Fechaste os olhos e o véu se abriu…

O que viste ou não viste ninguém sabe…

Sempre o mesmo mistério, onde cabe

Toda a esperança e todo o alento!...

Mas uma gota de água cristalina

Brilhou no arco-íris, pequenina,

Antes de cair no rio do esquecimento…

FÁCIL E DIFÍCIL

Quem me dera que tudo fosse fácil

Que a própria morte não fosse difícil

Que o tempo fosse um beijo em vez de um míssil

E o sonho uma alavancagem grácil…

Quem me dera que eu preferisse o fácil

Que a morte me afastasse do difícil

Que gostasse mais dum beijo que dum míssil

Que achasse alguma graça ao sonho grácil…

Mas há em mim tal natureza míssil

Que na hora em que se apresenta o fácil

A tentação aponta-me o difícil…

E sucumbo à maior verdade grácil:

- É tão fácil fazer o que é difícil

como difícil é fazer o fácil!...

ESTE LUAR

Brilha este luar de luz brilhante,

arde este luar de luz ardente,

feito apenas de luz, de luz presente,

como um luar de luz mui abundante…

É um luar de uma luz radiante

é um luar de uma luz transparente

é um luar macio, doce e quente

que alumia e afaga o mais distante…

Um tal luar de luz é o bastante

p’ra tornar forte o fraco no crescente

e desfazer a mágoa no minguante…

É um luar que guia e nunca mente

ampara e suaviza a alma errante

e do céu protege a vida da gente…

Adelina Velho da Palma

Portugal

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