Astenio Fernandes Evento 1000 Sonetos

MULHER

Astenio Fernandes

Foste pra mim a casa acolhedora:

Imensa, intensa, intátil, infinita,

De beleza beirando a mais bonita,

A minha tenda terna, imorredoura.

Hoje és rua de raia esmagadora

Onde transita a minha dor, aflita,

Impessoal, intrínseca, esquisita,

Dialética má, constrangedora.

Por ela passa, apenas, a saudade,

Única companheira, de verdade,

Como doce acalento ao meu degredo.

Aquela casa da felicidade,

Ruiu ao vento da perversidade,

Fez-me menino triste, sem brinquedo.

SENILIDADE

Hoje encontrei o meu amor idoso,

De tanto caminhar apaixonado,

Envelheceu e está desditoso,

Não podendo voltar ao seu passado.

Inda resiste o velho amor teimoso,

Pois, não sabe viver desamparado.

O seu negro cabelo venturoso,

Inditoso é branco, desbotado.

Desejo amparar meu triste amor.

Imploro aos deuses, lhes peço favor,

Transformem este no que foi aquele!

Mas o verbo divino me responde:

Impossível o teu pedido, onde

Vou renovar a juventude dele?

AZO

Fez-se perto o tempo do carinho,

Voejando na brisa, doce vento,

A distância se confundiu no tempo,

Pro amor retroceder no caminho.

Foi-se a saudade no entretempo,

Retornou felicidade ao ninho,

Em apressado passo, antes lento,

Para reinar negando o descaminho.

E floresceu a primavera em cores,

Sazão, iluminada aos amores,

A vida explodiu em sol, nascente.

Hostil distância que provoca a dor,

Assim, enleada, encontrou

Seu tempo de carinho, simplesmente.

ESTORVO

O coração registra o ante tempo.

Mas um relógio rusto, em descompasso,

Registra o tempo tardo do embaraço,

Sopitando saudade, em contratempo.

Restando, agora, um parco passatempo

No tempo que rebusco e não desfaço,

Dessa desigualdade a cada passo,

Eis que me encontro além desse entretempo.

Vejo que o tempo se perdeu no tempo,

Consumindo alegrias do passado,

Num compasso binário, tempo e hora.

Mas ele, inexorável, a destempo,

Aponta ao pecador o seu pecado:

Não vê, a tempo, o tempo ir-se embora.

TURBILHÃO

Manhã. O sol invade o chão do quarto.

Um pássaro, ao longe, faz-se ouvido,

Despertando de vida outro sentido,

E de felicidade um novo parto.

A tarde torna, e quase que me infarto.

Da graça da manhã eis que duvido:

A solidão de onde haja surgido

Se tudo estava lindo, belo e farto?

Enfim, é tudo um rito de passagem.

A manhã trouxe à tarde antiga imagem

Projetada no prisma do infinito

Eis que o amor se perde na voragem,

Quando o drama de dois tem a coragem

De perdê-lo no tempo mais bonito...

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