Rio Paraguai

RIO PARAGUAI (Edson Moraes)

I

Quando o luar se faz sobre esse rio

E a luz de prata em seu desatavio

Bebe da água onde a estrela cai

Os peixes dançam num valsar macio

Festa da vida e do perene cio

No ventre fértil do Rio Paraguai

II

Numa canoa se equilibra o ribeirinho

Por sobre estrelas que cravejam seu caminho

No colo argênteo em que se banha a claridade

E vai assim, remando a vida de mansinho

Porque sem pressa dura mais esse caminho

Porque aos poucos terá mais felicidade

III

Bichos e plantas se encantam à passagem

Da fonte d´água a espargir em cada margem

Gotas fecundas que semeiam vida nova

É quando a lua, do amor presa à voragem

Se entrega ao vento, em sutil libidinagem

Desce do céu e faz do rio a sua alcova

IV

Luar do porto, dos corixos, da estiva

Que acende ao crente na ladeira a fé cativa

Em Pedro, Antônio, João e outros andores

Luar que embala o cururu e a paz nativa

Que não permite nenhum barco à deriva

E vem pousar na devoção dos pescadores

V

Ao seu redor a procissão dos astros

Deixa no éter fulgurosos rastros

E envolvente a embarcação seduz

Faz a bandeira se agitar nos mastros

Como querendo se livrar dos lastros

Para tremer no séquito de luz

VI

A lua plana sobre todos os andores

E seus fiéis, em cantos redentores

Ladeira abaixo, na solene contrição

Bebem da água que redime e purifica

Banham o santo - e a alma vivifica

Na esperança, a única oração

RIO PARAGUAI (Cont.)

VII

Se a plúmbea nuvem, num gesto ardiloso

Encobre o brilho em vôo preguiçoso

E aturdido o porto escurece

O ribeirinho, no instante desditoso

Tira dos olhos um luar esperançoso

Olhar que guarda uma luz que não fenece

VIII

Mas há tristezas circundando o grande rio

Quem viu a dor da velha índia – o desvario

Numa Gaíva, deserdada, cega e só?

E ainda assim, agonizante, o canoeiro

Trançava fibras de aguapé, tão altaneiro

Na resistência orgulhosa do guató!

IX

Há mais tristezas torturando o grande rio

É quando o homem, por ganância ou desvario

No frágil leito põe veneno e imundície

Pouco se importa que ao lançar seu próprio fel

Polui o espelho que reflete o nosso céu

Derrama a morte na úmida planície

X

Quão triste ainda se apequena o grande rio

Quando a volúpia da ambição, em pleno cio

Devasta a margem e leva o peixe à sua malha

Bichos e plantas, sucumbindo à douda ceia

Saem de cena, onde agora o mar de areia

Quem sabe ao homem só lhe sirva de mortalha

XI

Sonhei que um dia sobre as ondas bailarinas

Do céu desceram, em canoas peregrinas

As mãos de Deus, as melhores fiandeiras

Trançando o amor na calha destruída

Deram alento, proteção e sobrevida

Ao leito, à foz, à nascente, às cabeceiras!

edson moraes
Enviado por edson moraes em 09/10/2009
Código do texto: T1856756
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